Na mídia do Vaticano a entrevista com Rafael Mariano Grossi, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica em Viena, recebido nesta quinta-feira em audiência pelo Papa Francisco no Palácio Apostólico.
Valerio Palombaro
O Papa Francisco recebeu na manhã desta quinta-feira (12/01) o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, em visita ao Vaticano, onde também manteve conversações com o cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin, e com o secretário para as Relações com Estados e Organizações Internacionais, arcebispo Paul Richard Gallagher. Em entrevista à mídia do Vaticano, Grossi enfatizou a necessidade de achar soluções multilaterais para as crises internacionais e evitar a escalada nuclear. Em particular, ele se debruçou sobre a delicada situação na usina nuclear de Zaporizhzhia, anunciando que em breve visitará a Ucrânia, pela quinta vez desde o início do conflito.
O Papa Francisco denunciou fortemente a gravidade da ameaça nuclear que hoje paira sobre a humanidade. Quais são seus sentimentos sobre esta ameaça?
Eu encontrei o Papa Francisco porque sua voz, sua mensagem sobre estas ameaças neste momento difícil – com uma agenda internacional complexa – me parece indispensável. O trabalho da AIEA tornou-se urgente: trata-se de um trabalho não apenas dedicado à questão da Ucrânia. Há também o Irã e a Coréia do Norte. Neste momento, é evidente que a segurança das instalações nucleares na Ucrânia se tornou urgente, indispensável. Claro que, quanto à situação atual, é sempre precária, sempre frágil: os bombardeios em torno e às vezes sobre a central de Zaporizhzhia continuam. Desde minha visita em setembro passado, pude estabelecer uma presença contínua da Agência em Zaporizhzhia: neste momento meu compromisso é chegar a um acordo político entre Moscou e Kiev, para assegurar uma zona de proteção e de segurança nuclear em torno da usina.
O Papa tem repetidamente expressado apoio a uma abordagem multilateral em grandes crises internacionais: qual a importância deste apoio da Santa Sé?
É fundamental! O apoio da Santa Sé é fundamental porque enfatiza a importância em termos de paz, com uma voz universal como a voz do Santo Padre, e em particular neste conflito na Ucrânia, que é um conflito na Europa, mas é também um conflito que envolve cristãos em todo o mundo. Escutar a voz do Santo Padre é indispensável: é por isso que o diretor geral da Agência – não apenas por ser católico – se reconhece nesta orientação espiritual do Santo Padre, mas também por causa da força real no mundo desta voz neste momento de guerra.
O senhor mencionou a usina nuclear de Zaporizhzhia e a possibilidade que se crie esta zona de segurança. Entre outras coisas, o senhor visitou a Ucrânia. Quais são as expectativas em relação a esta possibilidade de criação de uma zona de segurança?
Obviamente, não é uma negociação fácil porque é uma questão que envolve aspectos técnicos e também políticos e militares. Eu disse ontem, aqui em Roma: a mesa de negociações se tornou maior. Não falo apenas com diplomatas, com líderes políticos, mas também com os militares: generais, coronéis, pessoas que têm objetivos militares em uma zona de combate ativo. E também tenho que deixar isto claro para a comunidade internacional, porque para as forças militares de dois países inimigos – neste momento – esta zona é uma zona de intensa atividade militar. Meu desafio é chegar a um ponto em que haja uma santuarização – com um neologismo, por assim dizer – da usina que seja vista não como um problema, mas como uma solução para quaisquer consequências mais graves: de fato, é claro que um acidente nuclear teria consequências não limitadas a um dos dois Estados em guerra, mas a uma área geográfica maior e talvez a toda a Europa. E para isso há a insistência da Agência e minha pessoal. Portanto, fala-se muito neste momento de aspectos territoriais, perimetrais, que são as preocupações das forças armadas dos dois lados. Fiz progressos. Na próxima semana estarei novamente na Ucrânia, a quinta vez desde o início do conflito, para continuar esta rodada de negociações, depois disso não está confirmada, mas acho que é possível ir à Rússia também.
O Papa, falando há alguns dias ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, expressou preocupação com o impasse sobre o acordo nuclear iraniano. Há alguma chance de progresso nisto?
O Papa tem razão: há um impasse, as negociações foram interrompidas, há muitas reuniões e intercâmbios e é por isso que a Agência – e eu pessoalmente – não quero deixar este vazio político em torno de uma questão tão volátil e perigosa. Há dois caminhos paralelos: o do acordo global, o chamado JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action), e também a negociação bilateral entre a Agência e o Irã. Não temos conseguido progredir. O Irã, ao mesmo tempo, está progredindo, progredindo no processo de enriquecimento de urânio, desenvolvimento e construção de centrífugas cada vez mais avançadas. Isto é realmente preocupante porque, é claro, estes são passos para a proliferação, enquanto temos que evitá-la. Espero poder ir a Teerã. Eu sempre digo que a Agência é um lugar de acordo, um espaço, uma plataforma de entendimento mútuo. Portanto, estou pronto para viajar e começar de novo, se possível, o mais ligeiro possível.
O Papa Francisco denunciou repetidamente a imoralidade não só do uso de armas nucleares, mas também de sua posse. O que a agência internacional que o senhor lidera pode fazer para promover o uso exclusivamente pacífico do nuclear?
O uso exclusivamente pacífico do nuclear é relevante, especialmente no momento em que outra crise, a da mudança climática, atingiu a humanidade. É claro que existe – não vou dizer uma redescoberta, mas um foco muito mais intenso na capacidade da energia nuclear de fornecer uma solução limpa e livre de carbono para a economia global. Pode-se ver na Europa Oriental, pode-se ver na China, se vê na Ásia do Sul emergente, em quase todos os lugares se vê isto. Ao mesmo tempo, como você diz com razão, o problema da posse de armas nucleares está sempre presente. É claro que temos que – e eu, como diretor da Agência, tenho que reconhecer – que este é um processo gradual e que agora a obrigação do momento é impedir que mais e mais países procurem armas nucleares, especialmente em um contexto internacional de tensão. Países, muitos têm a ideia – e esta é uma ideia absolutamente incorreta – de pensar que talvez neste momento a possibilidade de desenvolvimento nacional de armas nucleares deva ser reconsiderada. É a isso que a Agência deve dizer ‘não’: já temos uma situação internacional difícil e não devemos torná-la ainda mais difícil. Se há uma coisa que é clara – o Santo Padre, a Igreja o disse – é que as armas nucleares não fornecem segurança: é o oposto. É o oposto! E isto deve ser dito. Devemos ter a paciência e a capacidade de convencer os Estados, e isso não é fácil.