Entrevista com o Cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, SDB realizada no Rio de Janeiro durante a 40ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam): “o Papa Leão é um entusiasta da sinodalidade, porque ele trabalhou nela, porque a conhece.”.
Por Adielson Agrelos – Assessor de Comunicação do Regional Leste 1 – CNBB
Chegamos ao Centro de Estudos do Sumaré, localizado na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, numa manhã tranquila. Logo no hall de entrada, nos deparamos com o Cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga deixando o refeitório. Ali se realizava a 40ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), que celebra 70 anos de fundação.
Foi a ocasião perfeita para cumprimentá-lo e recordar nosso primeiro encontro, há 12 anos, durante a Jornada Mundial da Juventude Rio2013. Naquela ocasião, o Cardeal esteve na igreja matriz da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Coelho da Rocha, São João de Meriti — pertencente à Diocese de Duque de Caxias —, onde conduziu a catequese dos jovens peregrinos e presidiu a celebração da Santa Missa.
Quase sem pensar, perguntei se poderíamos repetir a experiência. O sorriso largo e a resposta imediata — “Com grande felicidade!” — confirmaram o que já sabíamos: há algo de providencial nesses reencontros. Ambos aconteceram em momentos de transição para a Igreja — o primeiro, no início do pontificado de Francisco; este, no começo do pontificado de Leão XIV. Nesta conversa, o purpurado compartilha suas impressões sobre o momento atual da Igreja, a continuidade do caminho sinodal e os desafios pastorais que se colocam à frente.
Eminência, a eleição de um novo Papa sempre reflete o momento eclesial e histórico que a Igreja vive. Como o senhor interpreta o contexto que precedeu a escolha de Leão XIV e que marcas ele carrega deste nosso tempo?
Cardeal Maradiaga: Em primeiro lugar, vemos a mão da Divina Providência na eleição do Papa Leão. Havia muita preocupação sobre como fazer para continuar o legado do Papa Francisco, especialmente na sinodalidade. Já nas reuniões pré-conclave havia algumas vozes que diziam: “Bem, essa questão da sinodalidade era só uma ideia do Papa, mas que precisaria mudar.” Então vimos como a Divina Providência respondeu de forma que o Papa Leão é um entusiasta da sinodalidade, porque ele trabalhou nela, porque a conhece. E, consequentemente, desde seu primeiro discurso falou da sinodalidade. De modo que todos vemos com muita esperança que se siga adiante com esse caminho tão relevante para a Igreja, que não é mais do que colocar em prática o Concílio Vaticano II.
O senhor participou de importantes processos de escuta da Igreja como membro do Conselho de Cardeais e em sínodos recentes. Quais sinais do Espírito o senhor percebe na caminhada da Igreja que, de alguma forma, preparam o caminho para o novo pontificado?
Cardeal Maradiaga: Em primeiro lugar, o fato de que os irmãos que tinham que votar elegeram o Cardeal Prevost justamente por isso. Ele demonstrou ser um homem que escuta. Escuta em sua vida, como missionário, em primeiro lugar; depois como Padre Geral da Ordem dos Agostinianos por dois mandatos; em seguida como bispo em uma diocese muito pobre do Peru; finalmente como prefeito do Dicastério para os Bispos, e agora como Pontífice. Um homem que se dedicou ao pastoreio com escuta é um Papa, não temos dúvidas, que vai escutar a Igreja.
Em suas primeiras palavras, o Papa Leão XIV tem demonstrado atenção especial à dimensão pastoral e social da missão da Igreja. Que impacto isso pode ter sobre a evangelização nas grandes cidades da América Latina?
