Mons. Jonas, ao se colocar aberto ao plano de Deus tornou-se, junto com outros, um dos que ajudaram a missão evangelizadora no Brasil a partir da segunda metade do século XX e iniciou uma obra que leva adiante esse carisma.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. – Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Recebemos, no dia 12/12 último, celebração de Nossa Senhora de Guadalupe, a notícia do passamento do nosso querido Monsenhor Jonas Abib à lar do Pai, depois de uma longa enfermidade que o levou a alternar seus últimos meses entre sua residência e o hospital. Nestes dias de comoção geral, em que, junto com a dor da separação aparece o agradecimento a Deus pela sua vida de doação e serviço à Igreja expresso algumas reflexões a serem ainda mais amadurecidas com o passar do tempo procurando entender os sinais dos tempos. A sua biografia já foi amplamente divulgada. As reflexões nos ajudam a viver este momento da história.
Durante meu tempo de estudante em São Paulo pude conhecer sua família que participava de nossa paróquia cisterciense na Região Norte da cidade. Pe. Jonas, nascido em Elias Fausto, pequena cidade do interior de São Paulo, em 21 de dezembro de 1936, entrou, já na adolescência, para a Sociedade de Dom Bosco, os conhecidos salesianos, e, em 8 de dezembro de 1964, foi ordenado sacerdote com o lema “Feito tudo para todos”. Este é o primeiro aspecto da nossa reflexão: o sacerdócio como entrega total a Deus, na Igreja, a serviço dos irmãos e irmãs. Aqui, é praticamente impossível não se lembrar de São Joao Paulo II na Carta aos Sacerdotes, da Quinta-Feira Santa de 1996. Nela, depois de lembrar, à luz da Lumen Gentium, sobre a interligação entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial, escreve: “O sacerdócio ministerial está ao serviço do sacerdócio comum dos fiéis. De fato, quando o sacerdote celebra a Eucaristia e administra os sacramentos, torna os fiéis conscientes da sua peculiar participação no sacerdócio de Cristo. Deste modo, fica claro que a vocação sacerdotal constitui, no âmbito mais vasto da vocação cristã, um chamamento específico. E isto está de acordo, de modo geral, com a nossa experiência pessoal de sacerdotes: recebemos o batismo e a confirmação; participamos na catequese, nas celebrações litúrgicas e sobretudo na Eucaristia. A nossa vocação ao sacerdócio desabrochou no contexto da vida cristã”.
E continua: “Todavia, cada vocação ao sacerdócio tem a sua história individual, relacionada com momentos bem precisos da vida de cada um. Quando chamava os Apóstolos, Cristo dizia a cada um: ‘Segue-Me!’ (Mt 4, 19; 9, 9; Mc 1, 17; 2, 14; Lc 5, 27; Jo 1, 43; 21, 19). Desde há dois mil anos que Ele continua a dirigir o mesmo convite a tantos homens, particularmente aos jovens. Às vezes, chama de modo surpreendente, embora nunca se trate de um chamamento totalmente inesperado. Mas, habitualmente, o convite de Cristo a segui-Lo é preparado num longo período de tempo. Presente já na consciência do adolescente, ainda que ofuscado depois pela indecisão ou pela solicitação a seguir outras estradas, quando o convite volta a fazer-se ouvir não constitui uma surpresa. Por isso, não é caso para maravilhar-se, se precisamente esta vocação foi a que prevaleceu sobre as outras, acabando o jovem por tomar o caminho que lhe foi indicado por Cristo: deixa a família e vai começar a preparação específica para o sacerdócio”.
Como não ver esta passagem refletida na vida totalmente doada, desde a infância até a plena maturidade, do “Padre Jonas”. Um sacerdote que pregou pelo exemplo, pela escrita e pela palavra: falando ou cantando. Um padre que viveu os sacramentos e os ministrou a tantas e tantas pessoas. E, dando um passo além na sua paternidade espiritual, fundou, com muito esforço e não poucas cruzes, a Comunidade Canção Nova, em 1978, sob a convocação e a inspiração do saudoso Dom Antônio Affonso de Miranda, SDN, na época Bispo de Lorena, SP. Em 2008, essa Comunidade, que já crescera muito, foi reconhecida pela Santa Sé como Associação Internacional Privada de Fiéis. Se pelo fruto se conhece a árvore (cf. Mt 7,16; Lc 6,44), a obra toda de monsenhor Jonas (título eclesiástico recebido em 9 de outubro de 2007 de Sua Santidade Bento XVI) testemunha fartamente quem ele é e sua importância peculiar à Igreja no Brasil.
