A coletiva de imprensa para expor a exortação apostólica do Papa Leão XIV com os cardeais Czerny e Krajewski, juntamente com o franciscano Fr. Frédéric-Marie e a pequena irmã de Jesus Clémence
Benedetta Capelli e Salvatore Cernuzio – Vatican News
“Tratar os pobres com dignidade é o primeiro ato de paz”. Esta é uma das passagens centrais da intervenção do cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, na abertura da coletiva de apresentação na Sala de Imprensa da Santa Sé da exortação apostólica de Leão XIV, Dilexi te. O purpurado definiu o documento como “um ícone do magistério da Igreja”, destacando seus pontos-chave e lembrando o papel da Igreja em sua tarefa de curar as feridas “físicas, sociais ou espirituais”.
A pobreza, um tema “teológico”
A pobreza “é um tema teológico” porque através dos pobres se ouve a voz de Deus e no serviço aos pobres se abate todas as barreiras, disse o purpurado. Olhando para a atualidade, onde o valor humano é medido “em termos de produtividade, consumo e lucro”, ele falou de uma mentalidade dominante que descarta os fracos e que “merece o rótulo de pecado social”. “A justiça nasce da inclusão”, destacou Czerny. Ele indicou três diretrizes para a promoção do desenvolvimento integral: a Eucaristia que alimenta a comunidade; a educação que liberta as pessoas da pobreza espiritual; o serviço que é amor social. São caminhos que a Igreja oferece ao mundo para promover “uma civilização em que cada pessoa seja reconhecida como imagem de Deus”. Porque dessa consciência nasce a paz, acrescentou Czerny: “Não haverá paz enquanto os pobres e o planeta forem negligenciados e maltratados”.
O compromisso da Esmolaria Apostólica
A partir da metáfora dos pobres como imagem de Cristo, desenvolveu-se também a reflexão do cardeal Konrad Krajewski, prefeito do Dicastério para o Serviço da Caridade, que recordou os últimos 13 anos como esmoleiro, por vontade do Papa Francisco, que sempre lhe recomendou “fazer mais ações do que palavras”. Dilexi te, disse o cardeal, é um “timbre” do que a Esmolaria Apostólica faz todos os dias, “o pronto-socorro do Papa Leão”. O documento papal, destacou o purpurado, mostra o compromisso da Igreja ao longo dos séculos com as pessoas em dificuldade. E hoje esse compromisso exige uma ação imediata. Como a de Jesus, que “saía cedo, procurava as pessoas, aqueles que precisavam dele. Ele os curava no mesmo dia, não mandava outros”.
Krajewski recordou o período da pandemia da Covid-19, que em alguns bairros de Roma levou as pessoas à fome. Pessoas sem cartão de saúde que não podiam ter acesso à vacinação. “Vacinamos 6 mil delas na Sala Paulo VI”, disse o prefeito do Dicastério para a Caridade. Ele também lembrou das quase mil pessoas por dia, entre migrantes e refugiados, na Estação Tiburtina, vindas de Lampedusa. “Elas não precisavam de sanduíches, mas de cartões telefônicos para avisar seus parentes”. Depois, a guerra, que alterou as intervenções: Krajewski elogiou a generosidade dos italianos que enviaram cerca de 250 caminhões da Basílica de Santa Sofia para a Ucrânia com alimentos, vestuário com isolamento térmico e geradores elétricos. O purpurado também quis compartilhar a lembrança pessoal de quando o Papa Francisco ouviu seu desabafo. “Eu estava cansado, contei a ele o que acontecia sob a colunata: 200 pessoas por dia tomando banho, 6 mil por mês; o ambulatório com cerca de 100 médicos e 2 mil pessoas por mês que usufruíam dos serviços; medicamentos gratuitos para distribuir. Francisco me respondeu que eu estava totalmente equivocado: “Ao vestir os pobres, você veste Cristo; ao cortar o cabelo deles, você corta o cabelo de Cristo que vem sob a colunata”. Para mim, foi uma ducha fria”.
Os pobres, atores e não apenas objetos de compaixão
Nessa linha, Frédéric-Marie Le Méhauté, provincial dos Frades Menores da França/Bélgica, destacou a necessidade de se comprometer “com os pobres, de doar aos pobres, sobretudo através da esmola”. É preciso ver os mais vulneráveis como “atores” e não apenas “objetos de nossa compaixão ou de nossas políticas”, disse o franciscano, reiterando o convite do Papa a uma mudança de mentalidade: “Cada pessoa necessitada deveria poder ouvir estas palavras: ‘Eu te amei’”.
