Dom Mounir Khairallah fala à Rádio Vaticano sobre a expectativa dos libaneses pela primeira Viagem apostólica de Leão XIV, programada para 30 de novembro a 2 de dezembro. “Um sol que surge depois de 50 anos de escuridão”, enfatiza, acrescentando: “E um estímulo para o país ser uma mensagem de paz, reconciliação e democracia para todo o Oriente Médio”. O acordo entre Israel e Hamas “é positivo, mas é fundamental a solução dos dois Estados”.
Cecilia Seppia – Cidade do Vaticano
Como o foi com João Paulo II, em 1997, e Bento XVI, em 2012, o País dos Cedros aguarda agora o Papa Leão XIV que, para a sua primeira Viagem Apostólica, escolheu a Turquia com a peregrinação em İznik, por ocasião do 1700º aniversário do Concílio de Niceia. Em seguida, ele irá ao Líbano, o pequeno-grande “País mensageiro”: mosaico de povos capazes de, juntos, viver pacificamente, mas também palco de conflitos e guerras civis, tanto que foi considerado como ‘pólvora do Oriente Médio”. Embora tenha sofrido uma violenta perda populacional devido à emigração, o país ainda desempenha um papel crucial, histórico, cultural e social em toda a região e na Bacia do Mediterrâneo.
Assim que foi divulgada, a notícia foi recebida com felicidade e entusiamo, como um sinal concreto da proximidade do Pontífice com toda a nação neste momento-chave da sua história. “Para os libaneses, essa visita tem um imenso significato”, afirmou à Rádio Vaticano Vaticano dom Mounir Khairallah, bispo de Batroun da Ordem dos Maronitas.
Sinais de uma nova era
“Interpretamos e acolhemos com muita esperança a escolha do Papa Leão de fazer aqui sua primeira visita. Desde 1975 até 2025 estivemos em guerra. O líbano foi destruído. Algumas cidades foram arrasadas. Reconstruímos o país muitas vezes e nunca perdemos a esperança. Nunca desistimos. Já no início deste ano, o Senhor começou a nos mandar sinais concretos para tornar realidade essa esperança. O primeiro sinal foi a eleição do presidente. Depois o primeiro-ministro e o governo inteiro, composto de gente honesta, pessoas íntegras que chegaram com a vontade de reconstruir o Estado e a República do Líbano, colocando-se a serviço do povo, sem corrupção”.
Era o “sonho” do Papa Francisco peregrinar nesta terra. Ele não conseguiu fazer isso. Assim, o gesto de Leão XIV se coloca, certamente, na continuidade do seu predecessor e sob a bandeira daquela paz plena e duradoura, palavra central com que Leão se apresentou ao mundo assim que foi eleito para o Trono de Pedro.
“O meu último encontro com o Papa Fracisco ocorreu em outubro de 2024, durante a conclusão do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade”, prossegue o pastor de Batroun. “Eu perguntei a ele: ‘Santo Padre, quando irá ao Líbano?’. E ele me respondeu: ‘Elejam um presidente e eu irei. É um sonho para mim ir ao Líbano e ser um mensageiro de paz para vocês’. Esse sonho se realiza hoje com o Papa Leão XIV e, para nós, é de fato o sinal de uma nova era”.
Duas etapas de valor espiritual e geopolítico
Embora a Sala de Imprensa ainda não tenha divulgado os detalhes e as etapas da viagem — algo que, segundo o diretor Matteo Bruni, acontecerá dentro de algumas semanas —, dom Mounir Khairallah também fala sobre a Turquia, recordando que a terra de Antioquia foi a primeira sede de São Pedro e de São Paulo, o primeiro lugar onde os seguidores de Cristo foram chamados cristãos.
E recorda ainda a ligação entre o Patriarcado de Antioquia e as Igrejas do Oriente Médio. Sobre a viagem à Turquia, Papa Leão já havia conversado com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, durante o encontro no dia 19 de maio deste ano, dia seguinte à Missa do início do Pontificado. Na ocasião, o Papa confirmou o desejo de se achar em Niceia para o aniversário do histórico Concílio que formulou o Credo, a profissão de fé em que os cristãos de todas as denominações se reconhecem. Uma comemoração da qual Leão XIV imediatamente desejou participar, chamando-a não de “um evento do passado”, mas de “uma bússola que deve continuar a nos guiar em direção à plena unidade visível de todos os cristãos”.
A viagem à Turquia, portanto, será certamente uma relevante oportunidade para o colóquio entre as Igrejas Católica e Ortodoxa, à qual a visita ao Líbano agregará significativo valor geopolítico, já que é um país devastado por conflitos pela crise econômica, política e humanitária.
O país mensageiro da paz, liberdade, convivência, democracia
“O Líbano, um país que é uma mensagem para o povo, nunca perdeu de vista esta missão e seu papel, mesmo no contexto político do Oriente Médio”, diz o prelado, que também é membro do comitê executivo da Assembleia dos Bispos Patriarcais do Líbano.
