A esperança cristã e o Jubileu 2025

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“Santo Tomás de Aquino foi o grande mestre da Filosofia e da Teologia que escreveu, dentre outros temas, sobre a virtude da esperança, esta pedra angular do tripé das virtudes teologais juntamente com a caridade e a fé.”

Por Lucas Daniel Tomáz de Aquino*

A nossa geração é, de fato, agraciada. Vivemos, ao mesmo tempo, neste ano, dois Jubileus importantes que nos ajudam a viver como cristãos na graça de Deus.

Em primeiro lugar, temos o Jubileu proclamado pelo Papa Francisco através da Bula Spes non confundit, e que marca o 1700º aniversário do Concílio de Niceia, de onde firmou-se o nosso Credo apostólico.

Este acontece em meio a outro Jubileu em 2025, o do nascimento de Santo Tomás de Aquino. Nos anos anteriores celebramos também a canonização (2023) e morte (2024) do Aquinate[2].

Santo Tomás de Aquino foi o grande mestre da Filosofia e da Teologia que escreveu, dentre outros temas, sobre a virtude da esperança, esta pedra angular do tripé das virtudes teologais juntamente com a caridade e a fé.

Em seu Compendium Theologiae, o Doutor Comum nos ensina que sempre há um “movimento  da esperança,  de  modo  que  com  o auxílio de Deus o homem alcance  os  bens  que  ele,  ensinado  pela  fé, naturalmente deseja. Daí que depois da fé seja necessária a esperança para a perfeição da vida cristã”[3].

Ter esperança é sempre esperar. O homem sempre espera por algo. Esperamos o dia de nosso pagamento no trabalho, esperamos o automóvel ficar pronto na oficina, esperamos para sermos atendidos por um médico. Isto é, o homem vive a esperança diária em sua própria condição humana e sente na pele este misto de desejo e espera.

A esperança cristã, diferentemente do afeto natural humano, é uma virtude teologal infusa, pois nos é dada por Deus através da graça divina. Já as virtudes cardeais são aquelas alcançadas apenas pelo esforço humano, tal como quando obtemos a fortaleza nas adversidades.

A virtude da esperança tem essa característica de, definitivamente, não nos deixar confusos no que concerne aos seus fins e desacreditados quanto ao bem mesmo[4].

Santo Tomás Aquino, o maior filósofo e teólogo da Escolástica, considera a esperança uma característica daquele que não possui o que deseja[5], pois quem deseja algo espera e tem esperança no bem almejado.

Contudo, “desejar” não é o mesmo que “querer” algo. São coisas distintas. O desejo é um apetite racional, uma faculdade da vontade que tende ao bem. O querer é o apetite de algo tendo como objeto o próprio fim do apetite[6].

Na Filosofia Clássica aristotélico-tomista, a inclinação ao bem inteligível recebe o nome de apetite racional, ou seja, é a vontade. Distingue-se ela do apetite sensível, que são os desejos e impulsos. A Antropologia Filosófica Tomista nos ensina que estes pontos sensíveis e racionais têm constante relação com a  virtude da esperança, pois esta está ligada às nossas inclinações mais íntimas.

Desejo ou cupidez (desiderium sive cupiditas) se refere a qualquer bem de forma indiscriminada, pois é simples afeto natural humano provém do apetite concupiscível. Esta, porém, possui características como almejar sempre um bem, pois ninguém almeja um mal, como ensina Santo Tomás no De malo.

Outra característica da esperança humana é que seja um bem porvir, pois ninguém espera nem o passado e nem o presente. Que seja relativamente árduo, pois o que é fácil já se faz de imediato. Por último, que seja um bem porvir possível de se realizar, pois ninguém de modo natural espera o impossível.

A esperança cristã, ao contrário, busca um bem árduo. O Sumo Pontífice, Papa Francisco, na Bula do Jubileu da Esperança de 2025 nos ensina: “No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã”[7].

Ora, o amanhã ninguém sabe, somente o hoje. Por isso o Santo Padre refere-se ao bem árduo da esperança cristã. Nesta estão encerradas que, ao contrário da esperança da esperança humana, este bem inteligível não seja alcançado por meio de criatura alguma, somente mediante a graça divina, porque esta esperança tem por seu bem supremo esperado o próprio Deus.

É o que diz Santo Tomás na Suma Teológica: “O objeto da virtude da Esperança é o bem árduo inteligível que está além do intelecto” (supra intellectum existens)[8], ou seja o sujeito da esperança no bem árduo que concerne a Deus concedê-lo. Por isso Santo Tomás identifica ainda a virtude teologal da esperança à oração, principalmente a oração do Pai-Nosso, cujo pedido é para que seja concedido aquilo que é esperado, pois em Deus “sua virtude eleva-se acima de toda a magnitude dos céus”[9].

A virtude da esperança cristã purifica e eleva a natureza a inteligência que identifica um bem e move a vontade a perseguir e mover o agente tendo em vista este mesmo bem. Nela há um ápice operativo das potências superiores da alma humana através da graça do Sumo Bem que é Deus em si mesmo: “e por isso, para confirmar a confiança da esperança, professamos sua virtude, que sustém e transcende os céus”[10], diz o Aquinate.

*Lucas Daniel Tomáz de Aquino é coordenador e professor da Pós-Graduação em Filosofia Tomista da Faculdade Vicentina (Brasil). Vinculado ao Studia Poinsotiana do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Membro da Sociedade Brasileira para o Estudo da Filosofia Medieval.
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[2] Cf. Lucas Daniel Tomáz de Aquino in Vatican News, No Triplo Jubileu de Tomás de Aquino, cientistas brasileiros reconstroem a fisionomia do santo: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2025-03/triplo-jubileu-tomas-de-aquino-cientistas-reconstrucao-facial.html#:~:text=1.-,Prof.,ano%20de%202025%2C%20seu%20nascimento.

[3] Compêndio de Teologia, l. II, De spes, cap. I, p. 642

[4] “Com efeito, a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino” in Franciscus, Spes non confundit, 3. Link:

https://www.vatican.va/content/francesco/pt/bulls/documents/20240509_spes-non-confundit_bolla-giubileo2025.html

[5] Summa Theologiae, II-IIae, q. 17, a. 1.

[6] Suma Teológica I, q. 83, a. 4.

[7]  Franciscus, Spes non confundit, 1.

[8] Summa Theologiae, II-IIae, q. 18, a. 1.

[9] Compêndio de Teologia, l. II, De spes, cap. I, p. 648.

[10] Op. cit.

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