Murilo Villas Boas fala de seu livro sobre a contribuição da Santa Sé e da diplomacia pontifícia na mediação de conflitos internacionais. Ele destaca que a diplomacia da Santa Sé é distinta por não ter interesses territoriais ou econômicos, o que a torna uma mediadora neutro, sendo reconhecida por sua influência.
Silvonei José – Vatican News
Recebemos nos Estúdios da Rádio Vaticano – Vaticano News Murilo Vilas Boas. A quem damos as boas-vindas.
Murilo, seja bem-vindo.
Obrigado, Silvonei. É um prazer estar aqui em Roma, na Cidade do Vaticano também, e conhecendo os estúdios da Vatican News.
O Murilo me traz um presente. A Santa Sé diante de conflitos internacionais, direito internacional, diplomacia pontifícia e cultura do colóquio. Um livro, fruto do seu pensamento, do seu trabalho. Do que se trata exatamente?
Esse livro, na realidade, surgiu a partir de algumas reflexões que eu comecei a fazer na graduação em Direito. Eu me formei lá na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, e desde o início da minha graduação eu comecei a estudar mediação de conflitos, que é um tema muito próprio ao Direito. Quando foi se aproximando o momento de eu fazer o trabalho de conclusão de curso, eu, por ser católico, tenho uma relação muito forte com a Igreja, procurei trabalhar um tema que tivesse relação tanto com a Igreja quanto com o Direito. E eu encontrei nesse tema, que trata sobre, de forma muito preliminar, não é um livro que tenha a finalidade de alcançar toda a temática, até porque a história da diplomacia moderna, como nós conhecemos, não se confunde com a história da diplomacia pontifícia. E esse livro surgiu a partir dessas reflexões de como a Igreja e a Santa Sé contribuíram para a formação da diplomacia como nós conhecemos e o papel dos Papas nesse processo de resolução de conflitos internacionais, que veio muito antes do conceito de diplomacia moderna como nós conhecemos. Então, eu utilizei dessa reflexão. A relação que existia com o curso do Direito Internacional, também aprofundando pelo viés da Igreja e da atuação da Santa Sé nas contribuições que a Santa Sé vem oferecendo para o mundo como um todo até hoje.
Murilo, para a gente sintetizar, que tipo de contribuição pode dar uma diplomacia como a da Santa Sé?
A diplomacia da Santa Sé, a gente costuma dizer que ela é sui generis. Diferente das diplomacias… Diferente das diplomacias dos estados comuns. A gente sabe que o estado do Vaticano é um estado também, mas a Santa Sé precede o estado do Vaticano. Ela tem características muito próprias. É uma diplomacia que tem um grau elevado de respeito pela comunidade internacional. É um estado que não tem interesse em território, não tem interesse em dinheiro, não tem exército para promover guerras e, por isso, por si só, já traz… um conforto para os estados que estão em situações de conflito, ainda que não sejam estados com predominância de religião cristã, para obterem, através da Santa Sé, um espaço neutro capaz de mediar conflitos. Porque um dos pontos mais importantes do processo de mediação de conflitos é que aquele que não tem interesse na situação, e isso tem um grau de imparcialidade muito forte. E a Santa Sé, ela consegue expor, ela consegue expor esse grau de imparcialidade, fazendo com que os estados que, em determinados momentos, tenham até certa resistência de usar de mecanismos internacionais como a ONU ou outros estados que também desempenham funções diplomáticas de mediação, recorram à Santa Sé para que possam… poder promover o colóquio. Eu cito no meu livro, por exemplo, o caso muito recente do Papa Francisco. Esse livro é dedicado… ao Papa Francisco, porque eu percebi nele uma capacidade de colóquio muito forte, muito franco. É o caso dos Estados Unidos e Cuba, que o próprio Papa enviou cartas para ambos os estados, pedindo e oferecendo o Vaticano como a sua lar para promover o colóquio entre esses estados que tinham situações de tensão, que, depois desse movimento feito pelo Papa Francisco, conseguiram se reunir novamente e avançar, nas questões diplomáticas.
Olhando um pouquinho a história, é interessante o que você está dizendo, porque o Vaticano, a Santa Sé, não tem um exército, não tem um poder econômico, mas tem um poder ética muito grande. Muito forte. Que pode ajudar justamente nesses conflitos. E olhando aquilo que está ocorrendo hoje, sem dizer receitas, mas o que poderia a diplomacia ajudar, por exemplo, o caso da Ucrânia, o caso também lá da Terra Santa, do Oriente Médio.
Exatamente. Eu acho que essa palavra sintetiza muito bem a força que a Santa Sé tem em relação a outros estados. É o menor estado do mundo, mas tem esse poder ética muito forte. E o Papa Francisco já vinha fazendo diálogos com a Ucrânia, na situação da guerra da Ucrânia, e mais recentemente com os conflitos, que vêm ocorrendo no mundo. E esses estados recorrem, muitas vezes, à Santa Sé. E a Santa Sé tem capacidade de influenciar e pedir o colóquio para outros estados que não necessariamente são aqueles estados que estão no fronte de guerra, mas que acabam interferindo nos conflitos, oferecendo armas, oferecendo suporte econômico. Então, isso faz com que a Santa Sé tenha essa capacidade de, ao mesmo tempo, com a sua autoridade ética, mesmo sendo um estado que é um estado cristão, consiga dialogar com todos esses atores internacionais com autoridade, com respeito e com imparcialidade.
Eis a íntegra da conversa com Murilo:

