Cardeal Pizzaballa: uma nova página pode finalmente se abrir na Terra Santa

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Após as aberturas do Hamas ao plano de paz proposto pelos EUA, o Patriarca latino de Jerusalém publica uma mensagem que fala de esperança e de um primeiro passo há muito esperado em direção ao fim das hostilidades. “Muito ainda resta a ser feito, mas como Igreja somos chamados a dizer uma palavra de esperança, a ter a coragem de uma narrativa que abra horizontes”.

Vatican News

“Já se passaram dois anos desde que a guerra absorveu grande parte de nossas atenções e energias. Já é tristemente conhecido por todos o que aconteceu em Gaza. Massacres contínuos de civis, fome, deslocamentos repetidos, dificuldade de acesso a hospitais e cuidados médicos, falta de higiene, sem esquecer daqueles que estão detidos contra a própria vontade. Pela primeira vez, porém, as notícias falam finalmente de uma possível nova página positiva: a libertação dos reféns israelenses, de alguns prisioneiros palestinos e a cessação dos bombardeios e da ofensiva militar”. Assim começa a mensagem do cardeal Pierbattista Pizzaballa dirigida a toda a sua diocese e publicada integralmente no site oficial do Patriarcado Latino de Jerusalém, após o pronunciamento do Hamas sobre o plano de paz proposto pelo presidente americano Donald Trump.

Algo novo e positivo no horizonte

“É um primeiro passo relevante e há muito esperado – prossegue o Patriarca. – Nada ainda está completamente claro e definido, ainda existem muitas perguntas que aguardam resposta, muito resta a ser definido, e não devemos nos iludir. Mas estamos felizes que haja, de qualquer forma, algo novo e positivo no horizonte. Esperamos o momento de nos alegrar pelas famílias dos reféns, que poderão finalmente abraçar seus entes queridos. Desejamos o mesmo também às famílias palestinas que poderão abraçar aqueles que retornam da prisão. Alegramo-nos sobretudo pelo fim das hostilidades, que esperamos não seja temporário, e que trará alívio aos habitantes de Gaza. Alegramo-nos também por todos nós, porque o possível fim desta guerra horrível, que realmente parece agora próximo, poderá finalmente marcar um novo começo para todos, não apenas para israelenses e palestinos, mas também para todo o mundo. Devemos, porém, manter os pés no chão. Muito ainda resta a ser definido para dar a Gaza um porvir sereno. A cessação das hostilidades é apenas o primeiro passo – necessário e indispensável – de um caminho difícil, em um contexto que permanece problemático”.

O olhar do Patriarca latino de Jerusalém também se estende à Cisjordânia e aos territórios vizinhos: “Não devemos esquecer, além disso, que a situação continua a se deteriorar também na Cisjordânia. Já se tornaram diários os problemas de todo tipo que nossas comunidades são forçadas a enfrentar, sobretudo nas pequenas aldeias, cada vez mais cercadas e sufocadas pelos ataques dos colonos, sem defesa suficiente das autoridades de segurança. Os problemas, enfim, ainda são muitos. O conflito continuará por muito tempo a ser parte integrante da vida pessoal e comunitária de nossa Igreja. Nas decisões a tomar sobre nossa vida, mesmo as mais banais, devemos sempre levar em consideração as dinâmicas complicadas e dolorosas por ele causadas: se as fronteiras estão abertas, se temos as permissões, se as estradas estarão abertas, se estaremos seguros”.