Cardeal Maradiaga: Em primeiro lugar, fiquei muito impressionado com o nome que ele escolheu: Leão XIV. Imediatamente se pensa: continuidade com Leão XIII, que foi o Pontífice que apostou na doutrina social da Igreja em tempos tão difíceis, como foi o início da Revolução Industrial, quando havia tanta tirania social, especialmente na Grã-Bretanha, onde se inventou a máquina a vapor e onde mulheres, crianças e jovens eram explorados com jornadas enormes de trabalho sem condições sociais. Se ele escolheu o nome de Leão XIV, é porque está decidido a levar adiante os grandes valores da doutrina social da Igreja e, sobretudo, trabalhar pela paz. Ele já disse isso em sua primeira alocução e nós estamos apoiando, através da oração, para que se consiga, ao menos, uma trégua nestas guerras horríveis que estão ocorrendo na Ucrânia, em Gaza, no Sudão e em outros países do mundo.
Alguns bispos que conversam conosco dizem: “Parece que o Papa Leão é Papa há 10 anos, parece que a ‘veste caiu’ e já está claro que ele era o Papa.”
Cardeal Maradiaga: Sem dúvida alguma, porque também tenho consciência de que, em certa medida, o Papa Francisco preparou seu sucessor e o preparou formando este irmão. Ele foi chamado como Prefeito dos bispos, foi chamado como cardeal da ordem dos bispos e era um homem de confiança. Pensemos que, a cada semana, no sábado, o Cardeal Prevost se reunia com o Papa Francisco — e isso quer dizer uma sintonia quase total com essa pessoa.
O senhor participou de dois conclaves: o que elegeu o Papa Bento XVI e, depois, o Papa Francisco. Na sua percepção, o que mudou na maneira como a Igreja se prepara e discerne a escolha de um novo pontífice? Houve algo que particularmente chamou sua atenção nas conversas e reflexões deste período, especialmente nas Congregações Gerais?
Cardeal Maradiaga: Sim, no primeiro conclave — e sem revelar nenhum segredo —, era lógico que, depois de um pontificado tão longo e tão fecundo como foi o de São João Paulo II, seria difícil achar um sucessor. De modo que, para muitos, parecia que o sucessor nato era o Cardeal Ratzinger, como prefeito por tantos anos da doutrina da fé e como teólogo destacado para continuar a linha do Magistério. Depois, quando chega o momento de suceder o Papa Bento, o mais normal parecia um Papa do Terceiro Mundo, um Papa da América Latina — e creio que isso também foi obra do Espírito Santo. E vimos que estes anos do Papa Francisco foram anos extraordinários para buscar um novo enfoque da Igreja, que pudesse responder aos desafios do século XXI.
Gostaria de retomar agora uma lembrança de nossa primeira entrevista, na ocasião da Jornada Mundial da Juventude. Naquele momento, perguntei ao senhor sobre Dom Oscar Romero, apenas para fazer um paralelo — não é exatamente sobre isso que quero falar agora. Na época, questionei: ‘Cardeal Maradiaga, por que Dom Oscar Romero ainda não é santo?’ E o senhor me respondeu: ‘Oscar Romero é mártir, e por ser mártir é santo, mas um santo não pode polarizar.’ Havia, então, muita polarização. Doze anos se passaram e, hoje, Oscar Romero é santo.
Cardeal Maradiaga: Precisamente porque, com o passar do tempo e com o trabalho desse santo a favor de seu povo, aquela polarização foi desaparecendo, quando o povo percebeu que nenhuma das ideologias servia para promover, especialmente, os pobres. E então perceberam, porque a canonização de Monsenhor Romero causou um grande milagre em El Salvador: aquela polarização desapareceu, aqueles que pensavam que ele era comunista e inimigo perceberam que não. E então, seu sangue fez com que aquela polarização desaparecesse, e, quando foi a canonização, o povo se reuniu, e aqueles que o consideravam inimigo, ao contrário, até o invocam em oração.
Levando isso a um contexto mais global, infelizmente, no mundo percebe-se fragmentações, polarizações, avanços de posturas ultraconservadoras em alguns lugares — sobretudo na Europa —, também aqui no Brasil tivemos grandes crises com essa questão social. Durante o conclave, a mídia falava muito sobre essas questões: se seria eleito um papa de esquerda, de direita ou de centro… e, no fim, houve uma grande surpresa, com uma eleição tão rápida, muito rápida, do Cardeal Prevost como Papa. O que esse conclave nos ensina, como sociedade?