É um país, antes de tudo, de mensagem de paz, democracia, convívio e coexistência entre as diversas religiões, confissões, partidos políticos, culturais e identidades. Aqui convivem 18 diferentes comunidades que precisam ser fortalecidas em sua fé.
Portanto, para nós, de fato esta viagem do Santo Padre é como um sol que surge depois de 50 anos de guerra, de escuridão. Um impulso de confiança para todos os libaneses, cristãos, muçulmanos, mas também judeus. Por isso, estamos vivendo com grande alegrias e satisfação também este momento de espera que nos separa do abraço com Pedro. Estamos nos preparando com o coração aberto. A felicidade é tangível, sobretudo nos jovens que esperam o encontro com o Papa, também com o vislumbre de luz para o seu porvir, que gostariam de construir aqui no Líbano e não fora. Isso acontece diriamente, porque, devido à falta de oportunidade, ele são forçados frequentemente a estudar e trabalhar no exterior”.
Uma história de continuidade e amizade
Muitos Papas olharam para o Líbano com afeto, com particular cuidado, muitas vezes até com apreensão: pensamos no Papa Paulo VI, cujo pontificado terminou com a eclosão da guerra civil no Líbano, e depois em João Paulo II com sua Mensagem a todos os libaneses de 1º de maio de 1984, escrita após um encontro com os Patriarcas das Igrejas do país.
Durante os últimos anos da guerra civil libanesa, Wojtyla mobilizou redes formais e informais para tentar salvar vidas e achar soluções para o conflito. No plano da diplomacia papal, o porvir cardeal Tauran esteve envolvido na negociação dos Acordos de Taif, que permitiram o restabelecimento de um certo equilíbrio, ainda que precário, a partir de 1990.
Mas foi somente em 1997, após uma espera de 19 anos, que João Paulo II finalmente conseguiu viajar a Beirute, para uma Viagem Apostólica que entrou para a história, especialmente por sua expressão “país da mensagem”, que ainda hoje é usada com assiduidade pelos libaneses que desejam destacar a missão particular do Líbano no concerto das nações e no plano de Deus.
Quinze anos depois, seu sucessor, Bento XVI, seguiu seus passos, viajando para a Terra dos Cedros em setembro de 2012 para a última Viagem Apostólica de seu pontificado. Embora o conflito na vizinha Síria e a situação turbulenta em muitos países do Oriente Médio tenham levantado preocupações sobre uma viagem de alta tensão, o Papa foi recebido em uma atmosfera calorosa e consensual, repleta de entusiasmo, inclusive por movimentos muçulmanos que o saudaram agitando bandeiras do Vaticano, para espanto dos jornalistas ocidentais.
Reconstruir juntos
“Como disse o nosso presidente Aoun, os laços entre os Papas e o Líbano são históricos, sólidos, vividos na amizade e no respeito. Todos os Papas carregaram o Líbano em seus corações e em sua missão. Portanto”, continua o bispo de Batroun, “Leão XIV chega até nós trazendo consigo toda a história e a política do Vaticano e do Líbano. Ele vem fortalecer um vínculo já forte entre a Santa Sé e a Terra dos Cedros, mas também entre a Igreja Católica e as Igrejas Orientais.
Não nos esqueçamos de que seu antecessor, Leão XIII, em 1894, foi o primeiro Papa a publicar uma carta às Igrejas Católicas Orientais, na qual expressava abertura ao Oriente e o desejo de valorizar sua tradição. O fruto desse esforço sinérgico, segundo dom Khairallah, é também a coexistência pacífica entre as diversas almas que habitam o Líbano: “É por isso que o Líbano é um país portador de mensagens: cristãos e muçulmanos, mas também judeus, podemos e queremos reconstruir o nosso Líbano, um país portador de mensagens, e estamos certos de que todos chegaremos lá juntos, porque, apesar de tudo, podemos caminhar juntos.”
O acordo entre Hamas e Israel é positivo para todo o Oriente Médio
Observando o cenário internacional, com o acordo de paz alcançado entre Israel e o Hamas, dom Mounir Khairallah expressou satisfação com o acordo, apesar da trégua em Gaza parecer extremamente frágil e dos significativos esforços de reconstrução ainda pendentes. Em seguida, enfatizou a contribuição e o apoio dos países árabes para o fim das hostilidades.
Este é um acordo positivo, não apenas para palestinos e israelenses, mas para todos os nossos países. Hoje, podemos dizer com certeza que um sol está nascendo para o Oriente Médio com este primeiro passo. No entanto, a questão do reconhecimento do Estado da Palestina permanece em aberto. A resolução da ONU de 1949 nunca foi implementada, portanto, para nós, a solução e a paz virão por meio do reconhecimento oficial e internacional do Estado da Palestina, juntamente com o Estado de Israel.
Sobre a posição do Líbano, o bispo de Batroun confirmou que ainda há questões em aberto com Israel, e o próprio presidente Aoun expressou esperança nos últimos dias de que negociações diretas com o Estado judeu possam ser alcançadas, mas a esperança permanece a mesma: que o colóquio prevaleça sobre as armas.