Quantas tempestades também se abatem sobre nós mesmos, as famílias, a sociedade, a Igreja, o mundo… Muitas vezes, são mais fortes do que nós e, apesar de toda nossa luta para enfrentar as ondas, nos parece que vamos afundar.
Cardeal Odilo Pedro Scherer – arcebispo metropolitano de São Paulo
O medo é, sem dúvida, um dos estados de ânimo mais frequentes em nosso tempo. Medo da doença, da violência, do assalto, do fracasso, de perder o emprego ou a posição social, medo das pessoas, de si mesmo, medo do presente, do futuro, dos fantasmas escondidos dentro de nós, medo de Deus, do diabo… Por quais motivos todo esse medo? O medo pode ser uma reação de autodefesa em vista da autopreservação. Mas também pode revelar nossas inseguranças e incapacidades de dar conta da vida.
O medo pode levar à paralisação das capacidades pessoais, à fuga, ao desespero, ao fechamento em nós mesmos; e pode levar a ataques violentos contra o que se tem como perigoso e ameaçador. Mas pode se tornar, também, fonte motivadora para encarar de forma calculada os riscos, com o fim de os dominar e administrar, impulsionando o dinamismo da vida.
No Evangelho, encontramos a passagem em que os apóstolos, com Jesus, atravessam de barco o mar da Galileia. E são surpreendidos por uma tempestade forte e por ondas que arriscavam engolir a pequena embarcação. Os apóstolos lutam contra as forças da tempestade, mas vendo que não davam conta, ficam cheios de medo e se lembram que Jesus está dormindo no barco. Então, recorrem a Ele, quase com uma repreensão: “Mestre, estamos perecendo, e tu não te importas?” Jesus levanta o olhar, dá ordens ao vento e ao mar e tudo se faz calmo. E repreende os apóstolos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40).
Se os apóstolos, antes, estiveram com medo da tempestade e de perderem suas vidas, agora ficam ainda com mais medo diante de Jesus e se perguntam: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4,41). Eles ficam surpresos e se espantam diante do poder divino de Jesus. Ainda não tinham chegado a conhecer a divindade do Filho de Deus, presente em Jesus, a quem conheciam apenas como um grande profeta e taumaturgo. O poder de Sua palavra, que acalma o mar e a tempestade, é o mesmo poder divino, que fez o céu e a terra com a força de Sua palavra criadora.
Jesus cobra a falta de fé dos apóstolos que, cheios de pavor e com medo de naufragar, voltam-se para Ele: “Ainda não tendes fé?”. Isso equivalia a dizer: ainda não sabem quem eu sou? Que estou com vocês? Não confiam em mim? Podemos compreender bem a fraqueza dos apóstolos, que até então haviam conhecido Jesus de maneira humana como um profeta, um taumaturgo e, talvez, algo mais. Mas não tinham compreendido ainda que Ele manda também na natureza. E isso significava que tinha o poder de Deus e agia como agiu Deus criador que, com o poder de Sua palavra, criou e ordenou o céu e a terra. Seu estupor se expressa nas palavras: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”
Quantas tempestades também se abatem sobre nós mesmos, as famílias, a sociedade, a Igreja, o mundo… Muitas vezes, são mais fortes do que nós e, apesar de toda nossa luta para enfrentar as ondas, nos parece que vamos afundar. Essa sensação pode levar à frustração e ao sentimento de derrota diante de forças maiores do que nós. Sozinhos, não conseguimos enfrentá-las nem vencê-las. E, então, é hora de nos lembrarmos das palavras de Jesus: “Por que tendes tanto medo? Ainda não tendes fé?” Deus nos dá forças e coragem para lutar e enfrentar as tempestades da vida. Mas não nos deixa sozinhos. Como pessoas de fé, devemos saber que “Ele está no meio de nós” e que Jesus prometeu: “Eu estarei sempre convosco”.
Não é de hoje que a Igreja enfrenta mares tempestuosos. Aliás, ao longo de sua história bimilenar, ela não conheceu muito tempo de mar calmo. Basta lembrar as perseguições, que já tiveram início nos tempos apostólicos e se estenderam ao longo de todos os 20 séculos de sua existência. E os numerosos mártires que entregaram sua vida por Cristo e pela Igreja em tempos tempestuosos são testemunhas de fidelidade e confiança em Deus, que não abandona a Igreja. Isso nos deveria ajudar também nos dias de hoje, quando a Igreja enfrenta vários tipos de tempestades. Mantenhamos firmes nossa fé e confiança em Jesus, que disse: “Não tenhais medo!”
Chega em boa hora o Jubileu de 2025, com o tema “Peregrinos de Esperança”. Somos o povo da esperança, que sabe em quem confia e sabe também para onde vai. Por isso mesmo, não perde a sua serenidade e confiança, mesmo se a “barquinha de Pedro” é agitada pelo vento e o mar em tempestade.