Cardeal Grech: somos chamados a rezar pelo precioso dom da paz

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O Secretário Geral do Sínodo saúda os participantes e destaca a importância do discernimento e da sinodalidade. Dom Grech chama a atenção para o papel da escuta mútua na busca pela verdade e pela paz, além de refletir sobre a contribuição do Espírito Santo para a unidade da Igreja. Disponibilizamos o texto na íntegra.

Cardeal Mário Grech – Secretário Geral do Sínodo

Bem-vindos mais uma vez! Nossas saudações a todos, irmãs e irmãos em Cristo.

Convocados para a segunda sessão da Assembleia, invocamos o Espírito para que nos ilumine e torne os nossos ouvidos atentos à sua Voz. O Espírito que, das profundezas da criação violada e das criaturas que sofrem tirania após tirania, geme e sofre como em dores de parto, iniciará uma nova estação.

Enquanto celebramos esta Assembleia, travam-se guerras em muitas partes do mundo! Estamos à beira de um alargamento do conflito. Quantas gerações terão de passar, antes que os povos em guerra possam mais uma vez “sentar-se juntos” e conversar entre si, para construir juntos um porvir pacífico?

Unimo-nos às irmãs e irmãos presentes na sala, que vêm de zonas de guerra ou de nações que veem violadas as liberdades fundamentais dos seus povos. Através das suas vozes podemos ouvir os gritos e clamores daqueles que sofrem sob as bombas, especialmente as crianças, que respiram este clima de ódio. Como crentes, somos chamados a desejar e a rezar pelo precioso dom da paz para todas as povos.

Devemos sempre combinar o testemunho crível com a oração contínua. Esta Assembleia é em si um testemunho crível! O fato de homens e mulheres se terem reunido de todas as partes da terra para ouvir o Espírito, ouvindo-se uns aos outros, é um sinal de contradição para o mundo. Vem-me à mente o último trecho do discurso do Santo Padre por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos: “Uma Igreja sinodal é como uma bandeira hasteada entre as nações (cf. Is 11,12) num mundo que – ao mesmo tempo que chama à participação, solidariedade e transparência na administração dos assuntos públicos – muitas vezes entrega o destino de populações inteiras nas mãos gananciosas de pequenos grupos de poder”.

O Sínodo é essencialmente uma escola de discernimento: é a Igreja reunida com Pedro para discernir juntos. Uma Igreja sinodal é uma proposta para a sociedade de hoje: o discernimento é fruto de um exercício maduro da sinodalidade como estilo e método. O discernimento eclesial pode ser um desafio e um exemplo para qualquer tipo de assembleia, que deve achar na escuta mútua dos seus membros a regra de ouro para a busca da verdade e do bem comum. Sem esquecer que o discernimento é uma “ponte” através da qual crentes e não crentes podem ouvir-se e compreender-se através de uma gramática comum. Não sou eu quem digo isso, mas um autor secular, Umberto Eco. O horizonte desta nossa Assembleia é a Igreja, mas o desejo é que o resultado do nosso trabalho nas relações, nos processos, nos lugares possa ajudar todos os homens e contribuir para a construção de um mundo mais justo.

Muitos pensam que o propósito do Sínodo é uma mudança estrutural na Igreja e uma reforma. Esta é uma ansiedade, um desejo que permeia toda a Igreja. Todos nós queremos isso, mas nem todos temos a mesma ideia de reforma e suas prioridades. Já em 1950, Yves Congar falava de “verdadeira ou falsa reforma na Igreja”. Para que seja verdade, as nossas prioridades também devem ser verdadeiras, ou seja, devem estar sujeitas ao “Espírito da verdade, que guia a Igreja para toda a verdade” (Jo 16,13). Se o Espírito Santo não tivesse o primado nas nossas obras, a finalidade do Sínodo seria administrativa, jurídica ou política, e não eclesial!

É o Espírito quem leva a Igreja a conhecer a verdade. O Concílio recordou-nos que “Deus, que falou no passado, fala sem interrupção com a Esposa do seu Filho amado, e o Espírito Santo, através do qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, introduz crentes a toda a verdade e faz habitar abundantemente neles a palavra de Cristo” (DV 8c). Para explicar como isso pode acontecer, a constituição Dei Verbum lembra que “a compreensão tanto das coisas como das palavras transmitidas cresce tanto com a contemplação como com o estudo dos que creem, que nelas meditam no coração (cf. Lc 2, 19. 51), tanto pela profunda inteligência das coisas espirituais que vivem, como pela pregação daqueles que, com a sucessão episcopal, receberam um carisma seguro de verdade” (DV 8b).

São estes os sujeitos que tornam possível o dinamismo da Tradição, que “progride na Igreja sub assistentia Spiritus Sancti” (DV 8b). Estes sujeitos não são outros senão a própria Igreja, o Povo de Deus reunido pelos seus Pastores, que “perseveram continuamente no ensinamento dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações (Act 2,47), para que retenham, praticar e professar a fé transmitida, estabelece-se um acordo singular entre Pastores e fiéis” (DV 10). Para a Igreja antiga, o consenso das Igrejas era um critério certo da verdade de Cristo: aquilo que a Igreja acredita é verdadeiro, porque todos os batizados não podem enganar-se naquilo em que creem, em virtude do dom do Espírito.

