Card. Pizzaballa: As igrejas permanecem abertas na Terra Santa, é o momento de rezar

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O Patriarca Latino de Jerusalém, Cardeal Pierbattista Pizzaballa, concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal “O São Paulo”, da arquidiocese paulistana, com a participação do Card. Odilo Pedro Scherer.

Fernando Geronazzo

Há mais de 30 anos vivendo no Oriente Médio, primeiro como missionário franciscano, depois como Custódio da Terra Santa, o Cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém desde 2020, está empenhado na solução do conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas, que já deixou milhares de mortos entre, israelenses e palestinos.

O Purpurado conversou com exclusividade com a reportagem do O SÃO PAULO, por videochamada, na quarta-feira, 18. Também participaram da conversa o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, e o Padre Michelino Roberto, Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação e diretor do semanário arquidiocesano.

Na conversa, o Cardeal Pizzaballa relatou a tensão vivida na região desde os ataques do Hamas ao território israelense ocorridos no último dia 7 e a contraofensiva de Israel na Faixa de Gaza. O Patriarca lembrou que há cerca de mil cristãos em Gaza, sob condições precárias, sem ter para onde ir.

O Franciscano também afirmou que este conflito provocou uma profunda divisão entre israelenses e palestinos. Sublinhou, ainda, que o Hamas não representa o povo palestino, o que prejudica os caminhos possíveis para a solução da histórica tensão entre israelenses e palestinos.

Por fim, o pastor dos católicos na Terra Santa enfatizou que, para alcançar a verdadeira paz na região, será necessário que ambos os lados reconheçam os erros cometidos no passado e tenham a coragem de escolher prioridades e renunciar àquilo que for necessário em vista de um bem maior. Confira a entrevista.

O SÃO PAULO Como o Patriarcado de Jerusalém está vivendo estes dias de conflito?

Cardeal Pierbattista Pizzaballa ­– O ataque ao sul de Israel foi para nós uma grande surpresa. Estávamos em um período muito bonito também como Igreja. Começávamos iniciativas muito belas. De repente, nos últimos dias, toda a perspectiva mudou, penso que de forma irreversível, porque nada voltará a ser como era antes. É algo muito profundo. Vivemos muito mal porque temos cristãos que são em grande parte árabes palestinos em Gaza. Em Israel, também temos os cristãos católicos que são de origem judaica. Por isso, podem imaginar as tensões que existem dentro da comunidade, para tentar manter-se unidos e trabalhar juntos pela paz. Está muito difícil.

Temos mil cristãos em Gaza. Todos, agora, estão reunidos em duas igrejas, porque lá há apenas duas: a Igreja Católica [de rito latino] e a Igreja Ortodoxa. São pouco mais 500 de nós, cerca de 400 da Igreja Ortodoxa e uma centena deles está em um instituto evangélico em situações muito precárias. Estão na parte norte de Gaza, que recebeu ordem de evacuação. Também há as irmãs de Madre Teresa [de Calcutá] com 60 pessoas com deficiência muito grave.

Conversando com eles [os cristãos em Gaza], eu os deixei livres para decidirem o que desejam fazer. Todos disseram, de maneira unanime, tanto os ortodoxos quanto os católicos: “Nós ficamos aqui”. Eles não saem de lá porque não sabem para onde ir. Vão evacuar para onde? Sem água, sem luz, sem comida, sem nada. Ir para o meio do deserto? Enfim, são situações muito difíceis para achar, mesmo por meio de organizações humanitárias, uma forma de ajudar a nossa comunidade a ter pelo menos água, alguma comida e o diesel necessário para o gerador, porque não há energia. É, portanto, uma situação muito grave.

O que é muito doloroso é que há uma divisão total. Sempre houve uma certa distância entre israelenses e palestinos. Agora, é uma divisão total. Cada um vê apenas a sua própria dor, não, a do outro. Se você diz algo sobre Israel, sobre qualquer coisa, os palestinos se sentem traídos e vice-versa. E isto é algo que irrompeu de uma forma muito profunda e que, na minha opinião, será a coisa mais difícil de reconstruir depois deste conflito.

O senhor pode explicar como ordinariamente conviviam israelenses e palestinos nesta região? Porque, quando falamos de palestinos, não nos referimos apenas a muçulmanos e, igualmente, os cidadãos israelenses não são apenas judeus…

Em Israel, existem 7,5 milhões de judeus, um milhão e meio de árabes muçulmanos e 130 mil árabes cristãos. Além desses, há aproximadamente 100 mil trabalhadores estrangeiros, filipinos, indianos e chineses, que são católicos. Na Palestina, temos cerca de 5 milhões de palestinos muçulmanos e, em toda a Palestina, entre a Cisjordânia de Gaza, são cerca de 50 mil cristãos de todas as denominações. As duas principais confissões são a Ortodoxa Grega e a Católica. Os demais são pequenos grupos distribuídos por todo o território.

Há áreas onde só existem judeus e outras em que só existem palestinos. Também há áreas onde eles estão misturados. Portanto, onde só existem palestinos, a situação é mais tranquila, apesar do problema político do porvir da Palestina etc. Mas há, por exemplo, as cidades de Haifa, Jerusalém e Nazaré, onde existe a parte judaica israelense e a parte árabe. Geralmente, as coexistências são tranquilas, muitos árabes vão trabalhar para judeus e muitos judeus vão aos árabes fazer compras porque as coisas básicas são mais baratas. O mesmo acontece com os hospitais, pois não há hospitais distintos para árabes e judeus. Por isso, há geralmente ocasiões de encontro nestas cidades mistas.

