Diante das palavras do Papa Francisco sobre a consolação na série de catequeses sobre o discernimento, fiéis relatam o agir do Deus Consolador em suas vidas.
Luiz Felipe Bolis – Vatican News
No topo da Cúpula da Basílica São Pedro, uma cruz se destaca diante do olhar dos fiéis. Esta mesma cruz que aqui, há quase quatrocentos anos, revela a profunda Paixão de Cristo aos italianos, a pessoas de todos os continentes, a homens e mulheres venerados nos altares – estes que um dia vestiram corpos humanos e seguiram o caminho da santificação – e aos que, de forma geral, se entregam à Divina Misericórdia.
Em meio à ventania e ao frio de uma típica manhã de outono, a cruz aquece milhares de corações romanos e estrangeiros na quarta-feira, 23. Selados com a marca do amor à Igreja Católica, cerca de 10 mil pessoas aguardam expectantes pelas palavras do Papa Francisco em mais uma audiência. Encontros sempre ornados de encorajamento para a alma.
O relógio da Basílica registra a chegada das 9h e as batidas de esperança dos que anseiam ver o Sumo Pontífice. Eles querem ouvi-lo, cumprimentá-lo e terem a chance de conservar a passagem do papamóvel através de um celular e pelas lentes da memória.
O céu azul e o sol de raios generosos elevam a beleza do momento e o tema da nona audiência da série de catequeses papais sobre o discernimento. Ouvidos e corações abertos à escuta sobre a consolação. A voz do Papa ecoa mundo afora.
“[A consolação] é uma profunda experiência de felicidade interior, que permite ver a presença de Deus em tudo; ela revigora a fé e a esperança, assim como a capacidade de fazer o bem. A pessoa que vive a consolação não se rende diante das dificuldades, porque experimenta uma paz mais forte do que a provação. (…) A pessoa sente-se abraçada pela presença de Deus”, diz o Papa Francisco na Audiência Geral.
As explanações do Santo Padre chegam à escola de sabedoria de São Bernardo: “procuram-se as consolações de Deus, não se procura o Deus das consolações”. Estas mesmas palavras alcançam a alma da irmã Emanuela Prisco na lar da congregação em Roma, onde o seu espírito é consolado diariamente pela missão de contemplar para evangelizar.
Audácia, coragem e fortaleza. No canto de uma folha, a carmelita mensageira do Espírito Santo aprecia as três palavras anotadas e as acolhe, na esperança de que, com a mesma intensidade, seja possível cravá-las também sobre as linhas do coração. Para ela, foram estes os pilares de uma relevante decisão aos 20 anos: seguir os caminhos da vida consagrada.
Os relatos em português da irmã Emanuela Prisco traduzem as consolações que a religiosa italiana experimentou desde os primeiros anos de vida em Nápoles, a sua cidade de origem. O testemunho reaviva o chamado em meados dos anos 2000 e a certeza do amor de Deus sobre as vestes do carisma carmelitano.
Os desígnios do pai desejavam que a filha se formasse em algum curso universitário na capital romana e só em seguida fizesse o caminho de discernimento vocacional que a mesma demonstrava querer. A filha, no entanto, já aos 20 anos queria doar a vida inteiramente a Jesus.
“Meu pai era muito autoritário. Eu nunca tive coragem de enfrentar ele. Tinha sempre medo de falar. Naquele dia, eu voltei pra lar da minha família em Nápoles pra pegar uns cobertores e falei pro meu pai: ‘eu não quero estudar. Eu quero ingressar no convento’. Se fosse por mim mesma, nunca teria tido essa força, mas Deus me deu aquela coragem, aquela audácia de enfrentar o meu pai. Ele tinha sempre a última palavra sobre tudo, então você não conseguia falar com ele, e aí enfrentei ele, ele entrou em contato com a nossa fundadora no Brasil e falou: ‘eu não quero mais a minha filha aqui dentro de lar, porque ela quer ser freira e eu tenho mais filhos pra criar’”, partilha a Irmã.
A irmã Maria José do Espírito Santo, responsável pela fundação do Instituto em 1984 em terras brasileiras, acolheu a jovem no seio das Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo, e assim irmã Emanuela deu início ao processo de discernimento. “Então ela falou: ‘onde come um, comem dois’. Então, pra mim, aquilo foi uma consolação e também uma fortaleza”, alegra-se a religiosa de 34 anos.