Monsenhor Jonas foi um homem de extrema fidelidade ao bispo diocesano, ou seja, ao pastor que Deus colocou à frente da Igreja particular de Lorena, SP, onde atuou. Para ele, como bom filho de D. Bosco, isso sempre foi ponto inegociável. A sua fidelidade é que o fez ser reconhecido e amado pelo Povo de Deus que, mesmo em meio ao secularismo e à confusão religiosa, viu nele uma seta seguro a apontar Cristo por meio de Maria Auxiliadora: Cristo tal qual a Mãe Igreja nos apresenta à luz da Escritura e da Tradição sadiamente interpretadas pelo Magistério da Igreja.
Recordamos aqui do Decreto Christus Dominus, do Concílio Ecumênico Vaticano II a tratar dos bispos, pois lendo-o, com vagar, é possível ver reverberar suas sábias palavras nos gestos de Monsenhor Jonas Abib em sua comunhão com o seu Pastor diocesano e, por conseguinte, o seu devotamento ao Santo Padre, o Papa, como sucessor de Pedro. Eis as passagens do referido Decreto que nos vêm à mente nesta hora especial para toda a Canção Nova e também para nós: “Nesta Igreja de Cristo, o Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, a quem o mesmo Cristo mandou que apascentasse as suas ovelhas e os seus cordeiros, está revestido, por instituição divina, de poder supremo, pleno, imediato e universal, em ordem à cura das almas. Por isso, tendo sido enviado como pastor de todos os fiéis para promover o bem comum da Igreja universal e o de cada uma das igrejas particulares, ele tem a supremacia do poder ordinário sobre todas as igrejas”.
“Por outro lado, porém, também os Bispos, constituídos pelo Espírito Santo, sucedem aos Apóstolos como pastores das almas, e, juntamente com o Sumo Pontífice e sob a sua autoridade, foram enviados a perpetuar a obra de Cristo, pastor eterno. Na verdade, Cristo deu aos Apóstolos e aos seus sucessores o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar os homens na verdade e de os apascentar. Por isso, foram os Bispos constituídos, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros e autênticos mestres, pontífices e pastores” (n. 2). Mais: “Cada Bispo, a quem é confiada uma igreja particular, apascenta em nome do Senhor as suas ovelhas, sob a autoridade do Sumo Pontífice, como próprio, ordinário e imediato pastor, exercendo em favor das mesmas o múnus de ensinar, santificar e governar. Deve, porém, reconhecer os direitos que legitimamente competem quer aos Patriarcas quer a outras autoridades hierárquicas. Apliquem-se os Bispos ao seu múnus apostólico como testemunhas de Cristo diante de todos os homens, interessando-se não só por aqueles que já seguem o Príncipe dos pastores, mas consagrando-se com toda a alma àqueles que de algum modo se transviaram do caminho da verdade ou ignoram o Evangelho e a misericórdia salvadora de Cristo, até conseguirem que todos caminhem ‘em toda a bondade, justiça e verdade’ (Ef. 5, 9)” (n. 11). Monsenhor Jonas não só admirou e testemunhou tudo isso em sua vida como também ensinou outros a fazê-lo. Por isso, só temos a agradecer tão grande zelo eclesial em favor da unidade da Igreja, uma de suas notas distintivas.
O terceiro aspecto que desejo realçar – até mesmo como palavra de estímulo a tantos filhos e tantas filhas espirituais de Monsenhor Jonas – é o de que sigam o bonito exemplo de seu Pai-Fundador que está no alicerce de toda vida consagrada, leiga ou religiosa. Os documentos da Igreja que nos recordam esse dever são muitos. Cito, a título de ilustração, aqui, algumas passagens suas.
