É relevante não perder a essência e a dignidade que, historicamente, foram conferidas pelo Criador ao ser humano, fazendo-o capaz de um profundo e insubstituível encontro analógico com o digital e algorítmico.
Dom Oriolo Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
Hoje, quando apreciamos a realidade, podemos perceber que estamos evoluindo e passando cada vez mais tempo em contextos digitais, envolvidos em aplicativos de inteligência artificial. Parece impossível localizar qualquer aspecto da vida humana que não tenha sido afetado pela revolução digital e pelos algoritmos.
A identidade humana é sempre analógica, pois é a base criatural, sendo potencializada pelo digital. Enquanto virtualidade, ela é construída pela sua projeção no universo do algoritmo. No entanto, o sistema de vida analógico está sendo ultrapassado, e ser puramente analógico é quase ser analfabeto neste contexto. Contudo, é fundamental reconhecer que o digital e o algoritmo não são novos conteúdos, mas sim a amplificação escalável do que já reside em nossa natureza analógica.
Mas durante décadas, vivíamos no analógico. O colóquio e o encontro com as pessoas eram o que conferiam dignidade e identidade. Os relacionamentos interpessoais sempre se estruturaram por meio da linguagem, do encontro, do colóquio, do toque, do abraço e do acolhimento, constituindo momentos amplamente presenciais e analógicos. Em períodos não muito tempo distantes, tivemos uma infância sem internet. Assistíamos à TV aberta com programas bem definidos, como novelas, séries, desenhos e jornalismo. Usávamos o telefone fixo e, em outros casos, os famosos orelhões nas esquinas e praças, onde ficávamos até em fila para aguardar que o outro desocupasse. Os trabalhos de escola eram feitos com a ajuda das enciclopédias Barsa e Delta Larousse.
A realidade digital está transformando radicalmente a analógica, criando novos ambientes que podemos habitar e novas formas com as quais podemos interagir. Em uma realidade digital, é óbvio que alguém pode estar fisicamente em um lugar, mas interativamente presente em outro. Isso significa que as fronteiras entre o analógico e o digital estão se tornando cada vez mais tênues, permitindo que as pessoas se conectem e interagem de maneiras inovadoras e sem precedentes.
A revolução digital está mudando a nossa forma de aprender, discutir, trabalhar, amar, odiar, escolher, rezar, evangelizar, decidir, produzir, vender, comprar, consumir, anunciar, cuidar e ser cuidado, socializar e nos comunicar. Usando a metáfora de Wittgenstein, a era digital está “moldando o leito do rio”.
Enquanto a vida analógica, aquela do toque, da presença e da interação não medida, permanece como a base irredutível da experiência do próprio corpo, o mundo digital representa uma comunicação em tempo real, abrangendo textos, imagens e sons codificados. Os que navegam, clicam, deslizam e esperam respostas imediatas são os que vivenciam o mundo digital. Eles preferem o estímulo visual ao verbal. Os que vivenciam o digital transformam a comunicação com abreviações, emojis e áudios curtos. Se há demora, ficam nervosos. A vida dessas pessoas é controlada pelas notificações de mensagens e textos ou por um “visto às 10h”.
Agora, desde 2020, as pessoas que vivenciam o mundo digital estão sendo moldadas pela tecnologia da Inteligência Artificial (IA) generativa, que organiza as rotinas, filtra informações e propõe o que fazer com prompts bem refinados. Por exemplo, um assistente que aprende a voz da criança e responde de forma personalizada. A presença do algoritmo está acontecendo de modo natural em nossas vidas. As pessoas vivem em uma realidade onde a linguagem formalizada é cada vez mais moldada por uma dimensão algorítmica que se tornou parte inseparável de suas vidas. Essa adesão não é por escolha, mas o resultado da intervenção constante de assistentes de escrita que revisam, corrigem, sugerem sinônimos e, de fato, aprimoram o estilo da escrita. O universo do algoritmo altera profundamente o nosso modo de pensar e agir, o senso crítico e até mesmo a nossa maneira de compreensão dos mistérios de Cristo. A vida em si se tornou uma experiencia algorítmica.
As realidades digital e algorítmica estão revolucionando a forma como o mundo é interpretado, impactando nossa identidade. É necessário que a Igreja esteja atenta aos sinais dos tempos (cf. GS 4). Essa metamorfose, embora influencie profundamente nossas faculdades cognitivas, é crucial para nos guiar de um mero bom senso a um senso crítico apurado da realidade. Mais do que isso, ela nos equipa com ferramentas eficazes para levar a mensagem do evangelho a todas as dimensões da identidade humana: a analógica (nossa base criatural), a digital (o virtual que nos potencializa) e a algorítmica (o universo de nossas projeções e interações).
Essa tríplice dimensão exige do indivíduo uma nova forma de ser e de atuar: é preciso ser simultaneamente proficiente no manejo das interfaces digitais e crítico na compreensão das lógicas algorítmicas. É relevante não perder a essência e a dignidade que, historicamente, foram conferidas pelo Criador ao ser humano, fazendo-o capaz de um profundo e insubstituível encontro analógico com o digital e algorítmico. Tenhamos presente a afirmação do papa Leao XIV: “o desenvolvimento tecnológico trouxe e continua a trazer, benefícios significativos à humanidade. Contudo, para que haja verdadeiro progresso, é imprescindível que a dignidade humana e o bem comum permaneçam como prioridades inabaláveis. (Cf. Mensagem do Papa Leão ao Congresso Internacional “IA e Medicina: o desafio da dignidade humana, em 7.11.25).