O apartamento de número 07 comunica a graça da perfeição de Deus. É harmonia o que se vê. Os peixes no aquário. A imagens dos santos pelos cômodos. As plantas. A capela. Jesus Eucarístico. A proteção da Virgem do Carmo. A consolação de Deus nos contornos de uma manhã ornada de promessas invisíveis no visível do hoje. A vida romana nos entornos da Cidade do Vaticano. Os caminhos da missão batendo às portas e a chamando para seguir à Agropoli, onde conduzirá um momento de oração no dia seguinte. O olhar espiritual sobre os acontecimentos que movem o mundo. Pequenos passos que germinam grandes saltos para a humanidade, como disse certa vez um astronauta.
“Quando algo é de Deus e Deus quer te consolar, te dar uma graça, Ele te dá todas as forças. Se eu hoje olho pra trás, eu me pergunto: ‘meu Deus, como eu fiz isso?’. Se fosse pelas minhas forças humanas, eu não teria conseguido. Quando olho pra trás, reconheço a força de Deus na minha vida”, pontua a carmelita.
Através de seu carisma, a irmã Emanuela Prisco nota a consolação de Deus como um fruto duradouro do Espírito Santo, não apenas um sentimento momentâneo, que “aconteça o que acontecer, vai se reverter em fortaleza, felicidade, sabedoria, aconselhamento”, e que “vai chamar os dons e frutos, um atrás do outro”.
A presença de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face se destaca na Audiência Geral do Papa e ganha notoriedade através dos passos da Florzinha do Carmelo por Roma. Irmã Emanuela a tem como uma amiga, intercessora e mãe.
“Eu tenho um amor muito grande por Santa Teresinha. Eu falo que, se eu sou carmelita hoje, a ‘culpa’ é dela”; a religiosa ri e transborda os sorrisos da alma. “O Papa cita que quando ela veio aqui em Roma, ela foi à [Igreja da] Santa Cruz de Jerusalém colocar o dedinho dela, mas também a coragem de ela falar pro Papa [Leão XIII]: ‘eu quero ingressar pro Carmelo’. Se a gente olha pra Santa Teresinha, a gente vê que ela tem essa espiritualidade que coloca sempre Jesus ao centro de tudo. Esse caminho que ela oferece da Pequena Via, da confiança e do abandono nas mãos de Deus”.
Um coração aberto é a ponte que a irmã Emanuela reconhece como sinal para o recebimento da graça de Deus. Sinal este que Santa Teresinha dedicou em uma incessante caminhada de persistência e fé em busca da santidade. Sinal de confiança em Deus e na cura dos traumas, das doenças da alma e das provações sofridas por toda uma vida de 24 anos. “Vão aparecer várias nuvens nas nossas vidas. Se a gente parar naquelas nuvens, vai se tornar uma pessoa depressiva, vai se fechar em si mesmo, vai se fechar em sua própria dor, e não vai se abrir”. A desolação, oitava catequese do Papa Francisco sobre o discernimento, é o caminho oposto de uma alma em busca de consolação, observa a irmã Emanuela.
Unida às religiosas do Brasil, da Espanha, da França e da Itália, a irmã acende a chama do carisma das Mensageiras do Espírito Santo e se lança sobre as consolações da Providência de Deus sempre que as despesas precisam ser pagas e os desafios superados, contando com a confiança em Deus. A vida contemplativa se une ao apostolado e aos talentos postos por ela em prática, a exemplo dos setores da comunicação e financeiro da comunidade. Pessoalmente ou por meios virtuais, a consolação é o abraço com o qual o Instituto chega aos fiéis.
“[Aqui na Itália], nós estamos no coração da Igreja, no centro da cultura cristã, por assim dizer, mas a gente percebe que aqui tem muita carência hoje. Então a gente tenta levar as pessoas a fazerem uma experiência com o amor de Deus em primeiro lugar, através da pessoa do Espírito Santo”.
De hábito marrom e creme, escapulário e véu preto, as últimas palavras de irmã Emanuela apresentam o chamado a uma vida de santidade para quaisquer pessoas e apontam o discernimento como via de uma existência feliz e agradável aos olhos de Deus, seja em um passo vocacional ou em uma decisão do cotidiano.