Ao lado das mulheres ciganas
Comovente foi o testemunho da pequena irmã de Jesus, irmã Clémence, que partiu da experiência dos anos vividos ao lado de Lari, Pana, Ancuza, Luminiza e outras mulheres ciganas em um terreno abandonado no sul da Itália. Irmã Clémence compartilhou a emoção pelo cuidado demonstrado por essas mulheres, apesar da dificuldade em adquirir a vida. Elas são o exemplo daquelas pessoas “materialmente pobres, mas ricas em humanidade”. Muitas não estudaram, mas possuem “aquela sabedoria que se forma através da precariedade que incentiva a partilha e a solidariedade”, disse a consagrada. E o Papa, acrescentou, “nos convida a reconhecer a misteriosa sabedoria que Deus quer nos comunicar através delas”, aquela solidariedade que muitas vezes esquecemos “porque preocupados em preservar nossas riquezas”. A pequena irmã de Jesus, carisma nascido da experiência entre os pobres de Charles de Foucauld, falou de “uma verdadeira virada na vida pessoal quando percebemos que são justamente os pobres que nos evangelizam”. Ela lembrou, nesse sentido, junho de 2014, quando um incêndio involuntário queimou metade das barracas do campo. “O pouco que nós e nossas famílias tínhamos foi destruído em poucos minutos”; não havia mais teto, alojamento, roupas, espaço para cozinhar. Tudo para recomeçar. “No entanto, naquele dia, não ouvi nenhuma lamentação dos vizinhos, mas apenas uma litania de louvores: ‘Graças a Deus estamos vivos, amanhã recomeçaremos com a ajuda de Deus’. Foi através deles que descobri a capacidade de colocar o essencial no centro, o abandono confiante à providência”, afirmou a irmã Clémence. “Nisso, eles foram e continuam a ser meus mestres espirituais”.
“100% de Francisco, 100% de Leão”
Amplo espaço foi dedicado às perguntas dos jornalistas, muitas das quais visavam compreender a “percentagem” da contribuição de Francisco e de Leão para a redação da exortação apostólica. “Não é relevante dizer quem escreveu o quê”, disse Czerny. “Este é o magistério da Igreja. É 100% de Francisco, 100% de Leão”. E sobre a diversidade de perspectivas de Leão XIV e de seu predecessor ao abordar o tema da pobreza – uma abordagem mais teológica para o primeiro, mais sociopolítica para o outro –, o cardeal afirmou: “O Papa Leão torna explícitas coisas que talvez o Papa Francisco não tenha explicitado, e poderíamos dizer o contrário. A riqueza e a beleza de Dilexi te são acompanhadas pela riqueza e beleza das coisas ditas pelo Papa Francisco. Não podemos colocar tudo numa balança”.
As estruturas de pecado
O cardeal jesuíta aprofundou ainda mais o conceito de “estrutura de pecado” recorrente na Dilexi te. O exemplo é o do tráfico de drogas, “sustentado por um número infinito de escolhas pessoais”, cada uma das quais “um pecado em si” que “se solidificam em algo terrível que se infiltra na economia, nos governos, até mesmo na mídia…”. “Corrupção, criminalidade, maldade”, tudo isso tem “um peso imenso” e é “capaz de controlar os Estados”, afirmou o cardeal: “É algo que deve ser levado muito a sério”.
Um documento para todos
O cardeal também convidou a não limitar o alcance de um documento como Dilexi te a indicações dirigidas apenas a uma parte específica do mundo e da Igreja. Uma resposta à pergunta de uma jornalista estadunidense que perguntou se a exortação era uma mensagem aos EUA, onde estão em curso ações das forças da ordem contra a imigração irregular. “É como o Evangelho: ninguém pode dizer que era dedicado à Inglaterra ou à Bolívia… O que peço é que não pensem que estes ensinamentos se destinam a um povo em particular. Somos católicos, somos inclusivos”. “Há muitos aspetos da vida do mundo que não estão bem”, continuou o chefe do Dicastério. Se temos a possibilidade de dizer algo, “quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, como diz o Evangelho. Isso não significa atirar pedras em alguém, mas convidar todos a assumirem a responsabilidade por suas escolhas”. Da mesma forma, o cardeal Czerny, questionado sobre as acusações contra Francisco de comunismo ou marxismo e o risco de que isso aconteça também com Leão, foi direto: “Os rótulos são os mesmos do Evangelho contra Jesus: eles definem mais as pessoas que os fazem. O problema não é dos Papas, mas de quem ataca”.