Fundação Scalabriniana vive o tempo natalino com campanha #hopeandhelp. Vanessa, migrante de El Salvador, compartilha relato pessoal.
Luiz Felipe Bolis – Vatican News
Nos cinco continentes, a Fundação Scalabriniana apoia treze organizações comprometidas com ajudas humanitárias a mais de 60 mil migrantes e refugiados. A Fundação é uma organização não governamental internacional, expressão sinérgica do compromisso da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlo Borromeo, as Scalabrinianas.
Para o Natal de 2022, foi lançada a campanha #hopeandhelp, favorecendo projetos de apoio a pessoas em situação de refúgio de Honduras, México, Brasil, Moçambique e Itália. “Escolhemos a palavra esperança como palavra-chave da campanha, porque acreditamos fortemente que doar Esperança é um gesto concreto de justiça e solidariedade”, pontuam os responsáveis do programa. Doações podem ser realizadas através do link: https://donorbox.org/hopenadhelp.
Entre os projetos assistidos pela campanha está o Chaire Gunay – “Bem-vinda, mulher”, que nasceu em Roma, em 2018, através do desejo do Papa Francisco confiado às irmãs scalabrinianas. O Pontífice pediu o desenvolvimento de um projeto de semiautonomia capaz de atender mulheres migrantes e refugiadas, sozinhas e com filhos, mais frágeis e cujos tempos de autonomia são mais longos que seus pares. Mulheres sem filhos permanecem em um período de até seis meses e as que são mães, até um ano. Atualmente nove refugiadas e duas crianças são atendidas pelo “Bem-vinda, mulher” na cidade de Roma.
As irmãs scalabrinianas se empenham na promoção da dignidade, justiça e solidariedade àqueles que são forçados a deixarem suas casas devido à pobreza, problemas de saúde, violência, desastres ambientais e por vários outros motivos, especialmente mulheres e crianças. Prestando ajudas aos que sofrem os prejuízos das guerras, das perseguições e dos abusos de direitos humanos, a Fundação crê em um mundo sem fronteiras, com base em gestos de unidade e atos de esperança.
Dados da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) revelam que, em 2022, uma média de 100 milhões de pessoas encontram-se em situação de refúgio. Um número exorbitante, comparado com anos anteriores. No tocante ao aumento dos casos, vale citar as mazelas geradas pela pandemia e pelos conflitos que assolam regiões como a “maltratada Ucrânia”, termo usado pelo Papa Francisco.
Uma migrante fala “sobre viver”
Tudo o que ela tinha em mãos eram malas e o desejo de fazer os seus sonhos “darem certo”. As evidências diante das pupilas femininas sublinhavam no coração uma dessas oportunidades raras que as ditas línguas falam “surgir apenas uma vez na vida”. Chances que pincelam um pouco de confiança.
Vanessa Gamero deu um passo de coragem e olhou com esperança para o porvir que a chamava a 10 mil quilômetros de distância. Pelas boas oportunidades de emprego à sua frente, ela estava disposta a atravessar não apenas o Oceano Atlântico, mas também um oceano de medos, de limitações, de vocabulários ainda não conhecidos, de novos costumes e até de uma nova identidade a ser construída do zero.
Vanessa tomava as rédeas da perseverança para engatinhar os seus objetivos, até que os pés pudessem se firmar com segurança em terra seguro e em novos passos. Na altura daquele ano de 2017, a jovem se vestiu da maior força possível, e com apenas 23 anos partiu de El Salvador, na América Central, com destino à Itália. O passaporte fora carimbado com as tintas da esperança.
A vida faz questão de estampar duas certezas a qualquer homem ou mulher, de qualquer país ou roupagem social. A primeira é a de que todos são amados por Deus e, em seguida, a de que qualquer um pode se tornar vulnerável a alguma situação imprevisível. Desemprego, perseguição, enfermidades e fome são apenas algumas das mazelas que fazem muitos lutarem diariamente pela sobrevivência e que, nas brechas da invisibilidade, vestem sobre tantos as capas de super-heróis e super-heroínas.
Cinco anos de Itália se passaram aos olhos de Vanessa. As palavras da salvadorenha, já temperadas com a fluência romana, escrevem a epopeia de uma refugiada. A história que apenas ela pôde assistir e viver. A história nascida das raízes de centenas de milhares de outros refugiados que veem o sonho reprisar cenas de pesadelo. Os que resistem sobre a canoa da resiliência e os que nem conseguem chegar em terra seguro para vencer a tão desejada – e difícil – travessia.