Desde o início deste processo sinodal reiteramos que ele baseia o discernimento eclesial nesta verdade, na escuta mútua para ouvir o que o Espírito diz à Igreja. É uma escuta que acompanhou todas as etapas do processo: a consulta do Povo Santo de Deus nas Igrejas locais, o discernimento dos Pastores nas Conferências Episcopais, o ulterior discernimento nas Assembleias continentais, a dupla sessão da Assembleia em torno do Santo Padre, princípio e fundamento da unidade de toda a Igreja. Assim elencadas, as etapas parecem configurar um processo linear, onde o Povo de Deus aparece apenas no início para dar a ilusão de participar num processo de decisão que, no entanto, permanece concentrado nas mãos de poucos. Se assim fosse, estariam certos, aqueles que sustentam que o processo sinodal, uma vez passado para a fase de discernimento dos bispos, extinguiu todas as instâncias proféticas do Povo de Deus!

Mas o “consenso universal”, fruto do discernimento, surge da escuta de todos. Vale a pena reiterar o que disse o Santo Padre por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo: “uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta”, na qual todos – o Povo Santo de Deus, o Colégio dos Bispos, o Bispo de Roma – somos chamados a escutar-nos uns aos outros, a escutar o que o Espírito diz às Igrejas. Para garantir que esta escuta seja para todos e envolva sempre todos – isto é, a Igreja – implementamos o princípio da restituição. Sempre, a cada passagem que se colocou num texto o discernimento eclesial permanente, devolvemos às Igrejas o fruto da escuta.

Isto não é um ato de cortesia. É, pelo contrário, um ato necessário, uma aplicação do princípio da circularidade que deve regular a vida da Igreja. Enviar cada documento ao Bispo, “princípio e fundamento da unidade da sua Igreja”, significa voltar ao sujeito de onde partiu todo o processo sinodal – o Povo de Deus – fruto do discernimento, para que a resposta das Igrejas possa dar novo impulso ao discernimento eclesial. O sentido último desta restituição é eclesial: se a Igreja é “o corpo das Igrejas”, “no qual e a partir do qual existe a única Igreja Católica” (LG 23), o Sínodo é um processo que envolve toda a Igreja e todos na Igreja, cada um segundo a sua função, o seu carisma e o seu ministério.

Compete a Secretaria Geral do Sínodo “proporcionar uma colaboração eficaz com o Romano Pontífice, segundo os métodos por ele estabelecidos ou a estabelecer, nos assuntos da maior importância, para o bem de toda a Igreja” (PE 33). Através da circularidade contínua será possível desenvolver um estilo e uma forma sinodal de Igreja, na qual se aplique o princípio da troca de dons: faça com que aconteça rapidamente que cada Igreja “ofereça os seus próprios dons às outras Igrejas e a toda a Igreja”. Igreja, para que a Ecclesia tota e cada Igreja se beneficiem da comunicação recíproca de todos e do esforço conjunto pela salvação” (LG 13).

Compromete cada Bispo com a sua Igreja. Uma Igreja sinodal depende em grande parte de um bispo sinodal. A sua primeira e fundamental tarefa é ser mestre e garante do discernimento eclesial. Esta tarefa aplica-se antes de tudo à sua Igreja, onde exerce o seu ministério de pastor e guia. Mas não é menos válido quando o exerce em conjunto com os demais bispos nos órgãos que manifestam os agrupamentos de Igrejas. Assim, o bispo que iniciou a consulta na sua Igreja e ativou os órgãos de participação como sujeitos de discernimento eclesial, continua este discernimento na Conferência Episcopal e nas Assembleias continentais, que o processo sinodal nos deu como um significativo “lugar” de escuta às Igrejas de um continente. Devemos continuar a refletir sobre este aspecto a nível teológico, canônico e pastoral.

O ministério petrino se beneficia muito deste processo ordenado, que emerge cada vez mais como serviço à unidade da Igreja e na Igreja: da communio Ecclesiarum, Fidelium, Episcoporum ele é “o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade”, que chamou toda a Igreja na ação sinodal e em favor da Igreja, recolhe e devolve os frutos do discernimento, devido ao seu ministério de preocupação para todas as Igrejas. Isto se aplica a esta XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que tem como tema a sinodalidade. Mas pode tornar-se estilo e modo de proceder numa Igreja sinodal, que redescobriu, com o Espírito falando à Igreja, também a força do discernimento eclesial como fruto da escuta do Espírito através da escuta mútua de todos na Igreja. O ministério petrino é o eixo da sinodalidade católica e o processo sinodal tem como objetivo ajudar Pedro no seu discernimento para toda a Igreja.

Um trabalho intenso nos espera. Esta fase será seguida pela recepção e implementação do que se desenvolveu no processo sinodal 2021-2024. As Igrejas acolherão ainda mais o resultado, porque não será fruto dos nossos esforços, mas fruto de uma escuta dócil do Espírito. Como escreve São Tomás: “Actus credentis non terminatur ad enuntiabile, sed ad rem” (S. Th., II/II, q. 1, art. 2, ad 2). Máxima que podemos traduzir numa dimensão eclesial: o ato de uma Igreja que crê – esta Assembleia – não se esgota numa afirmação teórica, num Documento final, mas na vida concreta da Igreja, uma Igreja que vive do Evangelho, que faz caminhar juntos na força do Espírito para o cumprimento do Reino.

Bom trabalho!

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