Cardeal Maradiaga: Em primeiro lugar, que a Igreja não se define com base em ideologias: nem a direita nem a esquerda, que são todas essas maneiras de pensar, todas relativistas. Porque veja: estou aqui neste momento, se me mover para lá, vão dizer que sou de esquerda; se me mover para cá, dirão que sou de direita. Mas sou a mesma pessoa! Onde está a fronteira que diz quem é de direita ou quem é de esquerda? No conclave ficou claro que as ideologias não têm nada a ver, que ali foi — como considero — uma ação e uma obra do Espírito Santo, sem dúvida alguma. Onde não há nem direita nem esquerda, onde há somente o amor e a caridade. Em primeiro lugar, pela própria pessoa dele: é alguém que tem a ver com o Canadá, porque seu pai era canadense; com a Espanha, porque sua mãe era espanhola; com os Estados Unidos, porque nasceu em Chicago, é cidadão americano.
Um Papa migrante…
Cardeal Maradiaga: Sim, porque, como missionário, passou muitos anos no Peru, no meio dos pobres. Depois foi chamado como superior geral dos Agostinianos por 12 anos, com o que conheceu mais de 50 países onde estão os Agostinianos. Em seguida foi chamado ao episcopado, também numa diocese missionária do Peru; posteriormente, prefeito da Congregação dos Bispos e colaborador do Papa Francisco. Tudo, verdadeiramente, em nome do Senhor: Ele preparou essa vida para ser agora o pontífice que o mundo precisa.
Quais desafios o senhor enxerga para o Papa Leão neste início de pontificado?
Cardeal Maradiaga: Um dos grandes é a paz. Conseguir que, através da mensagem da Igreja, através do Evangelho, da mediação e da atividade dele, se consiga uma paz neste mundo tão destruído pelas guerras Em segundo lugar, a comunhão. A comunhão não só da Igreja, mas das Igrejas. O ecumenismo está aí, onde já foram dados passos enormes, e tenho certeza de que ele continuará dando-os. Para ele não é difícil ser ecumênico, porque viveu isso em seu serviço, especialmente como geral dos Agostinianos. E depois, especialmente, a sinodalidade: é todo um processo, todo um caminho, toda uma experiência que deverá seguir abrindo portas ao Vaticano II para uma Igreja universal.
Dom Óscar, em todo esse tempo que o senhor é bispo, tantos anos, o que mais marcou o coração do senhor como cardeal e como bispo?
Cardeal Maradiaga: Bem, eu diria: para mim, eu nunca pensei em ser bispo. Meu trabalho era, como salesiano, com os jovens e com a formação dos futuros sacerdotes. Isso, graças a Deus, nunca deixei. Mas minha experiência, especialmente, são já 47 anos como bispo, 30 como arcebispo e 24 como cardeal. Pude, depois, os oito anos como presidente da Cáritas Internacional, conhecer a Igreja desde a base e, depois, perceber tudo o que o Espírito Santo faz em nossa Mãe Igreja. Minha melhor experiência é que a Igreja é do Senhor e Ele a conduz adiante.
A profecia sempre esteve viva na Igreja, mas com Francisco, ela encontrou um tempo e uma linguagem que ampliaram sua ressonância no mundo.
Cardeal Maradiaga: Sem dúvida alguma, e é precisamente aquilo que Ele nos disse na Evangelii Gaudium: uma Igreja em saída, uma Igreja que chega especialmente aos marginalizados, aos excluídos, àqueles que o mundo despreza. A Igreja nunca vai desprezar ninguém e temos que seguir adiante nesse caminho.
Obrigado.
Cardeal Maradiaga: Obrigado a você.
Espero vê-lo em breve, não daqui a 12 anos e nem que precise ser em um novo pontificado.
Cardeal Maradiaga: Na vida eterna