Chamados a ser sinal de esperança

Prossegue o texto: “A falta de clareza sobre as perspectivas futuras, que ainda estão todas por definir, além disso, contribui para o senso de desorientação e faz crescer o sentimento de desconfiança. Mas é justamente aqui que, como Igreja, somos chamados a dizer uma palavra de esperança, a ter a coragem de uma narrativa que abra horizontes, que construa em vez de arruinar, seja na linguagem que usamos, seja nas ações e gestos que realizamos. Não estamos aqui para dizer uma palavra política, nem para oferecer uma leitura estratégica dos acontecimentos. O mundo já está cheio de palavras semelhantes, que raramente mudam a realidade. Interessa-nos, ao contrário, uma visão espiritual que nos ajude a permanecer firmes no Evangelho. Esta guerra, de fato, interpela nossas consciências e é origem de reflexões não apenas políticas, mas também espirituais. A violência desmedida a que assistimos até agora devastou não apenas nosso território, mas também o espírito humano de muitos, na Terra Santa e no resto do mundo. Raiva, rancor, desconfiança, mas também ódio e desprezo dominam com demasiada assiduidade nossos discursos e contaminam nossos corações. As imagens são devastadoras, nos chocam e nos colocam diante daquilo que São Paulo chamou de ‘o mistério da iniquidade’ (2Ts 2,7), que ultrapassa a compreensão da mente humana. Corremos o risco de nos acostumar ao sofrimento, mas não deve ser assim. Cada vida perdida, cada ferida infligida, cada fome suportada continua a ser um escândalo aos olhos de Deus”.

Manter fixo o olhar em Cristo

Não é com a força que se constrói a paz, afirma o cardeal Pizzaballa: “Poder, força, violência tornaram-se o critério principal sobre o qual se fundam os modelos políticos, culturais, econômicos e talvez até religiosos do nosso tempo. Ouvimos muitas vezes repetir nestes últimos meses que é preciso usar a força e que só a força pode impor as escolhas justas a serem feitas. Só com a força se pode impor a paz. Infelizmente, não parece que a história tenha ensinado muito. Vimos no passado, de fato, o que produzem a violência e a força. Por outro lado, porém, na Terra Santa e no mundo, assistimos e vemos cada vez mais frequentemente a reação indignada da sociedade civil a essa arrogante lógica de poder e de força. As imagens de Gaza feriram profundamente a consciência comum de direitos e de dignidade que habita nosso coração. Este tempo também pôs à prova a nossa fé. Mesmo para um crente não é simples viver na fé tempos duros como este. Às vezes percebemos fortemente dentro de nós a distância entre a dureza dos acontecimentos dramáticos, de um lado, e a vida de fé e de oração, do outro. Como se fossem realidades distantes uma da outra. O uso da religião, além disso, muitas vezes manipulado para justificar essas tragédias, não nos ajuda a nos aproximar com ânimo reconciliado da dor e do sofrimento das pessoas. O ódio profundo que nos invade, com suas consequências de morte e dor, constitui um desafio considerável para quem vê na vida do mundo e das pessoas um reflexo da presença de Deus. Sozinhos não conseguiremos compreender esse mistério. Com nossas próprias forças não conseguiremos enfrentar o mistério do mal e resistir a ele. Por isso sinto cada vez mais urgente o chamado a manter fixo o olhar em Jesus (cf. Hb 12,2). Só assim conseguiremos colocar ordem dentro de nós e olhar a realidade com outros olhos”.

Dom e perdão. “O acerto de contas” não pertence à Igreja

Nenhuma vingança, mas responder ao desafio de permanecer no amor é a exortação do cardeal Pizzaballa aos fiéis. “Junto com Jesus, como comunidade cristã gostaríamos de recolher as muitas lágrimas destes dois anos: as lágrimas de quem perdeu parentes, amigos, mortos ou sequestrados, de quem perdeu lar, trabalho, povoado, vida, vítimas inocentes de um acerto de contas cujo fim ainda não se vê. O confronto e o acerto de contas foram a narrativa dominante destes anos, com a inevitável e dolorosíssima consequência das tomadas de posição. Como Igreja, o acerto de contas não nos pertence, nem como lógica, nem como linguagem. Jesus, nosso mestre e Senhor, fez do amor que se faz dom e perdão a sua escolha de vida. Suas feridas não são um incitamento à vingança, mas a capacidade de sofrer por amor. Neste tempo dramático, nossa Igreja é chamada com maior energia a testemunhar sua fé na paixão e ressurreição de Jesus. Nossa decisão de permanecer, quando tudo nos pede para partir, não é um desafio, mas um permanecer no amor. Nossa denúncia não é uma ofensa às partes, mas o pedido de ousar um caminho diferente do acerto de contas. Nossa morte aconteceu sob a cruz, não em um campo de batalha”.

