Ao refletir sobre a difícil situação que a humanidade atravessa por causa da epidemia do coronavírus, o cardeal Angelo Comastri recorda que somos frágeis e vulneráveis, e a nossa única força é Jesus. O amor recíproco coloca-nos em comunhão com Deus e nos faz feliz.
Eugenio Bonanata, Jane Nogara – Cidade do Vaticano
Nas tempestades da vida, nos momentos de desorientação, o homem não pode contar apenas com as próprias forças. É preciso ter fé e recordar que Deus pode nos “salvar de todas as tempestades”. As palavras do cardeal Angelo Comastri, arcipreste da Basílica de São Pedro, estão ligadas com a atual realidade que apresenta um mundo chocado por uma epidemia que está causando milhares de vítimas.
Em relação à situação da Igreja este momento, me vem em mente um episódio narrado por Mateus, Marcos e Lucas sobre a tempestade no Mar da Galileia. Os evangelistas contam que um dia atravessavam o Mar da Galileia de barco e Jesus senta-se na parte posterior do barco. Em particular o diz São Marcos que repete as catequeses de São Pedro. Jesus estava na parte de trás e se adormenta propositadamente. Enquanto Jesus repousa, veio uma ventania tão forte que as ondas se jogavam dentro do barco; e este se enchia de água. Os apóstolos ficaram com medo. Acordaram Jesus dizendo: “Senhor, salvai-nos estamos afundando”. Jesus acordou, levantou-se e repreendeu o vento e o mar. O vento parou, e fez-se a calmaria. “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Temos que recordar sempre que Deus está acima das tempestades, que Deus pode nos tirar de todas as tempestades, desde que tenhamos fé e abramos nosso coração a Ele. Padre Divo Barsotti, um grande sacerdote, disse um dia que o verdadeiro perigo para a Igreja, o verdadeiro risco para a Igreja, é a superficialidade da fé ou a falta de fé. Não foi por acaso que Jesus disse: quando o filho do homem retornar, encontrará ainda fé sobre a terra? É uma boa advertência, é um convite para crescer na fé.
Dias atrás o senhor deu início à oração diária do Angelus e do Terço na Basílica de São Pedro. Qual é o valor deste encontro?
Quando o mar está revoltoso devemos nos dirigir ao Senhor. O único que pode nos ajudar é Jesus. Esta oração nasce precisamente desta constatação. Nas dificuldades não podemos resolver as questões com a nossa força humana, devemos nos agarrar ao Senhor, a única rocha. Por isso quis fazer esta oração e ação de graças a Deus. Todos aqueles que podiam, responderam. Mas pensem que meu telefone ficou congestionado de tanta gente que dizia “obrigado, suas orações entraram nas nossas casas, nos fizeram sentir parte de uma grande família que reza na Basílica de São Pedro”. E faço questão de deixar claro que a Basílica de São Pedro ficou sempre aberta nestes dias, nunca fechou, das 7 da manhã às 18 horas da tarde. Obviamente as pessoas têm dificuldade para virem aqui. Mas os poucos que vêm, rezam e esta iniciativa alarga os espaços e cria uma grande família orante.
As orações prosseguirão na próxima semana?
As orações continuarão até dia 3 de abril. Depois teremos outras disposições, saberemos o que decidirão sobre o que fazer na Semana Santa, mas isto é o Santo Padre que decidirá. Também nos domingos 15, 22 e 29 de março serão transmitidas as Missas a partir das 10h30 (horário italiano), de modo que da Basílica de São Pedro parta uma grande, forte oração e a Colunata de Bernini se alargue e abrace todos em uma maravilhosa oração que parte do coração da catolicidade.
Para concluir, o que toda esta situação desta emergência nos ensina?
Refleti muito sobre tudo isso. Parece-me ter que dizer que esta epidemia imprevista, inesperada, rapidíssima nos faça refletir. E a primeira reflexão é esta: em pouco tempo a Itália, a Europa e o mundo parecem de joelhos. Somos todos convidados a tomar um grande banho de humildade, não somos os donos do mundo, somos pequenos, somos frágeis, por isso devemos nos dar as mãos, mas principalmente nos agarrarmos ao Senhor. Madre Teresa dizia: Deus é a viga que mantém em pé o teto. Se tirarmos a viga, o teto cai. Devemos nos agarrar ao Senhor, este é o primeiro grande convite. Segundo grande ensinamento: ontem eu ouvia em um programa radiofônico um jovem que dizia: “Se me tirarem a partida de futebol, se me tirarem a discoteca, o que me resta? Qual é o objetivo da minha vida?” Eis a grande reflexão: devemos reencontrar o essencial. O essencial não é o divertimento, não é o dinheiro, não é o sucesso. Em 1970 – para contar um particular que pode nos fazer refletir – Mario Soldati, um bom jornalista, foi à Suécia para escrever sobre o paraíso verde e ficou vários meses morando lá. A conclusão foi um livro, que ainda pode ser encontrado, com este título: “Os desesperados do bem-estar”. No livro, Soldati diz: é uma sociedade organizada de maneira maravilhosa. Porém falta alguma coisa: há uma elevada taxa de suicídios, falta alguma coisa… mas não teve a coragem de dizer que faltava Deus. E Deus veio ao nosso encontro em Jesus. Não estamos sós, na tempestade, no barco está Jesus, desde que o despertemos. E Jesus nos deu a fórmula da felicidade. Madre Teresa também dizia: nos países onde reina o bem-estar os indicadores da felicidade estão todos errados. Qual é a fórmula da felicidade? É o mandamento do amor: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O mandamento do amor coloca-nos em comunhão com Deus, faz-nos uma transfusão da vida de Deus e quando estamos em comunhão com Deus estamos felizes. Imagine que uma vez eu disse a Madre Teresa – era o dia 22 de maio de 1997, a Madre faleceu em 5 de setembro do mesmo ano, foi a última vez que a vi – estava sobrecarregada, cansada: “Madre, tire alguns dias de férias”. Madre Teresa olhou-me com um olhar severo e me disse: “Caro bispo Angelo, não tenho necessidade de férias porque todos os meus dias são férias. Fazer o bem é uma festa. Recorde-se, é a única festa”. E concluiu: “um dia ou outro poderás ouvir dizer que Madre Teresa morreu de ataque cardíaco. Sim, eu poderia ter um ataque do coração, mas de tanta felicidade”. Jesus já havia dito isso. Esta epidemia também nos confirma o ensinamento de Jesus.