Amparada pelo projeto Chaire Gunay – “Bem-vinda, mulher”, da Fundação Scalabriniana na capital da Itália, o primeiro contraste da experiência internacional de Vanessa choca: “Aqui em Roma, meu primeiro trabalho foi em uma lar tão bela quanto um palácio, mas lá me tratavam como escrava”. Diante uma carga horária exorbitante, por um ano e meio Vanessa se viu presa às garras do ignorado mundo. “Ninguém pode dizer o que vai acontecer em um outro país que não é o seu, porque, primeira coisa, aqui você não tem a sua família por perto. Quando eu cheguei, eu não sabia falar a língua e não conhecia nada sobre aqui. Mas você se sente bem e bela e quer ficar ali, ainda que como uma escrava. Sempre dou graças a Deus porque, mesmo tendo sido escrava, eu aprendi tanto com eles”.
O tempo de quem sente de perto os dramas e os enredos do passado é tão longo para quem o testemunhou e, ao mesmo tempo, tão curto para dizer ao mundo o que se viu da vida. Quando o lado psicológico de Vanessa não mais suportava o filme de terror que se passava dia após dia, ela abriu as portas da gaiola de ferro do dito emprego e voou para a Via Tuscolana de Roma, onde alugou um pequeno quarto e montou um negócio próprio.
Um breve romance partiu com a mesma rapidez com a qual chegou aos caminhos de Vanessa, deixando em 2019 um fruto eterno que ela diz ser o seu principal motivo de poder se sentir hoje como uma pessoa normal e não mais uma escrava. Aquele rapaz se foi, mas com Vanessa ficou a pequena Brisa, o milagre que, segundo ela, ressignificou a sua trajetória de mulher estrangeira. A filha frequenta a escola desde o primeiro ano de vida para a salvadorenha poder trabalhar.
São tantas as responsabilidades de uma mãe solo, e ainda mais quando se está em um outro país, sem uma grande rede de apoio por perto para cuidar de um bebê. Vanessa viu um mar de contas baterem à porta, tendo pouco dinheiro para se sustentar e garantir qualidade de vida à filha. O desejo de voltar à América Central aumentava cada dia mais.
“Uma vez eu estava passando ali pela rua da Cáritas e chegou um rapaz ao meu lado. Ele falava espanhol, porque ele era do Peru, e me dizia: ‘por que você está chorando?’. E eu: ‘eu preciso voltar ao meu país, porque não tenho mais condições de estar aqui pela minha filha’. E ele: ‘vamos comer alguma coisa e depois eu te levo lá na Cáritas’. Comemos e fomos à Cáritas. Não me lembro como ele se chamava. E ele me dizia: ‘não chore, porque aqui na Cáritas você não está sozinha’. Vanessa diz ter visto um anjo de carne e osso bem diante dos seus olhos que a ajudou no momento necessário.
Acolhida com afeto pela instituição com afeto, Vanessa conseguiu alojamento em albergue meses antes da pandemia, o que ela enxerga como uma grande bênção, por estar desempregada à época. A salvadorenha sentiu alívio ao saber que teria proteção em meio ao frio europeu, alimentos, condições básicas de cuidar da filha, amparo médico e muito mais.
E assim, após passar por outros centros de acolhimento, pôde ser incluída no projeto Bem-vinda, mulher, das irmãs scalabrinianas, sobre o qual diz: “esse projeto é muito relevante para nós que somos imigrantes, refugiadas, porque nos ajuda a crescer e a nos colocar na sociedade. Não somos tratados como refugiados, mas aqui somos todos iguais com os italianos”.
A Vanessa de 28 anos hoje se vê como a mãe da Brisa, de 3 anos, e como parte essencial da construção de uma sociedade mais justa, através do projeto Bem-vinda, mulher, no qual está acolhida há oito meses. Ela conheceu a Itália primeiro pela face dos menos favorecidos, dos pobres, dos explorados, dos fortalecidos na rocha da sobrevivência, e fala com propriedade que a parte mais bela do país é estar junto a outras mulheres refugiadas, reunindo-se com elas em dia de domingo, por exemplo, e se sentindo em lar e em família, como se estivesse em El Salvador. A história de Vanessa se reconstrói de esperança.
A Fundação se prepara para celebrar o Natal, o nascimento de Cristo. distante do afago nas questões materiais, as migrantes e voluntárias do projeto mergulham no sentido espiritual da data e entendem que a manjedoura do Menino Jesus representa o mesmo berço que as acolheu em terras italianas. Enxergam a vida com os olhos da felicidade, transbordam gratidão. Mulheres que, de várias nações e continentes, se unem sobre os alicerces de uma mesma comunhão e que juntas seguem avante a cada novo dia, na certeza de que “o lar das pessoas é o mundo”.
O rosto de Vanessa se transfigura de felicidade. É Natal e ela contempla a luz de Cristo sobre a face da sua amada Brisa. “A minha filha hoje fez um desenho de Natal. Eu sempre pergunto como foi o dia dela na escola, e ela me mostrou a atividade dela, me fazendo lembrar que o Natal é a festa de Jesus, e que toda a atenção deve estar voltada a ele, enquanto que conosco deve estar a paz e o amor”.