O novendial é o período de luto de nove dias que se segue à morte do Papa. Durante este período, a partir do funeral solene, cuja data é decidida pela Congregação dos Cardeais (conforme consta na constituição Universi Dominici Gregis, n° 13 e 27), celebrações especiais são realizadas na Basílica de São Pedro. Essas celebrações são confiadas a um grupo diferente a cada dia, segundo sua ligação com o Papa. Neste domingo, foi celebrada a última Missa dos Novendiais.
Vatican News
A Missa no Nono Novendial em sufrágio do Papa Francisco na Basílica de São Pedro, foi presidida pelo cardeal protodiácono Dominique Mamberti e concelebrada pelos cardeais presentes. Eis a sua homilia:
“Venerados Padres Cardeais,
caros irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
caros irmãos e irmãs,
A Liturgia da Palavra deste último novendial em sufrágio do Papa Francisco é a do dia, o terceiro Domingo de Páscoa, e a página do Evangelho de João recém-proclamada nos apresenta o encontro de Jesus ressuscitado com alguns Apóstolos e discípulos no Mar de Tiberíades, que se conclui com a Missão confiada a Pedro pelo Senhor e o mandamento de Jesus: “Segue-me!”.
O episódio recorda o da primeira pesca milagrosa, narrado por Lucas, quando Jesus chamou Simão, Tiago e João, anunciando a Simão que ele se tornaria pescador de homens. A partir daquele momento, Pedro o seguiu, às vezes na incompreensão e até na traição, mas no encontro de hoje, o último antes do retorno de Cristo ao Pai, Pedro recebe dele a tarefa de apascentar o seu rebanho.
O amor é a palavra-chave desta página do Evangelho. O primeiro a reconhecer Jesus é “o discípulo a quem Jesus amava”, João, que exclama “É o Senhor!”, e Pedro imediatamente se lança ao mar para alcançar o Mestre. Depois de terem partilhado a comida, o que terá acendido nos corações dos Apóstolos a recordação da Última Ceia, inicia o colóquio entre Jesus e Pedro, a tríplice pergunta do Senhor e a tríplice resposta de Pedro.
Nas duas primeiras vezes, Jesus usa o verbo amar, palavra forte, enquanto Pedro, consciente da traição, responde com a expressão “querer bem”, menos exigente, e na terceira vez o próprio Jesus usa a expressão querer bem, adaptando-se à fragilidade do Apóstolo. O Papa Bento XVI observou isso ao comentar este colóquio. Simão compreende que o seu pobre amor basta a Jesus, o único amor de que é capaz. (…) É precisamente esta adaptação divina que dá esperança ao discípulo, que conheceu o sofrimento da deslealdade. (…) Daquele dia em diante, Pedro “seguiu” o Mestre com a consciência precisa da sua própria fragilidade; mas esta consciência não o desanimou. Sabia, de fato, que podia contar com a presença do Ressuscitado ao seu lado (…) e assim também nos indica o caminho”.
Na homilia da Missa pelo 25º aniversário do seu Pontificado, São João Paulo II confidenciou: “Hoje, queridos Irmãos e Irmãs, apraz-me partilhar convosco uma experiência que se prolonga há já um quarto de século. Todos os dias se realiza, dentro do meu coração o mesmo colóquio entre Jesus e Pedro. No espírito, fixo o olhar benevolente de Cristo ressuscitado. Ele, apesar de estar consciente da minha fragilidade humana, encoraja-me a responder com confiança como Pedro: “Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo” (Jo 21, 17).’ E depois me convida a assumir as responsabilidades que Ele mesmo me confiou.”
Esta Missão é o próprio amor, que se torna um serviço à Igreja e a toda a humanidade. Pedro e os Apóstolos assumiram-na imediatamente, com a força do Espírito que haviam recebido no Pentecostes, como ouvimos na primeira leitura: “É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador”.
Todos nós admiramos como o Papa Francisco, animado pelo amor do Senhor e levado pela Sua graça, foi fiel à sua Missão até o extremo esgotamento das suas forças. Ele advertiu os poderosos de que é preciso obedecer a Deus antes que aos homens e proclamou a toda a humanidade a felicidade do Evangelho, do Pai Misericordioso, de Cristo Salvador. Ele o fez em seu Magistério, em suas viagens, em seus gestos, em seu estilo de vida. Estive perto dele no dia de Páscoa, na sacada das bênçãos desta Basílica, testemunha de seu sofrimento, mas sobretudo de sua coragem e de sua determinação em servir o Povo de Deus até o fim.
Na segunda leitura, tirada do Livro do Apocalipse, ouvimos o louvor que todo o universo dirige Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro: “Louvor, honra, grandeza e poder, pelos séculos dos séculos”. E os quatro seres viventes disseram: “Amém”. E os anciãos prostraram-se em adoração.
A adoração é uma dimensão essencial da missão da Igreja e da vida dos fiéis. O Papa Francisco recordou isso com assiduidade, como por exemplo na sua homilia para a festa da Epifania do ano passado: “Os Magos têm o coração prostrado em adoração.. (…) Chegaram a Belém e, quando viram o Menino, “prostraram-se e adoraram-no” (Mt 2, 11). (…) Um rei que veio para nos servir, um Deus que Se fez homem. Diante deste mistério, somos chamados a inclinar o coração e dobrar os joelhos para adorar: adorar a Deus que vem na pequenez, que habita no ambiente normal das nossas casas, que morre por amor (…). Irmãos e irmãs, perdemos o hábito de adorar, perdemos esta capacidade que nos dá a adoração. Redescubramos o gosto da oração de adoração (…). Há falta de adoração entre nós hoje.”
Esta capacidade que a adoração dá não era difícil de reconhecer no Papa Francisco. Sua intensa vida pastoral, seus inúmeros encontros, baseavam-se nos longos momentos de oração que a disciplina inaciana havia impresso nele. Tantas vezes nos recordou que a contemplação é “um dinamismo de amor” que “nos eleva a Deus, não para nos separar da terra, mas para nos fazer habitar nela em profundidade”. E tudo o que ele fazia, o fazia sob o olhar de Maria. Permanecerão em nossa memória e em nossos corações, suas cento e vinte e seis paradas diante da Salus Populi Romani. E agora que repousa junto à amada Imagem, confiamo-lo com gratidão e confiança à intercessão da Mãe do Senhor e nossa Mãe.”