“A audiência com o Papa, a realidade da Igreja no país, as eleições presidenciais, o convite ao Papa para visitar a Bolívia, o problema da falta de vocações e o cuidado da criação” são alguns dos temas centrais da entrevista com com Aurelio Pesoa e dom Eugenio Coter, membros da Conferência Episcopal Boliviana.
Renato Martinez – Vatican News
O Papa Leão XIV recebeu em audiência no Palácio Apostólico no último sábado (20/09) uma delegação de seis bispos da Bolívia, liderada por dom Aurelio Pesoa Ribera, bispo do Vicariato Apostólico de Beni e presidente da Conferência Episcopal Boliviana (CEB). Em entrevista à mídia do Vaticano com o presidente da CEB e com dom Eugenio Coter, bispo do Vicariato Apostólico de Pando e administrador do Vicariato Apostólico de Reyes, foram abordados temas da realidade da Igreja na Bolívia, como: o encontro com Leão XIV, o convite feito pelos bispos bolivianos ao Papa para visitar o país, a próxima visita Ad Limina dos prelados bolivianos, a situação de tensão que a Bolívia está atravessando em meio a um processo de eleições presidenciais, a falta de vocações que afeta a nomeação de bispos e o trabalho da Igreja em vista da COP30 no Brasil.
Como foi o encontro com o Papa Leão XIV?
O Santo Padre, quando era geral dos Agostinianos, visitou a Bolívia, na verdade, três lugares: La Paz, Cochabamba e também parte de uma das províncias onde estão os padres agostinianos. Portanto, não era tão estranho falar sobre esses temas da presença dos agostinianos.
Foi uma visita que programamos a partir da Conferência Episcopal da Bolívia. Viemos seis bispos e estamos de passagem pela Alemanha por outros assuntos da instituição também e, então, acho que foi uma bênção poder vir visitar o Santo Padre. Encontramos um homem que tem muito trabalho, isso é evidente. Eu o conhecia um pouco antes, ele parecia mais jovem e acredito que o peso que ele carrega não é nada leve, mas foi um prazer para nós e, acreditamos, também para ele, poder nos achar e conversar sobre o que nos preocupa e o que queremos continuar fazendo como Igreja boliviana.
Dom Aurelio, em clima de eleições presidenciais que a Bolívia está vivendo, sabemos que ainda há alguns conflitos sociais e políticos que ainda não foram resolvidos e essa realidade apresenta alguns desafios para a Igreja no país. Qual é a realidade da Igreja local que vocês apresentaram ao Papa?
Bem, creio que falamos sobre o caminho da Igreja. Como muitos povos latino-americanos, a Bolívia não é exceção, é eminentemente católica e creio que isso sustentou o caminho em muitos momentos de conflito do povo boliviano. Não vamos dizer que todos os bolivianos são católicos, mas sim uma boa porcentagem, e isso fez com que houvesse o desejo de voltar para Deus, o desejo de ter Deus e o desejo de contar com Deus.
Acredito que isso nos permitiu, como pastores, continuar animando e acompanhando o povo de Deus, apesar das dificuldades que temos enfrentado. Por exemplo, em 2019, após a pandemia e, mais recentemente, com a questão das eleições, que, como todos sabem, terão um segundo turno, como chamamos, no dia 19 de outubro. Há dois candidatos, temos a esperança de que a Bolívia saia de todas as dificuldades que teve de enfrentar e acredito que, com o esforço de todos os bolivianos, de todos os homens e mulheres de boa vontade e, claro, com a graça de Deus, tudo isso será possível.
Os bispos bolivianos estão preparando a visita Ad Limina. Vocês discutiram esse assunto com o Papa? Já têm uma data definida?
Sim, a visita Ad Limina será no próximo ano, na segunda quinzena de novembro. O que nos preocupa é o tema, creio que em todo o mundo, das vocações e, com isso, pode parecer estranho aos ouvintes que se fale ou que falemos da falta de bispos, por exemplo, nomear bispos, que, não havendo vocações, também diminui o tema de escolher novos pastores que tomem o lugar daqueles que já estamos caminhando e que se aproxima o tempo da renúncia. Se é que se pode falar assim.
Sim, evidentemente conversamos com o Papa e ele gostou muito do que lhe dissemos. Também o convidamos para ir à Bolívia. Esperamos que isso se concretize; no próximo ano teremos um novo governo. Também temos que conversar com o novo governo e expor-lhe o que conversamos com o Papa. Ele aceitou muito bem e acho que isso é uma esperança para nós.
A propósito, não era uma sugestão, mas, conforme comentamos, ele pode ir ao Peru e, como a Bolívia não fica muito distante, então, seria bom.
Dom Eugenio, quais são as iniciativas que estão desenvolvendo neste momento para a criação? Quais desafios estão buscando responder?
