MINHAS MODESTAS IMPRESSÕES SOBRE BENTO XVI

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Em 1997, quando fiz um passeio a Roma com alguns colegas padres, nos arredores do Vaticano, tivemos a grata surpresa de nos encontrarmos com o então Cardeal Joseph Aloisius Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Porém, nossa surpresa foi ainda maior quando ele nos cumprimentou com muita simplicidade, o que nos animou a lhe dizer que éramos padres do Brasil. Parando, tímida e gentilmente, ele sorriu e nos abençoou.

Desde aquele dia, passei a ser o seu grande admirador e tive a graça de me achar com ele mais vezes, como na visita ad limina, quando eu era Bispo da Diocese de Luz. Naquela ocasião, tive uma conversa pessoal com ele durante 17 minutos, na qual ele foi muito atencioso e demonstrou interesse em ouvir o meu breve relato sobre a caminhada e os desafios daquela diocese. Lembro-me como se fosse hoje como ele, com muita humildade e atenção, me fitava nos olhos e com seu sorriso tímido e os movimentos da cabeça demonstrava todo o seu afeto e respeito para comigo. Também não me esqueço da sua fala a nós Bispos de Minas, durante nosso encontro com ele, na qual ele afirmou que nós tínhamos na piedade popular um valioso tesouro, em estado bruto, que precisava ser lapidado com muito afeto e cuidado.

Bento XVI possuía uma mente brilhante. Seguramente, foi um dos maiores teólogos da história recente da Igreja, senão o maior. Ao mesmo tempo, possuía uma personalidade tímida, um jeito simples, marcado por uma espiritualidade cristã densa, autêntica, que irradiava de suas atitudes, gestos e palavras, marcados pela delicadeza e pela amabilidade no trato com as pessoas.

Além de inteligência privilegiada, era dotado de fé inabalável, vigorosa e exemplar. Seus escritos acadêmicos e os textos do seu Magistério Papal são alicerce para os ensinamentos da Igreja nos tempos atuais e futuros. Como perito no Concílio Vaticano II, sua atuação serviu de base para as renovações e atualizações da Igreja. Com competência e humildade, serviu a Igreja de forma segura e serena.

Como Papa, foi um Pastor admirável e missionário incansável. Sua fala manifestava grande profundidade teológica e simplicidade paterna. Enfrentou muitos problemas difíceis e desafiadores do mundo moderno, no âmbito da ética e no campo teológico, e sempre tomou medidas acertadas para as soluções necessárias, sem se preocupar com sua própria imagem, mas apenas com a santidade eclesial. Sua única vontade era, de fato, ser fiel a Deus e aos ensinamentos da Igreja.

Sem exagero algum, considero-o grande profeta, testemunha da fé, alguém que foi mal compreendido e criticado por aquelas pessoas que tinham uma imagem distorcida de sua pessoa e de suas decisões, a imagem de uma pessoa intransigente, de uma pessoa fechada, de uma pessoa dura, de uma pessoa até agressiva, tanto é que o chamavam de “cardeal tanque de guerra”. Isso o fazia sofrer muito, mas manteve-se sempre no silêncio, sem revidar as acusações injustas.

Antes de ser Papa, o principal legado dele foi o teológico, pois sua produção teológica, dentre artigos, livros e conferências, soma 21 volumes, sendo que o conteúdo dessas publicações abrange vários aspectos da Teologia, sobretudo a Eclesiologia, com sua obra “Povo de Deus”, e a Cristologia, com sua obra, “Jesus de Nazaré“.

Na condução da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger sempre tomou dois cuidados: utilizou o “método sinodal”, que consiste em respeitar a decisão do plenário sobre os textos de natureza coletiva; e quis que todas as publicações exprimissem a convicção da Congregação, e não a teologia pessoal dele.

Eleito Papa em 19 de abril de 2005, para suceder a João Paulo II, o pontificado de Bento XVI foi marcado por reforma, mas na continuidade. Uma prova disso é que ele sempre priorizou o tema da santidade e o combate à violência sexual contra menores, temática sobre a qual promoveu mudanças extremamente significativas. Mas o grande tema do seu pontificado é o tema do encontro transformador com Cristo, pois, segundo ele, alguém se torna cristão, não por causa de um conjunto de normas ou de princípios teóricos, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, Jesus Cristo.

Bento XVI assumiu o pontificado num contexto desafiador, como “humilde servo na vinha do Senhor”. Cultivou a consciência do pastor que não pode carregar sozinho aquilo que, na realidade, nunca poderia sustentar sozinho e, por isso, soube abandonar-se à oração e ao cuidado do povo que lhe foi confiado. E, num gesto de grandeza humana e de senso eclesial, soube se retirar quando sentiu as forças diminuírem.

Embora sua renúncia ao Pontificado tenha sido criticada, na verdade foi o gesto de uma grande pessoa, que jamais se apegou a cargo ou título e que teve a sensatez de perceber a necessidade de alguém com mais vigor que ele para enfrentar as exigentes tarefas daquele Ministério. Após a renúncia, Bento XVI escolheu o silêncio, poucas vezes veio a público para abordar algum tema; e o fez sem conflito pessoal com o Papa Francisco, a quem sempre respeitou e por quem sempre foi respeitado. Por isso, seu gesto de humildade e coragem de renunciar ao pontificado ficará marcado na história como um exemplo de quem entendia a autoridade como serviço que deve ser prestado até quando os limites pessoais permitirem.

Bento XVI faleceu em 31 de dezembro de 2022, às 09h34 (horário de Brasília), no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano; uma morte serena e santa. Diante de sua vida rica de serviços à Igreja e à humanidade e por tê-lo conhecido, rendo graças a Deus por esse grande dom que nos ofereceu como base sólida para a fé e a prática do amor de Cristo, além de seu exemplo de humildade, simplicidade e serviço à causa do Reino.

Dom Félix

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