Um paranaense: olhar sobre a Ucrânia
O paranaense Vitorio Sorotiuk, 77 anos, se regozija pelas suas raízes ucranianas. Assim como ele, Sorotiuk aponta que 75% dos nascidos na acolhedora Prudentópolis partilham a descendência vinda deste mesmo país. Na memória do filho de João e Justina estão as lembranças dos avós que vieram das províncias da nação que há certo tempo não tinha a mesma repercussão que hoje em vista da guerra que a assola.
Vitorio Sorotiuk resguarda os títulos de advogado, morador curitibano e também de presidente da Representação Central da Comunidade Ucraniana Brasileira. Ele comunga das mesmas ideias do Papa Francisco em relação à Ucrânia, “que está a sofrer tanto, aquele pobre povo tão cruelmente provado”, conforme pontuou o Pontífice na Audiência do dia 23 de novembro de 2022.
De sua residência, Vitorio afirma: “Após a retirada das tropas no norte de Kiev, ficou caracterizado práticas de crimes contra a humanidade com características genocidas. Isso significa a intenção de arruinar fisicamente ou criar condições para que um grupo étnico determinado seja destruído, e essa característica continua agora com os bombardeios massivos, principalmente contra a infraestrutura, a eletricidade e a água, que são elementos essenciais para a sobrevivência do ser humano, em uma época em que o frio avança por toda essa região, tornando a vida insuportável sob temperaturas tão baixas. As características também atingem a cultura ucraniana, seja do ponto de vista dos seus museus, dos hospitais, das creches das crianças assim como dezenas e dezenas de igrejas ucranianas já destruídas ou semidestruídas”.
No castelo da fé, Vitorio carrega os ensinamentos e a cultura recebidas de uma educação religiosa no Ginásio Imaculada Virgem Maria. Os fatos do hoje o fazem contemplar a consagração da Ucrânia a Nossa Senhora, realizada recentemente em Curitiba, com a presença de representantes das Igrejas greco-latinas ligadas ao Vaticano e da Igreja Católica Apostólica Romana. “Tão logo ficou evidente a invasão da Ucrânia pela Rússia, nós constituímos no Brasil o Comitê Humanitas Brasil-Ucrânia, que congrega todos os brasileiros que estão dispostos a prestar solidariedade ao povo ucraniano”, acentua.
O Deus que consola as famílias
As pequenas Anny Beatriz e Maria Helena (in memoriam), de 8 e quase 3 anos respectivamente, vieram aos braços de Bonifacio Soares, 38 anos, e Rafaela Pereira, 33 anos, como a maior resposta ao amor que floresce há onze anos no matrimônio do casal. Os olhos contemplativos de Bonifacio observam a beleza da vida: “nós escolhemos muitas coisas nessa terra. Eu escolhi Rafaela por ela ser uma pessoa de Deus e assim escolhemos nossos trabalhos, faculdades. Mas filho, não. Filho é graça, doação de Deus. O consolo de Deus é quando eu olho que, se eu sou pai hoje, foi graça e desejo de Deus”.
Rafaela exulta de felicidade: “juntos, eu e minha família servimos ao Senhor aqui na Paróquia Nossa Senhora de Fátima”. É da Serra da Borborema, dos entornos do Agreste paraibano e dos altos céus que brota o afago espiritual da família. Fiéis à vontade de Deus e consolados nesse amor, os missionários do movimento da Renovação Carismática Católica da Diocese de Campina Grande confessam, com a certeza da fé: “há cinco meses, Maria Helena voltou para o Pai. O Senhor a chamou para estar lá, adorando com os anjos e participando do Banquete Celestial”.
Quando o Corpo de Deus era apresentado aos fiéis da assembleia e as filas se formavam a caminho da Comunhão, os pequenos, profundos e inocentes olhos de Helena contemplavam o Senhor com a sabedoria que os livros da terra ainda não são capazes de relatar. Bonifacio bem se lembra da felicidade transbordante da filha caçula, quando carregada em seu colo e fazendo companhia na procissão dos comungantes. O olhar voava para o coro dos músicos, onde cantava a mãe Rafaela, e rapidamente fixava-se na Eucaristia. Voltavam ao banco de origem e logo os joelhos da menina de 2 anos se dobravam para o Jesus que consumia o seu coração de amor, imitando os gestos do pai.
