Os Bispos da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), reunidos em Assembleia Plenária, emitiram nesta sexta-feira, 11 de novembro, uma Nota Pastoral, dirigida às comunidades cristãs e a todos os homens e mulheres de boa vontade.
P. Bernardo Suate – Cidade do Vaticano
No documento, escrito à volta das palavras do Senhor no Evangelho “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo. 10, 10), os Bispos de Moçambique falam antes de tudo do sonho que o País sempre cultivou de ser feliz e protagonista do próprio porvir, a quase 50 anos da independência e 30 anos depois do Acordo geral de paz.
“Somos uma nação que tem nas suas tradições a base para construir o seu porvir, no cultivo da terra e uso dos recursos naturais o seu sustento; na criatividade dos seus artistas a expressão da beleza; nos profissionais da educação e da saúde os seus educadores e cuidadores; nos empreendedores e académicos o impulso para o desenvolvimento integral”, afirmam os prelados.
Contudo, lê-se ainda na Nota do episcopado moçambicano, este sonho encontrou e encontra obstáculos e ameaças que põem à prova a esperança de conseguir a sua realização. E a radiografia dos Bispos vai do conflito em Cabo Delgado que já leva mais de cinco anos ao custo de vida sempre insuportável para a população até chegar aos jovens sem oportunidades nem perspetivas de porvir e, por conseguinte, presa fácil do terrorismo.
A corrupção, as injustiças e desigualdades sociais, a exclusão e todas as outras ameaças e dificuldades não podem fazer cair o sonho de liberdade, autodeterminação e bem-estar que acompanha a nossa história de país independente e que em breve completará 50 anos, observam os Bispos, reafirmando que “nenhuma paz pode sobreviver a exclusões e a injustiças sociais”.
A Igreja, porém, que se sente parte integrante desta sociedade e que tem a peito o bem do país, reitera o seu compromisso de continuar na assistência espiritual, no colóquio, na educação, na saúde, no desenvolvimento para a consolidação da família moçambicana – reitera o episcopado na sua nota pastoral.
O documento se conclui recordando que nos próximos dias, terá lugar em Nampula a II Jornada Nacional da Juventude e, em maio do próximo ano, a IV Assembleia Nacional de Pastoral, sempre na cidade de Nampula, norte do País.
Leia aqui o texto integral da Nota Pastoral:
NOTA PASTORAL
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” Jo10,10
Às comunidades cristãs e a todos os homens e mulheres de boa vontade.
Caminhamos a passos largos para a celebração dos 50 anos da nossa Independência (1975-2025). Um sonho de liberdade e autodeterminação que começou a tornar-se realidade há 47 anos. Com a assinatura do Acordo Geral de Paz, do qual celebramos recentemente os 30 anos, renovamos este bonito sonho de paz, de unidade e de democracia. A possibilidade de sermos donos na nossa terra, protagonistas do nosso porvir, suscitou em nós muita felicidade e entusiasmo. Somos uma nação de jovens carregados de vigor e desejo de crescer. Uma nação que tem nas suas tradições a base para construir o seu porvir, no cultivo da terra e uso dos recursos naturais o seu sustento; na criatividade dos seus artistas a expressão da beleza; nos profissionais da educação e da saúde os seus educadores e cuidadores; nos empreendedores e académicos o impulso para o desenvolvimento integral. Um país que, por tantas figuras de lideres tradicionais, religiosos e políticos, cultiva a procura de uma saudável convivência como nação independente e que quer viver num estado de direito.
Saudamos com felicidade esta riqueza que exprime a vitalidade do nosso Moçambique.
Este sonho, porém, encontrou e encontra obstáculos e ameaças que põem à prova a esperança de conseguir a sua realização.
Em Cabo Delgado continua a travar-se uma guerra terrorista que começou com algumas ações violentas há mais de 5 anos, mas não foi imediata e eficazmente contrastada apesar das numerosos alertas e que continua a alastrar-se em zonas mais alargadas, incluindo já as províncias do Niassa e de Nampula. São semeadas destruições e mortes violentas de crianças, mulheres e homens inocentes e pessoas de boa vontade como foi a Irmã Maria de Coppi, assassinada a 6 de Setembro último, no ataque à Missão Católica de Chipene, Diocese de Nacala. A continuação deste desumano sofrimento é inaceitável e frustra o sonho de sermos uma nação de paz, concórdia e independente, justa e solidária. Por isso, devemos juntar todos os esforços para achar os caminhos de solução a esta infelicidade, não confiando unicamente no uso da força militar. A todos os envolvidos nesta guerra queremos recordar as palavras do Papa Francisco: “O Deus da paz nunca conduz à guerra, nunca incita ao ódio, nunca apoia a violência. E nós, que cremos nele, somos chamados a promover a paz através de instrumentos de paz, como o encontro, pacientes negociações e o colóquio, que é o oxigénio da convivência comum”. (Discurso na visita ao Reino do Barein)
Jovens moçambicanos continuam a engrossar as fileiras dos que semeiam terror. É a juventude moçambicana, o presente e o porvir da nação, que sucumbe nestas incessantes ondas de violência. Como já tivemos ocasião de afirmar, reconhecemos que um dos motivos fortes que movem os nossos jovens a se deixarem aliciar e a juntarem-se às várias formas de desvios, assenta na experiência de ausência de esperança num porvir favorável. Para a maioria deles não há oportunidades de se construir uma vida digna. É fácil aliciar pessoas cheias de vida e de sonhos, mas sem perspetivas. Sem garantir aos jovens a realização dos seus sonhos, a própria nação verá comprometido o seu sonho de ser protagonista do seu porvir.
