Num Oriente Médio cada vez mais instável, a comunidade cristã no país continua sendo uma presença essencial, especialmente na luta pela promoção dos direitos humanos. É o que afirma o padre Karam Shahmasha, um sacerdote originário da Planície de Nínive, em entrevista à mídia Vaticana
Vatican News
Israel, Gaza, Palestina, Síria, Irã, Cisjordânia: mais do que nunca, o Oriente Médio voltou a dominar a cena internacional. No entanto, há um país pouco falado, mas que está cada vez mais no centro do equilíbrio de poder do Oriente Médio: o Iraque. Estrategicamente localizado na encruzilhada entre os Países do Golfo, o Mar Mediterrâneo e a Turquia, no Iraque, em 3 de janeiro de 2020, foram mortos o general Qasem Soleimani, comandante da Brigada Qods dos Pasdaran, e Abu Mahdi al-Muhandis, então chefe da coalizão pró-iraniana de milícias xiitas iraquianas. Depois, em 11 de junho deste ano, um dia antes do ataque israelense ao Irã, os Estados Unidos ordenaram a evacuação de pessoal não essencial de sua embaixada em Bagdá, capital do Iraque, enquanto o pessoal diplomático no Bahrein e no Kuwait foi apenas autorizado a sair voluntariamente.
A situação humanitária no Iraque
Especificamente no Iraque e no Afeganistão, os conceitos de “guerra preventiva” e “mudança de regime” foram utilizados pela primeira vez no século XXI. Esses conceitos voltam a ser atuais quando se discute o Oriente Médio, mas, tanto no Afeganistão quanto no Iraque, só serviram para agravar uma situação já precária. Ainda hoje, o Iraque ainda conta mais de um milhão de deslocados internos, três milhões de pessoas necessitando de assistência humanitária e 280.000 refugiados de outros países. Sofrem essas condições, em particular, as minorias no país, incluindo pelo menos 250.000 cristãos (em 2003, eram mais de 1,3 milhão).
“Decidimos ficar”
“A situação sem dúvida melhorou em comparação com 2006-2007 ou 2014”, disse à imprensa vaticana o padre Karam Shahmasha, um sacerdote iraquiano originário da Planície de Nínive. “Hoje não há mais perseguição e, de fato, há liberdade geral. No entanto, há um alto nível de discriminação.” O padre Karam se refere a “muitos problemas internos, particularmente relacionados às minorias e aos direitos cristãos. Por exemplo, nossas oportunidades são limitadas, sobretudo quando se trata de emprego. A discriminação nesse sentido é generalizada e depende do partido político, religião ou etnia de cada um”. O padre Karam conhece bem essa situação porque vem de uma região do Iraque, a Planície de Nínive, não muito distante da fronteira entre Iraque e Síria, onde, em 2014, 120.000 cristãos foram perseguidos e forçados a fugir após a tomada de Mosul pelo autodenominado Estado Islâmico (EI). “Perdemos muitos fiéis”, diz ele. “Alguns foram ameaçados, outros deixaram o país. Mais de 60% da população de cada aldeia cristã encontrou refúgio no exterior e ainda permanece lá. A grande presença cristã nesta área hoje foi bastante reduzida. Perdemos tudo. No entanto, apoiados por organizações como a Ajuda à Igreja que Sofre (ACS), decidimos ficar. E não perdemos o mais relevante: nossa fé. E graças a Deus, permanecemos unidos para defendê-la.”
Uma Igreja viva
É claro que as dificuldades são muitas, e quando solicitado ao padre Karam que mencionasse as mais complexas, ele nos tranquiliza, enfatizando, em primeiro lugar, que “graças a Deus, nossas Igrejas estão vivas hoje: muitos fiéis participam da Missa e há gestos diários de fraternidade, encontros de jovens e atividades. Cito, por exemplo, o Encontro de Jovens de Ankawa, um fórum anual dedicado às novas gerações, que nos últimos anos atraiu mais de 1.500 jovens. Este ano, após os encontros preparatórios semanais, esperamos 750 jovens, com um programa focado nas vocações que começa este 9 de julho. Tentamos, de todas as maneiras, manter os jovens próximos da Igreja, mesmo que seja difícil. Nosso problema não é tanto o ateísmo como na Europa, mas a defesa de nossa identidade diante de outras religiões. Nas escolas e universidades, muitas vezes somos os únicos cristãos, e nos perguntam: ‘Por que você ainda é cristão?’ Devemos nos preparar para responder, mesmo com sangue, como aconteceu em 2014, e agora com testemunho e fidelidade.”
Ponte entre cultura e fé
De fato, Matthias Kopp, especialista em Oriente Médio, porta-voz da Conferência Episcopal Alemã e consultor do Dicastério para a Comunicação, afirma em seu livro “Herança cristã do Iraque – sobrevivendo na Mesopotâmia” que o Iraque é impensável sem o cristianismo. “É verdade – continua Shahmasha -, o cristianismo no Iraque não é apenas uma religião entre outras. Em primeiro lugar, este país foi originalmente um reduto do cristianismo. Os apóstolos Tomé e Tadeu passaram por aqui, a Igreja Oriental se desenvolveu desde os primeiros séculos, comunidades cristãs entre as mais antigas do mundo floresceram e santos e bispos nasceram. Hoje, outros nos dizem: ‘Vocês são diferentes’, porque veem em nós confiança, paz e valores. Onde há cristãos, há paz. Um Iraque sem cristãos é um Iraque que perdeu seus fundamentos. A história o demonstra: traduzimos a filosofia, a teologia e a ciência do grego para o siríaco, depois para o árabe, trazendo-as de volta para a Europa. Temos sido uma ponte para a cultura e a fé. Nossa presença é essencial; não é apenas de cor, mas de profundidade.” Nesse sentido, o sacerdote iraquiano lembra à imprensa vaticana que “entre outras coisas, lutamos pelos direitos humanos. Anos atrás, quando se falava em autorizar o casamento de meninas a partir dos oito anos na Constituição iraquiana, os cristãos foram os primeiros a se opor. Mesmo sendo poucos no parlamento, a Igreja faz sua voz ser ouvida, defendendo os valores humanos para todos”.
O porvir da Igreja
“Reconstruir e recomeçar” foi o apelo lançado pelo Papa Francisco quando, em março de 2021, durante sua viagem apostólica ao Iraque, visitou esses lugares, incluindo a Igreja da Imaculada Conceição em Qaraqosh, símbolo da perseguição aos cristãos. Quatro anos depois, em meio ao Ano Jubilar dedicado à esperança e ao início do Pontificado de Leão XIV, o padre Karam Shahmasha faz questão de enfatizar que “nossa Igreja está viva. Trabalhamos para levar luz e esperança. Além dos encontros de jovens, um exemplo relevante é a Universidade Católica de Erbil. Após a destruição de 2014, a Igreja não apenas forneceu abrigo e alimentação aos refugiados, mas também construiu escolas e universidades. Em 30 de setembro, celebraremos o décimo aniversário da universidade, concebida e criada, também graças ao apoio da Conferência Episcopal Italiana, para as diversas minorias. Procuramos, de todas as formas, apoiar nossos jovens: eles são o porvir da Igreja. E, com esta esperança, sigamos em frente”.