Os Livros de Tombo, instituídos no Brasil Colônia pelo Arcebispado da Bahia em 1707, revelam-se indispensáveis para a gestão eclesiástica contemporânea.
Dom Oriolo – Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
No início de meu ministério sacerdotal, trabalhei com o saudoso Monsenhor Vicente Pereira Gomes, na cidade de Ouro Fino (MG), um autodidata cujos pensamentos transcendiam os limites convencionais. Após celebrar nas capelas rurais, ele tinha o hábito de dedicar as noites à oração, ao estudo e à redação da história da vida paroquial, no Livro de Tombo. Inicialmente, registrava suas impressões em um pequeno caderno, para posteriormente, após alguns meses, transcrevê-las para o livro oficial. Essa prática permitia-lhe revisitar os acontecimentos com maior objetividade, evitando que a emoção do momento comprometesse a fidelidade dos registros.
Uma noite, perguntei por que ele se preocupava tanto com o Livro de Tombo. Ele respondeu: “O Livro de Tombo é tipo de um advogado para o padre que não está mais aqui”. Achei aquilo muito interessante e pedi para ele explicar melhor. Ele me disse que tudo o que está escrito no livro, enquanto ele foi pároco, serve para mostrar o trabalho que ele fez e proteger o que ele acreditava, mesmo depois que ele não fosse mais o padre daquela paróquia.
Os Livros de Tombo, instituídos no Brasil Colônia pelo Arcebispado da Bahia em 1707, revelam-se indispensáveis para a gestão eclesiástica contemporânea. A exigência de registrar os principais acontecimentos paroquiais demonstra a importância histórica da documentação para a tomada de decisões e o planejamento estratégico. O termo ‘tombo’ remete à antiga prática da Igreja de registrar detalhadamente seus bens, antecipando os modernos registros imobiliários. Esses livros, que funcionavam como inventários, permitiam à instituição controlar seu patrimônio e revelam valiosas informações sobre as relações entre a Igreja e a sociedade, além de aspectos econômicos e culturais de sua época.
Mesmo em um mundo marcado pela tecnologia e pelas rápidas transformações, a Igreja, em sua missão evangelizadora, continua a valorizar a tradição e a memória. Nesse contexto, o Livro de Tombo se torna um instrumento indispensável para preservar a história das comunidades paroquiais e eclesiais. Nele, é possível narrar os acontecimentos mais relevantes da vida eclesial, desde a celebração dos sacramentos até a realização de projetos sociais. Além disso, o Livro de Tombo serve como um registro da ação pastoral do pároco, evidenciando sua dedicação em semear a Palavra de Deus e construir uma comunidade justa e fraterna.
É relevante que os responsáveis pelas comunidades paroquiais deixem suas narrativas, a fim de garantir a continuidade da missão pastoral. Ao assumir uma paróquia, é fundamental conhecer e compreender a história que a comunidade paroquial vivenciou. Vivemos em um tempo de grande instabilidade, nos âmbitos financeiro, econômico, social, político e religioso. Para entendermos melhor essa realidade, devemos recorrer à memória das comunidades paroquiais. No entanto, é preciso que essas memórias sejam registradas e narradas nos Livros de Tombo de nossas paróquias.
Como o conhecimento do passado, vivendo o presente e com perspectiva do porvir, na condução de uma paróquia, além de compreender a memória, as mudanças, avaliar os riscos e benefícios e criar um mapa de operacionalização da mudança, é preciso alinhar uma nova estratégia que atinja as pessoas. O que se pretende é que os batizados sejam participantes da vida paroquial e agentes de evangelização.
É relevante que os sacerdotes possam repensar seu modo de organizar, comandar, coordenar, tendo presentes os novos paradigmas da evangelização, à luz das crônicas encontradas no Livro de Tombo. Evangelizar, sabendo adaptar a sua mensagem aos diversos ambientes, marcados pela revolução 4.0 e sociedade 5.0, sem perder o foco de anunciar Jesus Cristo. Levar em conta aspectos da vida de Jesus, o conjunto de sua obra e a projeção do Reino são elementos do mistério salvífico que, concretamente, impõem discernimento, capacidade de decisão, de planejamento e de execução com participação corresponsável dos demais membros da comunidade.
Destarte, o Livro de Tombo, distante de ser um mero registro histórico, revela-se um instrumento indispensável para a gestão eclesial contemporânea. Ao documentar a trajetória da comunidade paroquial, torna-se um guia para o presente e um legado para o porvir. Ao recuperar as experiências e desafios do passado, párocos, administradores paroquiais e vigários podem tomar decisões mais assertivas e construir um projeto evangelizador mais eficaz, alinhado às Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, em um espírito de sinodalidade. Assim, o Livro de Tombo não é apenas um depósito de memórias, mas um instrumento vivo que alimenta a fé, inspira a ação evangelizadora e garante a perenidade da missão da Igreja.