Papa: que as religiões sirvam para libertar o povo do preconceito, da ira e do ódio

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No 60º aniversário da Nostra Aetate, o Pontífice recorda que “manter viva a esperança, o colóquio e o amor no coração do mundo” é tarefa sagrada de toda a humanidade.

Thulio Fonseca – Vatican News

“A Igreja Católica não rejeita nada de verdadeiro e santo que existe nessas religiões e que «refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens» (n. 2). Ela considera-os com sincera reverência e convida os seus filhos e filhas, através do colóquio e da colaboração, a reconhecer, preservar e promover o que é espiritual, ética e culturalmente bom em todos os povos.”

Essas palavras do Papa Leão XIV, proferidas durante seu discurso na noite desta terça-feira, 28 de outubro, na Sala Paulo VI, ecoaram como o fio condutor da celebração pelos sessenta anos da Declaração conciliar Nostra Aetate, dedicada às relações da Igreja com as religiões não cristãs. O evento, com o tema “Caminhar juntos na Esperança”, marcou o primeiro momento das comemorações e reuniu cerca de duas mil pessoas e oitenta representantes das principais tradições religiosas do mundo, do Judaísmo ao Islamismo, do Hinduísmo às religiões tradicionais africanas, acompanhados por um numeroso grupo de crianças.



O Santo Padre durante o encontro com diversos representantes de outras religiões   (@Vatican Media)

A atmosfera foi de felicidade e fraternidade. O encontro contou com apresentações artísticas que expressaram a diversidade espiritual e cultural dos povos: a tradicional dança Kandyan do Sri Lanka, o número indonésio Tiga Apsari, representando o encontro entre hinduísmo, catolicismo e islamismo; uma apresentação cultural da República Democrática do Congo; uma melodia tradicional judaica evocando a esperança do povo de Israel; e, por fim, uma coreografia contemporânea dos Estados Unidos intitulada “We are the new world” (“Somos o novo mundo”).

Aproximar dos outros com amor

Entre os momentos mais significativos do evento, destacaram-se os três testemunhos de fé e reconciliação: o do Mestre budista Hassin Tao, da Birmânia, fundador do Mosteiro Linjiu e do Museu das Religiões do Mundo em Taiwan; o da judia Sarah Bernstein, diretora do Centro Rossing em Jerusalém, empenhada na construção de pontes entre comunidades em conflito; e o dos jovens do projeto “Bel Espoir – MED25”, que navegam juntos pelo Mediterrâneo promovendo a paz e o encontro entre religiões.

O “colóquio autêntico”, como definiu o Papa, “não começa no meio-termo, mas na convicção, nas raízes profundas da nossa própria crença, que nos dão a força para nos aproximarmos dos outros com amor”.

O colóquio como caminho de esperança

Em seu discurso, Leão XIV também recordou que o documento Nostra Aetate, promulgado pelo Concílio Vaticano II em 1965, “plantou uma semente de esperança para o colóquio inter-religioso”, que ao longo de seis décadas cresceu e “se tornou uma árvore majestosa, cujos ramos oferecem refúgio e produzem frutos de amizade, cooperação e paz”.

“O colóquio não é uma tática nem um instrumento, mas um modo de viver, um caminho do coração que transforma todos os seus protagonistas, tanto quem escuta quanto quem fala”, afirmou o Papa, sublinhando que quando “percorremos este caminho não abandonamos a nossa própria fé, mas permanecemos mais firmes nela.” O Pontífice lembrou ainda o exemplo daqueles que “deram a vida pelo colóquio”, chamando-os de mártires e convidando todos os presentes a recordá-los com gratidão.

Papa Leão XIV durante o encontro na Sala Paulo VI

Papa Leão XIV durante o encontro na Sala Paulo VI   (@Vatican Media)

“Manter vivo o amor”

Leão XIV sublinhou que a mensagem da Nostra Aetate permanece “mais urgente que nunca”, especialmente em um mundo “onde se erguem novamente muros entre nações, religiões e até entre vizinhos”. “O estrondo da guerra, as feridas da pobreza e o clamor da terra nos lembram de quão frágil ainda é nossa família humana”, disse o Papa. “Como líderes religiosos, guiados pela sabedoria de nossas respectivas tradições, compartilhamos uma responsabilidade sagrada: ajudar nosso povo a libertar-se das correntes do preconceito, da ira e do ódio; ajudá-lo a elevar-se acima do egoísmo e da autorreferencialidade; ajudá-lo a vencer a ganância que destrói tanto a alma humana quanto a terra.”

Em referência ao Jubileu da Esperança, que a Igreja celebra neste ano, o Papa afirmou que “a esperança e a peregrinação são realidades comuns a todas as tradições religiosas” e convidou todos a “caminhar juntos na esperança”:

“Quando o fazemos, algo de bonito acontece: os corações abrem-se, as pontes são construídas e novos caminhos surgem onde parecia impossível. Esta não é a obra de uma religião, de uma nação ou mesmo de uma geração. É uma tarefa sagrada para toda a humanidade — manter viva a esperança, manter vivo o colóquio e manter vivo o amor no coração do mundo.”

O poder da oração 

O Santo Padre enfatizou que “neste momento crucial da história, foi-nos confiada uma grande missão: despertar em todos os homens e mulheres o seu sentido de humanidade e do sagrado. É precisamente por isso, meus amigos, que nos reunimos neste lugar, assumindo como líderes religiosos a grande responsabilidade de levar esperança a uma humanidade que muitas vezes é tentada pelo desespero”. O encontro foi encerrado com um momento de oração silenciosa, durante o qual o Santo Padre convidou todos a pedir “que a paz desça sobre nós e preencha os nossos corações.”

“A oração tem o poder de transformar nossos corações, nossas palavras, nossas ações e o nosso mundo”, concluiu o Papa Leão XIV, recordando as palavras de São João Paulo II em Assis, em 1986: “Se o mundo deve continuar, e os homens e mulheres devem sobreviver nele, o mundo não pode prescindir da oração.”

Leão XIV com as crianças do coral italiano

Leão XIV com as crianças do coral italiano   (@Vatican Media)

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