Um longo trajeto de reconstrução e desintoxicação do ódio

“Não sabemos se esta guerra de fato terminará, mas sabemos que o conflito continuará ainda, porque as causas profundas que o alimentam ainda estão todas por enfrentar. Mesmo que a guerra termine agora, tudo isso e muito mais ainda constituirá uma tragédia humana que precisará de muito tempo e muitas energias para se restabelecer. O fim da guerra não marca necessariamente o início da paz – afirma o Patriarca latino de Jerusalém –, mas é o primeiro passo indispensável para começar a construí-la. Nos espera um longo trajeto para reconstruir a confiança entre nós, para dar concretude à esperança, para nos desintoxicarmos do ódio destes anos. Mas nos empenharemos nesse sentido, junto com tantos homens e mulheres que aqui ainda acreditam que é possível imaginar um porvir diferente. O túmulo vazio de Cristo, diante do qual nunca como nestes dois anos nosso coração permaneceu na espera de uma ressurreição, nos assegura que a dor não será para sempre, que a espera não será em vão, que as lágrimas que estão regando o deserto farão florescer o jardim da Páscoa. Como Maria Madalena junto daquele mesmo sepulcro, nós queremos continuar a procurar, ainda que às apalpadelas. Queremos insistir em buscar caminhos de justiça, de verdade, de reconciliação, de perdão: mais cedo ou mais tarde, ao fim deles, encontraremos a paz do Ressuscitado. E como ela, por esses caminhos queremos impulsionar outros a correr, a nos ajudar em nossa busca. Quando tudo parece querer nos dividir, nós afirmamos nossa confiança na comunidade, no colóquio, no encontro, na solidariedade que amadurece em caridade. Queremos continuar a anunciar a Vida eterna, mais forte que a morte, com gestos novos de abertura, de confiança, de esperança. Sabemos que o mal e a morte, embora tão poderosos e presentes em nós e ao nosso redor, não podem eliminar aquele sentimento de humanidade que sobrevive no coração de cada um. São muitas as pessoas que na Terra Santa e no mundo estão se empenhando para manter vivo esse desejo de bem e se comprometem a apoiar a Igreja da Terra Santa. E agradecemos a elas, trazendo cada uma em nossa oração. “Rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, deixando de lado todo peso e o pecado que nos assedia, corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, mantendo fixo o olhar em Jesus” (Hb 12,1-2)”.

11 de outubro, jejum e oração pela paz

Neste mês, dedicado à Santíssima Virgem, queremos rezar por isso. Para guardar e preservar de todo mal nosso coração e o de todos aqueles que desejam o bem, a justiça e a verdade. Para ter coragem de semear sementes de vida apesar da dor, para nunca se render à lógica da exclusão e da rejeição do outro. Rezamos por nossas comunidades eclesiais, para que permaneçam unidas e firmes, por nossos jovens, nossas famílias, nossos sacerdotes, religiosos e religiosas, por todos os que se empenham em levar alívio e consolo a quem está em necessidade. Rezamos por nossos irmãos e irmãs de Gaza, que, apesar da guerra devastadora que recai sobre eles, continuam a testemunhar com coragem a felicidade da vida. Unimo-nos, por fim, ao convite do Papa Leão XIV, que instituiu para o sábado, 11 de outubro, um dia de jejum e oração pela paz. Convido todas as comunidades paroquiais e religiosas a organizar livremente, para aquele dia, momentos de oração, como o rosário, a adoração eucarística, liturgias da Palavra e outros momentos semelhantes de partilha. Aproxima-se a festa da Padroeira de nossa diocese, a Rainha da Palestina e de toda a Terra Santa. Na esperança de que nesse dia possamos finalmente nos achar, renovamos à nossa Padroeira a oração de intercessão pela paz.

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