É o mês da criação e é relevante que estejamos celebrando, porque os desafios relacionados às mudanças climáticas percebemos todos os dias, como nos afetam e como tudo está interligado. Então, a semana da criação na Bolívia será a última semana do mês, mas, na verdade, todo o mês está sendo caracterizado como o mês da criação. Esse será um momento relevante. Já há várias palestras, conferências presenciais e virtuais sendo realizadas sobre esses temas, e especialistas têm se manifestado sobre a Amazônia e, em particular, sobre a Amazônia boliviana, afirmando que estamos muito próximos do ponto de ruptura da capacidade de recuperação da floresta devido à destruição causada pelos incêndios.
Lembramos disso com dom Aurelio, que é bispo e mora em Trinidad, em Beni, que há 10, 15 anos atrás nunca acontecia uma semana sem um pouco de chuva. Agora chegamos a três meses de seca em um território que vive da umidade, e isso mostra como tudo está mudando. E tudo o que ajuda a tomar consciência desses grandes desafios é bem-vindo, porque se não assumirmos isso, pagaremos o preço.
No dia 10 de novembro terá início a COP30 no Brasil. Quanto pode influenciar o trabalho que a Igreja está fazendo para conscientizar, mas não apenas conscientizar, como também adotar ações concretas para contribuir para essa mudança?
Haverá uma participação significativa da Igreja na COP30. As instituições locais de Belém, onde será realizado o encontro, já estão trabalhando. Roma também tem acompanhado atentamente a nomeação do bispo e o processo que está sendo realizado em nível de Igreja. A Repam estará presente com uma delegação, a Ceama estará presente com uma delegação, a delegação dos bispos do Brasil estará presente, vários movimentos eclesiais acompanharão esse evento.
Qual é a força deles? É a voz da sociedade civil que se manifesta e é um espaço onde essa voz pode ser ouvida, caso contrário, seria apenas a voz dos políticos, e sabemos que eles têm preocupações com a economia, mas é uma economia que se destrói, no final, porque destrói o ambiente onde vivem, e isso é o que a torna insustentável. Portanto, a Igreja terá a sua participação.
A eficácia disso depende de quanto os políticos estão dispostos a ouvir, assumir e compreender. Aqui, na Igreja, temos verdadeiros especialistas em todos os temas amazônicos e temos a Igreja que vive na Amazônia, que lida diariamente com esses temas. Quanto o mundo político internacional e local está disposto a estar atento e a ouvir? Isso vamos descobrir.
Os pré-fóruns que ocorreram marcaram um passo significativo. Um deles, realizado no Vicariato de Reyes desde que assumi o cargo de administrador foi um pequeno sinal de esperança: uma pequena empresa que extrai ouro do rio, o ouro fluvial, comprometeu-se no pré-fórum a renunciar ao uso de mercúrio para separar o ouro da terra. Existem sistemas de água um pouco menos eficientes, que exigem um pouco mais de trabalho, mas são mais respeitosos com o meio ambiente. Ao final do pré-fórum, esse compromisso foi assumido publicamente, é um pequeno sinal. Mas isso indica que a força de ajudar a conscientizar, algo começa a mudar e esse é o nosso desafio.
Quanto a mudança de governo pode ajudar a resolver as questões sociais e políticas que afetam o país? O senhor acredita que o novo governo pode resolver a situação das desigualdades sociais, dos conflitos trabalhistas, dos migrantes, por exemplo?
Acredito que serão as pessoas que pedirão essa mudança. Sim, por exemplo, na zona das minas de Caranavi, as pessoas constataram como a poluição matou toda a vegetação. Dirigiram-se à Repam e à Caritas Nacional pedindo ajuda para repor a vegetação e restabelecer uma atividade econômica alternativa no local para recuperar os danos causados. É a partir da base, das pessoas concretas, que percebemos que essa consciência é assumida.
As palestras que estão sendo ministradas e os dados que estão sendo publicados pelo próprio mês da criação ajudam as pessoas a tomarem consciência e a exigirem das autoridades uma mudança de rumo. Mas, somente em nossos rios, no de Madre de Dios, como no rio Beni, temos mais de 300 licenças de mineração que utilizam mercúrio e não sei até que ponto os governos que teremos estão dispostos a abrir mão dessas receitas e aqueles que estão utilizando mercúrio, a utilizar uma técnica mais respeitosa com o meio ambiente.
É claro que as pessoas que trabalham nas jangadas são as primeiras que continuarão assim; vão acabar morrendo de câncer e leucemia. Esperamos que sejam elas que lutem com os donos das jangadas para pedir que cuidem da sua saúde, porque será também o cuidado da nossa saúde.
Neste ano de esperança, neste Ano Santo, qual seria a mensagem para quem segue a mídia do Vaticano e para o povo da Bolívia?
Vi o Papa Leão um pouco, entre aspas, “menos em dificuldade no seu papel de Papa”, como ele indicava que tinha que aprender. Agora parece um pouco mais sereno, mais seguro na tarefa e muito atento, muito ouvinte de verdade, e isso nos agradou sentir e achar essa capacidade de ouvir. O que dizemos às pessoas é que, diante do rumor de mísseis hipersônicos que matam pessoas, há pequenos sinais de esperança que não são trovões, são brisas, que ampliem isso e saibam que esses sinais existem. Então, trabalhem a partir disso sem medo dos foguetes.