O contexto histórico caracterizado por uma série de mudanças e alterações nas modalidades da reflexão, muitas vezes cheias de ambiguidades, que veio instaurando-se, e que de certa forma colocam em discussão a razão de ser e o próprio significado da família, com a sua fisionomia insubstituível e própria, fundada no projeto de Deus Criador, fez com que, hoje, seja imprescindível, insistir no artigo (no singular) A família.
É preciso ressaltar o uso do singular, A família, quando se torna mais frequente um uso do plural, AS famílias, pelo fato que o uso do plural comporta uma negação do modelo da mesma, fundada no matrimônio, comunidade de amor e de vida, de um homem e uma mulher, abertos à vida. Ligado ao conceito original e no singular de A família está a sua filosofia, o seu fundamento antropológico sobre o qual o Papa João Paulo II abordou muitos aspectos iluminadores do seu magistério.
Se permanecermos sem confusões, sem concessões indevidas, o modelo da família pensado por Deus como instituição natural ajuda-nos a distanciarmos de uma visão superficial e precipitada, que concebe o matrimônio e a família como simples fruto da vontade humana, produto de acordos frágeis. Consensos, acordos que não oferecem a estabilidade e a identidade como uma riqueza, mas, contrariamente, a precariedade; portanto, a unidade matrimonial está sujeita a deterioração através de sucessivas erosões que debilitam a família.
No texto de Gênesis 2, 24, o Senhor declara solenemente o projeto de Deus, desde o princípio da criação (isto é, como modelo pensado pelo Criador). Há uma ordem estabelecida por Deus desde a criação (Mt 19,4): “Criou-os homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher, e os dois serão uma só carne. De modo que não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu”.
O Catecismo da Igreja Católica traz o comentário de Tertuliano: “Não há nenhuma divisão quanto ao espírito, quanto à carne; pelo contrário, ali aonde a carne é uma, um também é o espírito” (CIC 1642). É necessário lembrar que “carne”, na linguagem bíblica, refere-se não só ao aspecto material do homem, mas ao homem inteiro, como pessoa.
São Paulo, na Carta aos Efésios (5, 31-32), refere-se também a esta passagem da Gênesis e a apresenta como o “grande mistério”, no que diz respeito a Cristo e à Igreja. O “grande mistério” (o maior dos mistérios, no processo que se refere à Escritura) baseia-se no fato que o homem (Adão) é o tipo do amor de Cristo e da Igreja.
O tema que comentamos encontra a chave no dom, que tem a sua fonte em Deus, de onde todo dom provêm (Gl 1,17). É o dom recebido na Igreja (“dom da Igreja”) e pela Igreja, através da família, a Igreja doméstica.