Também Jerusalém se mistura um pouco mais em alguns lugares, menos em outros, porque, enfim, Jerusalém faz parte um pouco do conflito. Tudo isso, contudo, ocorria na vida normal, ordinária. Agora, tudo está paralisado.

Isto significa que o grupo extremista que entrou em conflito com Israel não representa todo o povo palestino ou árabe, certo?

Você está se referindo ao Hamas. O Hamas não é o povo palestino. Que fique claro que isto está fora de discussão. O Hamas não se destrói com bombas, pois é uma ideia, uma ideologia. A ideologia não pode ser destruída com bombas. Na verdade, as bombas o fortalecem porque provocam uma reação. É claro que não existe muita amizade entre os israelitas e os palestinos, porque a questão sobre o porvir dos palestinos como nação continua suspensa, a solução para o conflito israelense não está resolvida. Portanto, a tensão existe sempre. Porém, é uma tensão que se vivia com seus altos e baixos. Agora, com este grupo islâmico, a situação explodiu de uma nova forma.

Como esse conflito poderia ser resolvido concretamente? Existe um caminho?

Olha, se eu tivesse a solução em mãos já teria o prêmio Nobel, eu acho. De qualquer forma, os problemas são conhecidos. São as fronteiras – assentamentos e assim por diante –, os refugiados e Jerusalém. Estes são os três problemas. É claro que a paz “limpa” não existe, no sentido de que a paz não deve ser confundida com a vitória, de que um ganha e o outro perde. A paz exige coragem, porque ambos devem deixar algo para trás. Não será possível que todos fiquem com tudo o que desejam. Isso não existe. Então, é preciso que encontrem um modo, a coragem de escolher prioridades e decidir sobre o que deixar de lado, o que renunciar por um bem maior que é a paz, a estabilidade, o porvir a ser vislumbrado. A paz é sempre um pouco “suja”, no sentido de que é preciso sujar as mãos, ter coragem também de dizer não, às vezes, até sendo impopular. Por isso, a paz pede coragem.

Se quiserem, os israelitas e os palestinos podem alcançar a paz em breve porque sabem bem quais são os problemas, o que podem renunciar e o que não podem. É claro que nem todos os refugiados poderão regressar, porém as fronteiras deverão ser definidas. Certamente, deverá haver plena autonomia para os palestinos como nação. Enfim, se desejam, eles também precisam de um contexto internacional que os estimule a encontrarem-se. Talvez depois desta crise que nos afetou gravemente, ainda é cedo, mas, mais tarde, quando tudo isso passar, a sangue-frio, poderão compreender os erros cometidos no passado e por onde podem começar de novo.

Como a Igreja, por meio do Patriarcado e da Custódia da Terra Santa, atua para minimizar as tensões entre esses povos?

Em primeiro lugar, é preciso trabalhar em diversas áreas. Como Igreja, devemos antes de tudo trabalhar com a nossa comunidade, para que nossa comunidade, e isso não é tão óbvio, não entre nessas narrativas de um contra o outro. Com Cristo, somos por todos, queremos amar a todos com respeito. Naturalmente, apelando à justiça, não podemos nos calar diante da violação dos direitos humanos e assim por diante. Porém, sem cultivar o que vemos neste momento, ressentimento e ódio, no nosso coração e até naquilo que dissemos nos nossos discursos e homilias. Isto é muito relevante.

Outra coisa é que, agora, tudo está um pouco paralisado porque estamos no centro da crise. Depois, precisamos trabalhar muito para o que chamamos de colóquio inter-religioso, mas o que é feito na Terra Santa, não aquele de conferências ou congressos, que são úteis enquanto forem necessários… Mas aquele da população, porque nós que moramos juntos somos como um grande condomínio. Precisamos criar ocasiões de encontros entre cristãos, judeus e muçulmanos, não ao nível alto, mas no âmbito do território, nas paróquias, nas comunidades, nas escolas, levando as crianças para conhecer uma sinagoga, para ver uma mesquita, visitar uma igreja. Coisas desse tipo são muito importantes porque fazem compreender, antes de tudo, que o outro existe e não é um monstro, reconhecendo que estas diferentes tradições fazem parte da vida deste país.

O senhor se ofereceu para trocar de lugar com as crianças reféns do Hamas. Houve alguma resposta? Qual foi o impacto deste gesto generoso para salvar a vida dessas crianças?

Isso que repercutiu em todo o mundo nasceu de uma questão feita por um jornalista, que me perguntou se estou disposto a fazer essa troca. Eu disse que aceito absolutamente. Claro que sim! Eu também faria o mesmo pelos palestinos, pois não existem distinções. A resposta foi muito forte por parte dos israelenses e da parte desse movimento islâmico. Digamos que estamos conversando.

E como está o clima em Jerusalém e nos outros lugares santos com a impossibilidade de haver peregrinações?

Todos fugiram. Neste momento, as fronteiras estão praticamente fechadas, porque não há voos. O aeroporto está quase vazio. Só restava um grupo [de peregrinos], me parece que vai embora hoje [quarta-feira]. Então, tudo está vazio. Porém, os lugares santos estão todos abertos e as igrejas permanecem sempre abertas porque é o momento em que mais precisamos rezar.

Que mensagem o senhor deixa aos católicos que acompanham esta situação com angústia e orações? 

Em primeiro lugar, agradeço à Igreja do Brasil pela proximidade. Aqui há muitas peregrinações do Brasil, como aquela conduzida por sua eminência [Dom Odilo]. Continuem a orar e também a fazer com que chegue aos seus governantes que talvez tenham uma palavra a dizer sobre esta questão em contextos internacionais, que falem da necessidade de todos trabalharem para que isso se resolva de uma vez por todas.

 

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