Os dez mandamentos bíblicos são como um grande quadro pendurado na parede da vida, sustentado pela experiência, que um povo escravizado fez, de uma presença invisível e de uma força misteriosa que promoveu sua libertação, assim afirma o biblista Frei Carlos Mesters. E o mantra cantado por este povo cotidianamente é: Eu sou Javé teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da lar da escravidão (Êxodo 20,2). Com estas palavras, declara-se a autoridade e o objetivo dos dez mandamentos.
A autoridade. Tirando o povo da lar da escravidão, Javé conquistou um título de propriedade sobre esse povo (Êxodo 19,5-6). Por isso, ele tem o direito de revelar-lhe a sua vontade, expressa nos dez mandamentos, as dez palavras de Javé.
O objetivo. Fazer alguém sair da “lar da escravidão” para a liberdade não é algo que se faça de um dia para o outro. É um longo processo que exige sábia orientação, normas e pistas concretas que ajudem aos que viviam como escravos a formarem um povo e até mesmo uma nação, mas que continuassem percorrendo pelos caminhos da liberdade, da fraternidade e da justiça, superando e negando toda forma de escravidão. A observância fiel dos dez mandamentos foi entendida como ensaio de uma outra forma de organização da vida em sociedade, pautada pela dimensão ética, até chegar à prática perfeita da plenitude do amor (Mateus 22,40; Gálatas 5,14; Romanos 13,8-10).
Os dez mandamentos foram dados a adultos que conquistaram a liberdade, mediante a superação da violação de seus direitos individuais e coletivos, que agora devem tomar consciência de pertença a um povo. Seu objetivo principal não visa apenas melhorar o comportamento individual, mas orientar, sobretudo, para uma nova organização social que coíba as causas dos clamores expressos outrora. Não apenas os indivíduos, mas as pessoas enquanto formam um povo, devem observá-los.
Os mandamentos são a resposta de Javé ao clamor do povo oprimido. Por meio deles, Javé ataca a causa que provoca o clamor. A fiel observância dos mandamentos destrói esta causa e impede a volta do povo à lar da escravidão. Por isso, por trás de cada mandamento há uma causa que provoca um clamor e este se apresenta como um meio para combater tal causa que o produz.
No tempo de Jesus de Nazaré havia alguns fariseus que ensinavam os dez mandamentos sem observá-los e cumpri-los (Mateus 23,4; Mc 7,8-13; João 7,19). Repetiam a letra, mas matavam o espírito da lei (Lucas 11,39-44; 2 Coríntios 33,6). Esqueciam que a lei tinha sido dada para educar e libertar (Gálatas 3,21) e a transformaram em instrumento de opressão (Lucas 11,46; Mateus 11,28).
Esta aberração chegou ao ridículo de terem criado mais 365 outros mandamentos proibitivos, referentes a cada dia do ano e mais 248 mandamentos referentes a cada fração do corpo humano, somando 613 mandamentos, que justificassem o domínio e a opressão das pessoas. Ao agirem assim, acreditavam estarem protegendo os dez mandamentos dentro de uma redoma e, quem pecasse, estava pecando contra os outros 613 mandamentos criados segundo critérios puramente ideológicos, sem nenhum fundamento histórico, social ou religioso.
Jesus criticou duramente esta posição hipócrita e desumanizante, bem como a forma de interpretação dos mandamentos feita pelo partido dos fariseus, dos saduceus, dos herodianos, dos sacerdotes e dos doutores da lei (Mateus 5,20; 26,1-36) e trouxe uma explicação contextualizada e libertária dos mandamentos (Mateus 5,17-48).
A prática de Jesus é profundamente iluminadora para a compreensão do sentido dos dez mandamentos. E o Apóstolo Paulo a interpretou com esta advertência: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a Lei. Pois os preceitos: não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e ainda outros mandamentos que existam, eles se resumem nestas palavras: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da Lei. Isso é tanto mais relevante porque sabeis em que tempo vivemos. Já é hora de despertardes do sono. A salvação está mais perto do que quando abraçamos a fé. A noite vai adiantada e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz. Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Romanos 13, 9 -14).