“Mulheres, Igreja, Mundo”, um lugar que deve ser valorizado

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A canonista Myriam Wijlens, membro da Comissão Consultiva do Sínodo, descreve, na edição de outubro de L’Osservatore Romano, quais as “responsabilidades, funções e papel das mulheres na Igreja”, que deve ocupar seu lugar, não por motivos sociológicos, mas pela sua dignidade, que deriva do sacramento do Batismo”.

Marie-Lucile Kubacki*

Myriam Wijlens, holandesa, é docente de Direito Canônico na Universidade de Erfurt, Alemanha.

Myriam qual a sua reação ao ser escolhida como membro da Comissão consultiva do Sínodo?

“Acho que esta é a primeira vez na história que uma mulher entra a fazer parte da Comissão consultiva do Sínodo. Isso aconteceu logo depois que a Irmã Nathalie Becquart foi nomeada subsecretária da Secretaria Geral do Sínodo. Foi uma surpresa para mim, pois sou canonista e, geralmente, nós canonistas nunca somos convidados a participar, desde o início. Imagino que a minha nomeação esteja ligada à minha competência. Em 1984, enquanto estudava teologia, constatei que o Concílio Vaticano II havia redescoberto o valor do Batismo, ao inserir, de modo proposital, na Lumen gentium, um capítulo sobre o “Povo de Deus”, antes da hierarquia, desenvolvendo assim a doutrina da colegialidade episcopal. Então me perguntei: “Como tal doutrina poderia tornar-se uma realidade concreta”? O Código de Direito Canônico tinha sido apenas promulgado e então pensei: “Como uma lei poderá desempenhar um papel neste âmbito”? Esta questão me impressionou, desde quando comecei a estudar Direito Canônico, e ainda continua a me impressionar”.

Esta questão do reconhecimento e responsabilidade das mulheres na Igreja emergiu em todos os relatórios dos Continentes, que contribuem para a elaboração do Instrumentum laboris… Como deve ser interpretada?

“É surpreendente que não sejam apenas as mulheres que pedem uma reflexão sobre o papel das mulheres na Igreja, mas também muitos jovens homens. Eles acham muito estranho pertencer a uma Igreja, onde as mulheres não são igualmente valorizadas e tampouco têm as mesmas oportunidades de participar como os homens. As sínteses dos relatórios afirmam que a maioria das mulheres, mais que homens, está ativamente envolvida na vida da Igreja, porém não é reconhecida. Além disso, também as religiosas consagradas não se sentem suficientemente valorizadas. Elas pedem à Igreja permitir-lhes viver o potencial que Deus lhes concedeu. Todas as sínteses destacam ainda que a Igreja deve se interessar mais com isso, não por motivos sociológicos, mas pela sua dignidade, que deriva do sacramento do Batismo. As sínteses revelam também que as mulheres, que vivem em situações difíceis, como a pobreza, mães solteiras e relações de poligamia, desejam que a Igreja esteja ao seu lado e as apoie”.

Dizem que a questão do “lugar da mulher” na Igreja, hoje, se sobrepõe à da vocação batismal e da corresponsabilidade do laicato, como conjunto, incluindo homens e mulheres. Você concorda com este ponto de vista ou há questões específicas para as mulheres?

“De modo geral, concordo com este ponto de vista. Mas, gostaria de compartilhar algo mais com seus leitores. Até 1971, os sacerdotes eram juízes nos tribunais matrimoniais; depois, foram abertos também aos leigos. O Código de Direito Canônico, em 1983, também permitia que mulheres leigas fossem juízas, mas com a condição de que o juiz leigo (homem ou mulher) trabalhasse em conjunto com dois clérigos. Um clérigo podia ser diácono, sacerdote ou bispo. Em 2010, o Papa Bento XVI introduziu uma mudança muito relevante no Direito Canônico, esclarecendo que um sacerdote é ordenado in Persona Christi capitis, mas um diácono é ordenado para o ministério. Assim, pode-se concluir que há diversas tipologias na noção de clérigo. Em 2015, o Papa Francisco decidiu que o tribunal poderia ser composto por dois leigos e um clérigo. Por isso, tentem imaginar tal mudança como uma foto de grupo de juízes, que declaram um casamento nulo e sem efeito. Até 1971, havia três sacerdotes, mas, hoje, talvez houvesse duas mulheres e um diácono casado. Trata-se de uma foto completamente diferente. Então, aqui nasce a pergunta: o que aconteceu do ponto de vista teológico? Os canonistas concordam em dizer que cada um deles exerce jurisdição. Mas, aqui me pergunto: quais poderão ser as implicações teológicas e canônicas de tal mudança em muitos outros âmbitos da Igreja”?