Em meados de junho de 2022, a tosse visitou ambas as filhas do casal e não tardou até que fossem examinadas por uma médica. Nada de tão grave, aferiu a médica, que receitou medicamentos para as meninas.
Em meio aos apertos financeiros de um meio de ano e pela Divina Providência, Bonifacio e Rafaela se inscreveram em um congresso católico no Sertão paraibano. A avó das meninas se prontificou a cuidar delas. Nenhum sintoma grave as acometia. O Senhor queria ressoar a Sua voz a um mesmo coração dos que se fizeram uma só carne.
“[No Congresso], eu pedia muito para que o Senhor pudesse restaurar a saúde de Maria Helena. O Senhor trazia calmaria ao meu coração, mas ao mesmo tempo, quando eu fechava os olhos diante de Jesus Eucarístico, e de tanto pedir, eu chorei inconsolavelmente por esse momento. Eu via Maria Helena em uma cama, vestida de branco, e então o Senhor a elevava”. Era sobre a terra feita pelas mãos do Criador que Rafaela imaginava que se daria a cura de sua caçula, mas apenas nos dias seguintes foi possível entender de forma mais clara o sentido daquela imagem de revelação.
13 de junho de 2022. Segunda-feira de Santo Antônio. O cansaço abate Maria Helena mais fortemente e uma série de exames excluem as suspeitas de Covid-19, apontando pneumonia bacteriana e derrame pleural no lado canhoto do pulmão. Em meio à dor e ao espanto da doença, a pequena está feliz, seguro e forte no leito hospitalar que a acolhe. Está consolada pelo amor de Deus, de sua família e da irmã Anny.
Consola-se nas palavras que ainda não sabe escrever, mas que vive intensamente. Consola-se no sorriso da Virgem Maria. As enfermeiras admiram-se de tamanha consolação sobre o semblante da criança que jamais chora ou reclama, mas apenas sorri como resposta aos prantos do mundo e que clama docemente pela presença da mãe Rafaela.
Esta sussurra para a filha as letras da canção predileta da pequena: “Ó mãe, levanta-me do chão / Acolhe-me em teus braços / Intercede pelas lutas do meu coração. / Ó mãe, carrega-me em teu colo / Educa-me como educaste o Cristo / Pra que eu possa entender / Que o calvário me ensinará a viver” (Coração de Mãe, Mariani, Álbum Saudades do Amanhã, 2014).
“A sua filha vai precisar ser entubada”. Um novo getsêmani se apresenta para os joelhos de Rafaela, tão acostumados a clamarem pela misericórdia de Deus incansavelmente, há tantos dias. O silêncio de Maria a toma por completo. Nada pode fazer senão orar e obedecer aos pedidos da médica para deixar a sala e a presença daquela que há poucos meses ainda habitava o seu ventre.
“Eu perdi o chão naquele momento”, registram as palavras de um pai que prontamente deixou o seu trabalho e correu para o hospital após a notícia da intubação. O manto da Paixão de Cristo cobriu o coração da família em torno do padecimento de Maria Helena. A Unção dos Enfermos foi dada a ela pelas mãos do sacerdote. Em meio à dor, o escudo com o qual o casal se protege de qualquer murmúrio e desolação é a fé, a esperança e a gratidão.
Às 2h35 da manhã de 16 de junho de 2022 faleceu Maria Helena. Rafaela viu a filha partir como a Virgem Santa no calvário vendo a morte de seu filho. Lágrimas. Silêncio. Força. Sempre com um sorriso no rosto e com o Espírito Santo no coração, Bonifacio e Rafaela são consolados e consolam os que buscam compreender o profundo agir de Deus na partida de Helena, onomástica da Beata Elena Guerra. É pela doce voz de um anjo vindo ao coração que o sol brilha outra vez: é dia de Corpus Christi, o Corpo de Cristo que tanto regozija de felicidade o corpo e a alma de Helena.
O centro do lar da família Soares gira em torno de Cristo, do Ressuscitado, do sempre eterno Senhor de fidelidades, do Deus das consolações e das consolações de Deus. No baú das boas lembranças de 2022, Bonifacio registra palavras proferidas em junho por Anny Beatriz, a poucos dias de sua caçula Maria Helena celebrar 3 anos de vida na terra de Santa Cruz: “Papai, na próxima semana vai ser o aniversário de Maria. O Céu está em festa!”.