Publicada em 4 de outubro de um ano atrás, a última encíclica do Papa Francisco propõe o caminho a seguir para salvar a humanidade do abismo do ódio
ANDREA TORNIELLI
Um ano após sua publicação, ainda é muito cedo para verificar se o efeito da encíclica Fratelli tutti será semelhante ao da Laudato si’, o outro relevante documento papal, promulgado em 2015, que nunca como antes foi capaz de interceptar o interesse de pessoas distantes da Igreja, gerando iniciativas e um compromisso concreto a partir de baixo.
Fratelli tutti, assim como Laudato si’, pertencem ao magistério social da Igreja, e devemos evitar o risco de ‘reducionismo’, como se fossem documentos que se ocupam de emergências e problemas contingentes, propondo caminhos que são igualmente contingentes. A defesa da vida, a salvaguarda da Criação a nós confiada, a ecologia humana e integral não são sugestões questionáveis e incidentais para o tempo presente, mas encontram sua origem e fundamento na Palavra de Deus. Da mesma forma, o convite à fraternidade, a considerar o outro – quem quer que seja e de onde quer que venha – não como “o outro”, mas como um irmão enquanto filho de Deus, não é uma mera contingência ou o interesse particular de uma época na vida da Igreja, mas um olhar profundamente evangélico.
Há seis anos, com a “Laudato si”, Francisco chamava a atenção para as conexões entre a crise ambiental, a crise social, as guerras, a migração e a pobreza. Ele pediu a construção de um sistema econômico e social mais justo e respeitoso da criação, com o homem no centro e não a idolatria do dinheiro. Há um ano, com Fratelli tutti, o Papa indicou o caminho a seguir para alcançar esse objetivo: reconhecer-nos como irmãos e irmãs, guardiães uns dos outros. Isto nada mais é do que o Evangelho, como nos ensina a parábola do Bom Samaritano, tão perturbadora e pouco convencional e, ao mesmo tempo, ainda tão pouco compreendida e vivida. O cristão reconhece o rosto de Jesus “em cada ser humano, para vê-lo crucificado na angústia dos abandonados e esquecidos deste mundo, e ressuscitado em cada irmão que se levanta novamente”. Mas também aqueles que não receberam o dom da fé cristã compreendem a mensagem da fraternidade, o único antídoto para a corrida autodestrutiva rumo ao abismo do ódio, da guerra, do egoísmo e do fanatismo.
Embora ainda seja muito cedo para verificar os frutos da encíclica papal publicada há um ano, há sinais e sementes de esperança. Quem escreve teve a graça de passar algumas horas com Dale Recinella, um ex-advogado estadunidense do setor financeiro de Wall Street que há muitos anos, junto com sua esposa Susan, dedica sua vida a acompanhar os prisioneiros que aguardam a execução no Corredor da Morte na Flórida. Muitos deles, graças à sua amizade, enfrentaram o verdugo reconciliado com Deus. Dale reconheceu Jesus nestes irmãos e irmãs e por esta razão, apesar das dificuldades e mal-entendidos dos quais ele está cercado, ele precisa deles tanto quanto eles precisam dele. Com os olhos molhados de lágrimas, ele disse que a mensagem da encíclica Fratelli tutti, cada palavra e cada gesto do Papa Francisco, são para ele como “uma transfusão de sangue, que ajuda a viver e seguir em frente”. Há muitas pessoas no mundo, distante dos holofotes da mídia e das convenções comemorativas, que, olhando desta forma para o testemunho do Sucessor de Pedro, dão vida ao Evangelho.