O que você quer dizer com isso?

“Que isso nos leva à questão do ministério na Igreja. Até a pouco tempo, as mulheres também podiam receber o ministério de catequista, leitorado e acolitato. Estas são funções no âmbito da tarefa eclesial de ensinar e santificar e, de consequência, as mulheres também podem participar do governo da Igreja. Porém, nem todos os ministérios são possíveis, hoje, em todas as igrejas locais; alguns ministérios, que existiam no passado, não existem mais, como as chamadas ordens menores. Atualmente, algumas Igrejas locais têm diáconos permanentes, mas outras não. Descobri que o ministério de catequista é muito desenvolvido na África e na América Latina, e pouco na Europa. Trata-se de um dado de fato: as Igrejas locais têm necessidades e possibilidades diferentes em momentos diferentes. Com o documento Ministeriam quaedam, de 1972, o Papa Paulo VI já estimulava os bispos a aplicar os ministérios em suas Igrejas locais. Portanto, podemos nos questionar: quais as necessidades das dioceses e quais ministérios podem ser empregados também a nível local? Alguns ministérios podem ser aplicados em um contexto por ser compatíveis, mas talvez não sejam outros contextos. O atual Sínodo convida-nos a refletir sobre estas e outras questões de modo sinodal: o bispo pode decidir o que é preciso e possível na sua diocese, do ponto de vista teológico e prático, após o discernimento com o Povo de Deus”.

Em relação aos ministérios, surge a questão do diaconato feminino. Como o Sínodo poderá abordar isso?

“Não cabe a mim, mas ao Sínodo discernir como responder à questão do diaconato feminino. Este pedido não provém só das mulheres, mas de toda a comunidade. Todavia, devemos levar em conta que este Sínodo não será sobre as mulheres e o diaconato, mas como a Igreja poderá se envolver em questões como esta e muitas outras: quem participa da reflexão sob qual tipo de responsabilidade; quem tomará decisões e para quem é vinculadora; qual o nível apropriado para tomar decisões; quais questões devem ser abordadas pela Igreja católica e quais devem ser deixadas para uma diocese ou Conferência episcopal? Estas são, entre outras, as tantas temáticas do Sínodo”.

Como a sinodalidade poderá ser útil na questão dos abusos na Igreja?

“Desde 2002, recebi encargos de bispos e superiores maiores para fazer investigações criminais preliminares. De 2018 a 2022, trabalhei na Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores. Em matéria de abusos, uma das questões mais importantes é a de estar cientes das próprias ações. Isso não diz respeito apenas aos bispos, mas também aos superiores dos Institutos religiosos. Como e quem, depois das consultas, pode decidir quando as acusações devem ser submetidas à sua atenção? Como decidir se um jovem possa ser ordenado ou admitido a um Instituto? Alguns bispos foram avisados ​​para não ordenar um candidato ou não aceitar uma pessoa de outra diocese, sem ignorar tal advertência. Portanto, as vítimas, a comunidade, o sacerdote envolvido e o próprio bispo devem prestar contas das suas ações, agindo de modo sinodal; uma Igreja sinodal deve prestar contas das suas ações, porque não é suficiente ouvir. Enfim, precisamos de uma mudança cultural. Não se trata apenas de uma questão de como proceder, mas de conversão”.

(*Jornalista, correspondente especial de “La Vie”, em Roma)

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