A Igreja tem de saber ouvir as perguntas, mais ainda, tem ela própria de estar em atitude de constante questionamento, à procura de respostas, ou de compreensão do sentido das coisas e da vida.
Tony Neves, Roma
Pairam no ar, nestes tempos pós-Assembleia Sinodal, mais perguntas que respostas. Ainda bem, para evitar paralisias que matam. O P. José Miguel Cardoso, bracarense que estudou em Roma, escreveu que a nossa vida viaja diariamente pela ‘geografia das perguntas’. Acho que diz o essencial sobre o momento que atravessamos. Ousemos cruzar este mar que nos questiona e realizar esta grande viagem até encontrarmos as razões mais profundas do nosso ser e agir como humanos e cristãos. Sempre com a convicção profunda de que a verdade nos libertará e o que nos salva é o Amor.
Há muitos anos, num período de forte contestação social, alguém escreveu num muro da Universidade de Coimbra: ‘Jesus Cristo é a resposta!’. Nos dias seguintes, outra pessoa grafitou por baixo: ‘Ai sim? Mas qual é a pergunta?!’. É relevante sermos eternos ‘buscadores’, como sugere Tomas Halik em ‘O tempo das Igrejas vazias’. É uma perda imensa de oportunidade e de crédito tentar dar respostas a perguntas que ninguém fez nem tem interesse em fazer.
A Igreja tem de saber ouvir as perguntas, mais ainda, tem ela própria de estar em atitude de constante questionamento, à procura de respostas, ou de compreensão do sentido das coisas e da vida. Corremos o risco de debitar muitas frases feitas com aparência de resposta, mas que não abrem qualquer perspetiva de compreensão, de porvir, de realização.
Quando temos respostas armadilhadas para todas as perguntas já ultrapassámos o patamar do bom senso e nos fizemos integristas e fundamentalistas, sem capacidade de escuta nem colóquio, transformados em senhores de toda a verdade e conhecimento. Não ousamos fazer perguntas, porque temos medo de escutar certas respostas. Trocamos assim os valores cristãos por receitas culinárias, não dando qualquer abertura à ação do Espírito.
O Cardeal Tolentino Mendonça tem um livro com um título original: ‘Hipopótamo de Deus – Quando as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que encontramos’. Ora, ao ler a Bíblia, facilmente percebemos que ela é mais um livro de perguntas que de respostas. Não é um livro de instruções para montar móveis, mas um motor de busca de sentido.
A Sinopse da editora a propósito de ‘O pequeno caminho das grandes perguntas’ explica: “Há um momento em que percebemos que são as perguntas (e não as respostas) que nos deixam mais perto do sentido. Sabemos que as respostas são úteis, sim, e que precisamos delas para continuar a viver – mas a vida transforma as próprias respostas em perguntas ainda maiores. A espiritualidade tem de ser uma oportunidade para o reencontro com interrogações fundamentais, mesmo se desacreditadas num quotidiano que nos dispersa de forma cada vez mais absorvente: ‘Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? A quem pertenço? Por quem ou por que coisa posso ser salvo?’”. É preciso ter coragem e deixar-se interpelar para conseguir dar respostas aprofundadas a estas questões que tocam no mais fundo de nós mesmos, nos desinstalam e nos obrigam a ir sempre mais distante e mais fundo, inspirados pela força do Espírito que dá coragem, luz e vida.
Mia Couto, no seu ‘Universo num grão de areia’, afirma que ‘é melhor uma juventude inquieta do que uma juventude submissa’ (p.73). Quando cruzamos os braços e desistimos de procurar e lutar, já perdemos a batalha do porvir.
Os jovens de hoje fazem perguntas que dão nós no cérebro de muita gente, incluindo os líderes políticos e religiosos. Há estudos sociológicos que apontam a juventude como a idade do questionamento das tradições e do ‘sempre se fez assim’. Ora, o mesmo tem repetido o Papa Francisco. E um colóquio sincero, culto e aberto ajuda a compreender melhor a vida e os projetos de Deus.
O P. Paulo Terroso, diocesano de Braga, membro da equipa de comunicação da Assembleia Sinodal, pede à Igreja e ao mundo que não tenham medo de perguntas. Até porque – verdade seja dita – a Igreja sempre cresceu mais em tempos de questionamento e tempestade do que nos momentos de grande opulência e aparente bonança. As águas muito calmas podem também provocar tédio no decurso das longas viagens!
Outro jornalista bracarense, o P. João Aguiar Campos, nos seus ‘Fragmentos’ (nº42) diz: ‘há tantas perguntas à espera nas esquinas. Vamos, tranquilos, na rua das certezas e, de repente, desprendem-se ou atravessam-se as interrogações’.
Maria pergunta ao Anjo: ‘mas como pode ser isto?’. Tal questionamento não demonstra qualquer falta de Fé. Pelo contrário – como diz Tomás Halik – é uma questão de quem quer saber mais para poder responder e fazer melhor. E o ‘sim’ dela prova isso mesmo.