A Esperança descrita por Francisco em sua autobiografia

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“A esperança é uma âncora: assim a pintavam os cristãos dos primeiros séculos, obrigados a se reunir nas catacumbas nas quais até hoje estão confinados tantos de nossos irmãos e irmãs oprimidos. Em Roma, é possível admirar algumas muito antigas e magníficas, como as de Domitila, São Calisto e São Sebastião”.

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

No especial Ano Jubilar desta semana, Pe. Gerson Schmidt* volta a nos propor uma reflexão sobre a esperança em Francisco. De fato, na sua autobiografia, a esperança é apresentada como uma força essencial que nasce da fé e da confiança em Deus, mesmo diante das dificuldades e incertezas da vida. Para ele, a esperança não é um simples otimismo ou uma ilusão, mas uma atitude concreta que impulsiona o ser humano a agir com amor, solidariedade e compaixão. O Papa destaca que ela se manifesta especialmente nos momentos de dor e crise, quando o olhar se volta para o porvir com coragem e perseverança. Assim, a esperança descrita por Francisco é ativa, transformadora e profundamente enraizada no amor divino, capaz de renovar o coração e inspirar a construção de um mundo mais justo e fraterno:

 

“O livro intitulado “Esperança” é a primeira autobiografia de um papa na história, um relato completo escrito pelo Papa Francisco. Nesse livro o Papa faz uma bela abordagem sobre a esperança. Já descrevemos uma parte do que o Papa escreve sobre essa virtude, após o relato da grande tragédia nas Cordilheiras dos Andes. Continuemos seu relato, textualmente, nas próprias palavras do Papa da Esperança:

“Charles Péguy, poeta francês do início do século XX, dedicou páginas magníficas à esperança. Em ‘Os portais’ do mistério da segunda virtude, ele relata que Deus não se surpreende com a fé dos seres humanos, que respondem à evidência de tudo o que resplandece na Criação. Tampouco se surpreende com sua caridade, que, segundo o autor, “é evidente”, pois, “para amar o próximo, basta deixar-se levar” e, para não o amar, “seria preciso usar de violência contra si mesmo, torturar-se, atormentar-se, contrariar-se, enrijecer-se, fazer mal a si próprio, desnaturar-se, pegar-se pelo avesso”. O que de fato enche Deus de feitiço e comoção é a esperança: “Que, vendo como vão as coisas hoje, acreditem que amanhã serão melhores”. A fé, escreve, “é uma esposa fiel” e a caridade “é uma mãe”; já a esperança “é apenas uma menina”, “caminha entre as duas irmãs mais velhas sem ser notada”. No entanto, é justamente essa menina “que atravessará os mundos”, “ela, sozinha, levando as outras”, “a pequena que ainda vai à escola e perambula, perdida entre as saias das irmãs”. É ela, a esperança, “a menina que arrasta tudo”; porque “a fé só vê o que é, e a esperança vê o que será”; e “a caridade só ama o que é, e a esperança ama o que será”.

A meus olhos, é a imagem de uma multidão de camponeses, artesãos, operários e migrantes em busca de um porvir melhor, de uma vida mais digna para si e para seus entes queridos. É o rosto marcado dos meus avós, dos meus pais, de tantos que lutaram com persistência, apesar das experiências dolorosas de dias difíceis, por seus filhos, com esperança.

Uma canção de um compositor da chamada “escola de Gênova”, cidade de onde zarpou o navio que levou meus parentes à Argentina, e cujo texto representa uma espécie de carta de um pai a seu filho, convidando-o a sonhar, a não se conformar nem se desiludir, a abrir o próprio olhar para horizontes

maiores, diz que “tão logo o mar sobe, os homens sem ideias são os primeiros a afundar”. Isso também vale para os homens sem esperança. A esperança cristã é aquela virtude humilde e forte que nos sustenta e nunca deixa que nos afoguemos nas inúmeras dificuldades da existência.

A esperança é uma âncora: assim a pintavam os cristãos dos primeiros séculos, obrigados a se reunir nas catacumbas nas quais até hoje estão confinados tantos de nossos irmãos e irmãs oprimidos. Em Roma, é possível admirar algumas muito antigas e magníficas, como as de Domitila, São Calisto e São Sebastião. Nas catacumbas de Priscila, que se estendem por quilômetros debaixo da terra e que, emocionado, visitei pela primeira vez como papa em 2019, 76 anos antes, em plena ocupação nazista, oito moças e um sacerdote dominicano se reuniram para jurar seu compromisso. Na noite mais melancólico da história do século XX, agarraram-se à âncora, e desse pacto de esperança surgiu e se desenvolveu o que atualmente é a Agesci, a Associação de Guias e Escoteiros Católicos Italianos, experiência viva para milhões de moças e rapazes, de ontem e de hoje. Todos nós sabemos, e na própria pele, que o caminho da vida é feito de alegrias e suor. Às vezes, avançamos com o vento em popa. Outras vezes, deparamos com a calmaria ou, pior ainda, a tempestade; somos então obrigados a nos amparar, a enfrentar limites e impedimentos. Em algumas, ainda, tropeçamos. A esperança não é, de modo algum, uma conversa mole nem um placebo para gente crédula, muito menos um modo de dizer que “tudo vai bem, sra. marquesa”:[16] ao contrário, é a força para resistir no presente com coragem e capacidade de olhar para o porvir.

Penso – diz o Papa Fancisco – nas frases de santa Teresa de Calcutá:
O dia mais bonito? Hoje.
O maior obstáculo? O medo.
A coisa mais fácil? Enganar-se.
O maior erro? Renunciar…

O erro é inevitável na experiência humana. Se vocês encontrarem alguém que sabe tudo e entendeu tudo, cumprimentem-no afetuosamente e saiam de perto. Não andem com ele. O caminho requer que estejamos abertos à descoberta, à reavaliação, à mudança, à evolução. E à perplexidade. Isso vale para todos, também para o papa. Se, por um lado, diante do processo de reforma, de moralização e de mudança, alguns reagiram com uma atitude de se fechar, por outro é bem verdade que ao longo do pontificado houve muito mais coisas que me surpreenderam no sentido oposto: deparei com uma grande generosidade e uma imensa sabedoria, mesmo nas diferenças de temperamento, o que permitiu solucionar questões que eu duvidava poder enfrentar de maneira positiva. Também preciso encarar meus erros. Um dos problemas que enfrento é a precipitação: com assiduidade, os tropeços que tive foram filhos de uma falta de paciência para esperar que alguns processos se desenvolvessem em seu ritmo, que os frutos amadurecessem, e sei que devo ficar atento a isso. O erro é uma experiência que aproxima e ensina. Se de fato ninguém pode considerar-se justo perante Deus (Rm 2,1-11), também ninguém pode viver sem a certeza de achar o perdão, porque “Deus é maior que o nosso coração” (1Jo 3,20). É preciso pedir perdão. É preciso perdoar. E é preciso continuar a esperar, pois, qualquer que tenha sido o passado, a história que se inicia em cada um no dia de hoje ainda está por ser escrita.

Por isso, após ter proclamado um Jubileu extraordinário em maio de 2015, com o intuito de manifestar e achar o rosto da misericórdia, anúncio central do Evangelho a todas as pessoas e em todas as épocas, nove anos depois chegou o momento de um novo Jubileu para oferecer a experiência que desperta no coração a esperança certa da salvação”. São as palavras textuais do Papa Francisco na sua autobiografia intitulada “Esperança”.”

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

Fonte

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