Cardeal Steiner pede uma “mudança na economia que se tornou reguladora, dominadora da vida”. II Encontro Sinodal de Reitores de Universidades para o Cuidado da lar Comum, PUC-Rio.
Padre Modino – Rio de Janeiro
O sonho ecológico em uma perspectiva econômica foi o ponto de reflexão no quarto dia do II Encontro Sinodal de Reitores de Universidades para o Cuidado da lar Comum, que acontece de 20 a 24 de maio de 2025 na Pontifícia Universidade Católica de Rio de Janeiro (PUC-Rio). Um congresso em torno a Laudato si´, que “depois da Pacem in Terris de São João XXIII, talvez, tenha sido o documento da Igreja com maior repercussão e de valor para o espaço e tempo em que vivemos”, segundo o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner, que refletiu sobre “A caminho de uma Possível Remissão da Dívida”.
Vivemos numa lar Comum
Um texto pontifício que representa “um horizonte que se abriu, mas que ainda necessita de provocações, debates, para perceber que vivemos numa lar Comum”, segundo o arcebispo. Ele agradece a Papa Francisco “por nos ter ofertado essa pérola preciosa”, um documento que “foi decisivo nas discussões da COP de Paris”.
O cardeal fez quatro provocações: Hermenêutica da totalidade; pensar calculante e poético; o movimento da palavra economia; e Eco-nomia como esperança. Segundo o arcebispo, em Querida Amazônia, “os quatro sonhos, as quatro dimensões, oferecem a totalidade do modo de ser, de viver, uma hermenêutica da totalidade”. Uma encíclica que “é essencialmente o cuidado com o todo!”, abordando a questão econômica como “dinâmica da convivência, desestruturando a lar comum”. Ele lembrou as palavras dos bispos da Amazônia em Santarém 1972: “para uma verdadeira encarnação e libertação!”
Segundo o arcebispo de Manaus, a hermenêutica da totalidade “possibilita uma outra hermenêutica da narração do Génesis, que convida a ‘dominar’ a terra”, fazendo um chamado a “cultivar e guardar”, abrindo assim “a uma conversão de relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza (LS 67)”.
Um cuidado que nessa hermenêutica é individual e comunitário, que faz necessário “considerar as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais”, entender que a crise é socioambiental, que “a conversão ecológica afina a relação entre a natureza e a sociedade”, que “despertar a sensibilidade de que participamos da natureza e que a recebemos como lar comum, possibilita uma relação nova de acolhida, respeito, reverência, irmandade”. Nessa hermenêutica da totalidade somos chamados a “reaprender a habitar”, com novas relações. Essa hermenêutica desafia a “uma mudança na economia que se tornou reguladora, dominadora da vida”, que se abre à admiração.
A essência do ser revelada através da linguagem
O cardeal Steiner refletiu sobre a Eco-nomia a partir do pensamento de Martin Heidegger, para quem “a essência do ser é revelada através da linguagem, e a linguagem é o lugar onde o ser se manifesta e se expressa”. Isso nos leva a entender que “estamos sendo movidos pela palavra, vamos percebendo uma totalidade que se desfaz, uma totalidade que se mantém pela teimosia da esperança, com palavras”. Uma lar que no mundo indígena é “onde se vive”, que leva a entender a lar Comum, termo acunhado por Francisco, como “a espacialidade para servir”.
O segundo modo de conhecer, segundo o cardeal, seguindo o pensamento de Romano Guardini “fazem as energias e as substâncias convergirem para um único fim: a máquina, desenvolvendo uma tecnologia da submissão do ser vivo, mas também para o econômico, o lucro. A tecnologia permite viver melhor, comunicar e ter muitas vantagens, mas alerta para o risco de ela se tornar reguladora, se não dominadora, da vida, se torne um modo de pensar que domine as relações humanas”. O grande perigo é que “o homem perde todos os laços interiores que lhe conferem um sentido orgânico da medida e das formas de expressão em harmonia com a natureza”. E junto com isso, o perigo de ingressar na lógica do “se pode ser feito, é lícito”, de ingressar no pensar da máquina, do “pensar calculante”, como afirmava Heidegger, algo que tem muito a ver com a Inteligência Artificial.
Perigos da economia imediatista
Nessa perspectiva, o cardeal falou sobre a economia como esperança, que leva a refletir sobre o fato de que “os recursos da terra estão a ser depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia”. Algo que tem a ver com a maximização do lucro, que entende a relação com o meio ambiente desde os interesses particulares, “o interesse econômico, chega a prevalecer sobre o bem comum e manipula a informação para não ver afetados os seus projetos”. Uma dinâmica que faz com que “os grupos econômicos tomaram conta do poder político e impõe retrocessos em relação ao meio ambiente”, segundo o arcebispo de Manaus.
A Encíclica, afirma o cardeal, “demonstra a relação doentia entre tecnologia-economia e meio ambiente”, dado que “o que conta é o lucro, o ganho financeiro”. Uma economia que mata que destrói o meio ambiente e assassina os defensores ambientais, como aconteceu com Dom e Bruno no Vale do Javari, que está atrás do Marco Temporal, do garimpo ilegal. Só existe um interesse: o dinheiro. Diante disso, aprender com os povos originários, de sua capacidade para fazer economia em harmonia com o meio ambiente. Nesse sentido, “a Laudato si´é um convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura”.
Restabelecer a Justiça de Deus
A esperança, presente no Ano Jubilar, é devolver, perdoar dívidas como uma questão de justiça, como caminho da Paz, buscando restabelecer a justiça de Deus nos diferentes âmbitos da vida. Daí o chamado que ele faz a ver o Jubileu como “um acontecimento que impele a procurar a justiça libertadora de Deus em toda a terra e sentimo-nos chamados denunciar tantas situações de exploração da terra e de opressão dos pobres”. Algo que tem que se traduzir em gestos concretos.
Provocações que são “um chamamento inicial para sinodalmente deixar ecoar o meio ambiente numa economia servidora, não exploradora”, com uma mudança cultural, que nos leve a descobrir que “somos todos devedores, mas também todos necessários uns aos outros”. Isso porque “Deus confiou aos nosso cuidado da obra criada, deu a vocação de guardiões da obra de sua obra”, como algo que “não é algo opcional, mas parte essencial da vida segundo o Evangelho”, que dizia Papa Francisco.