Ao longo deste ano, assistimos com muita preocupação à subida insustentável do custo de vida no País, que continua arrastando para a pobreza extrema homens e mulheres já sofridos, que vêm enfrentando um verdadeiro martírio para colocar o pão à mesa. Certamente muitas são as causas assinaladas para isso: a crise provocada pelas ditas “dívidas ocultas”, as mudanças climáticas, as medidas restritivas para a prevenção do COVID 19 e agora, a guerra na Ucrânia. No nosso País, apesar de sermos uma única família, as desigualdades sociais e económicas estão a criar uma brecha profunda. Por um lado, uma minoria endinheirada que se pode permitir todo o tipo de luxo e, por outro, uma maioria empobrecida que nem o básico tem para sobreviver. São necessárias políticas corajosas que eliminem o crescente abismo existente entre irmãos. A mesma Tabela Salarial Única (TSU) que expressa o desejo de uma maior igualdade, se não for bem gerida pode levar a convulsões sociais e irritar o sentimento de desigualdade e tirania. Sem a distribuição equitativa e justa de recursos e oportunidades, sem uma real inclusão social, a nossa paz e coesão social serão sempre ameaçadas. Nenhuma paz sobrevive a exclusões e a injustiças sociais.
A corrupção é outro dos grandes males que frustram o sonho de ser uma nação independente, desenvolvida e de bem-estar para os seus cidadãos. Apesar dos esforços e proclamas na luta contra esta praga social, no país instaurou-se uma cultura de corrupção chegando a pensar-se que é normal, que é assim que as coisas funcionam, que só pode ser assim. Faz-se descaradamente um uso privado dos recursos do país e do património público, pondo os interesses pessoais ou de grupo acima do bem comum. A corrupção manifesta-se nas constantes “propinas” (“refrescos”) que se devem pagar aos servidores públicos para receber um serviço que é seu dever oferecer, no desvio de fundos públicos para fins e interesses privados, no nepotismo e clientelismo. A corrupção está na origem da dilapidação e destruição da riqueza e de todo o tecido social, mas o aspecto mais grave é que infiltrando-se nas instituições e no exercício do poder do estado compromete estruturalmente o projecto de um país livre, justo e solidário.
A avidez, de que a corrupção é filha, por vezes leva a favorecer grandes projetos económicos de capitais estrangeiros, implantados para extrair recursos naturais sem um real e transparente envolvimento das populações interessadas. Milhares de famílias continuam a ser retiradas de suas terras férteis para dar lugar a esses investimentos, dos quais praticamente não tiram qualquer benefício. Muitas vezes, nas suas regiões, estas comunidades não encontram espaço para darem suas opiniões, porque são impedidos de falar, através de mecanismos de controlo social que bloqueiam a sua participação. Estes mecanismos de controlo social frequentemente geram medo. Parecem ser sinais de uma tendência crescente e generalizada de limitação ao exercício de direitos humanos básicos como a liberdade de expressão e de manifestação. O silêncio imposto e ações de repressão condicionam o caminho de consolidação do país livre e democrático que queremos.
Todas estas ameaças e dificuldades não podem fazer cair o sonho de liberdade, autodeterminação e bem-estar que acompanha a nossa história de país independente e que em breve completará 50 anos. As qualidades, recursos e boa vontade de que o povo moçambicano dispõe são garantia de que uma sociedade solidária e em paz é possível.
A Igreja que se sente parte integrante desta sociedade e que tem a peito o bem do país, reitera o seu compromisso de continuar na assistência espiritual, no colóquio, na educação, na saúde, no desenvolvimento para a consolidação da família moçambicana.
A Igreja, nos próximos dias, irá realizar a II Jornada Nacional da Juventude, reunindo milhares de jovens na cidade de Nampula, para os escutar e encorajá-los a pôr a sua energia, criatividade e generosidade à disposição para juntos construir uma sociedade baseada na “amizade social”.
No próximo mês de Maio, a Igreja celebrará, também em Nampula, a sua IV Assembleia Nacional de Pastoral. As celebrações de Assembleias Nacionais de Pastoral pontuam a caminhada eclesial da Igreja Católica em Moçambique; constituem um momento relevante de discernimento para realizar de forma mais adequada e contextualizada a sua missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo que “veio para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10). A IV ANP já foi realizada nas suas diversas fases de preparação em diversas etapas a partir das pequenas comunidades, passando pelas paróquias e dioceses. Este processo de escuta recíproca proporcionou a todos a possibilidade de dar a sua opinião e contribuir na procura do caminho comum, favorecendo assim a assunção das decisões que dele irão sair.
Convidamos todos a comprometermo-nos à conversão, à mudança de atitudes, a rejeitar qualquer forma de radicalismo, a superar a intolerância entre os grupos sociais, tribais, políticos, económicos, religiosos e raciais que nos dividem.
Acolhendo o Príncipe da Paz que se faz criança frágil no Natal, empenhemo-nos a nos aceitar-nos como irmãos, filhos do mesmo Pai o Criador.
Demos a cada moçambicano/a a oportunidade de contribuir com o seu trabalho, opinião e valores e, o sonho tornar-se-á realidade.
Que Deus abençoe Moçambique
Maputo, 11 de Novembro 2022