Da Evangelia Testificatio, de São Paulo VI, publicada em 29 de junho de 1971, recordo o número 11, pois embora faça referência especial aos religiosos e religiosas serve, por analogia, para manifestar consideração à obra dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o Amor divino, segundo o carisma dos vossos Fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja. Desta forma, insiste o Concílio e justamente, na obrigação dos Religiosos e das Religiosas, de serem fiéis ao espírito dos seus Fundadores, às suas intenções evangélicas e ao exemplo da sua santidade, vendo nisso precisamente um dos princípios da renovação em curso e um dos critérios mais seguros daquilo que cada instituto deveria empreender. O carisma da vida religiosa, na realidade, distante de ser um impulso nascido da carne e do sangue ou ditado por uma mentalidade que se conforma com o mundo presente” é antes o fruto do Espírito Santo que age continuamente na Igreja”. Também São João Paulo II: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos fundadores” (Mensagem aos participantes da XIV Assembleia Geral da Conferência dos religiosos do Brasil, 11/7/1986).
Mais recentemente, o Papa Francisco recordou: “Como membros de associações de fiéis, de movimentos eclesiais internacionais e de outras comunidades, desempenhais uma verdadeira missão eclesial. Com dedicação, procurais viver e fazer frutificar aqueles carismas que o Espírito Santo, através dos fundadores, confiou a todos os membros das vossas realidades agregativas, em benefício da Igreja e dos numerosos homens e mulheres a quem vos dedicais no apostolado. Penso especialmente naqueles que, encontrando-se nas periferias existenciais das nossas sociedades, experimentam na própria carne o abandono e a solidão, e padecem muitas necessidades materiais e formas de pobreza ética e espiritual. Fará bem a todos nós recordar diariamente não só a pobreza do próximo mas também, e sobretudo, a nossa” (Aos participantes no Encontro das Associações de Fiéis, dos Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades, 16/09/2021).
A seguir, o Papa Francisco toca no Decreto As associações internacionais de fiéis e, aqui, interessa o que diz respeito aos fundadores vivos e falecidos. Cito-o para recordar e convidar à unidade, à filialidade e à fraternidade em torno do carisma do fundador. Isso é o que desejamos ver na Canção Nova, mesmo sem a presença física de Monsenhor Jonas. Diz, com efeito, o Papa: “O documento do Dicastério refere-se aos fundadores. Parece-me muito sábio. O fundador não deve ser mudado, continua, vai em frente. Simplificando um pouco, diria que devemos distinguir, nos movimentos eclesiais (e também nas congregações religiosas), entre aqueles que estão em processo de formação e os que já adquiriram uma certa estabilidade orgânica e jurídica. São duas realidades diferentes. Os primeiros, os institutos, têm o fundador ou a fundadora vivos”.
“Embora todos os institutos – quer sejam religiosos ou movimentos laicais – tenham o dever de averiguar, nas assembleias ou nos capítulos, o estado do carisma fundacional e fazer as mudanças necessárias nas próprias legislações (que depois serão aprovadas pelo respetivo Dicastério); ao contrário, nos institutos em formação – e digo em formação no sentido mais lato: os institutos que têm um fundador ainda vivo, e é por isso que o Decreto fala do fundador vitalício – que estão em fase fundacional, esta averiguação do carisma é, por assim dizer, mais contínua. Portanto, no documento fala-se de uma certa estabilidade dos superiores durante esta fase. É relevante fazer tal distinção a fim de poder mover-se com mais liberdade no discernimento”.
“Somos membros vivos da Igreja e por isso devemos confiar no Espírito Santo, que age na vida de cada associação, de cada membro, atua em cada um de nós. Daqui deriva a confiança no discernimento dos carismas, confiado à autoridade da Igreja. Estais conscientes da força apostólica e do dom profético que hoje vos são confiados de maneira renovada” (idem).
Eu mesmo, no dia 14 de dezembro, segundo dia do velório do Mons. Jonas fiz questão de me deslocar do Rio de Janeiro até Cachoeira Paulista quando tive a graça de presidir uma das missas de exéquias pelo seu eterno descanso. Fiz questão de comparecer ao velório e de presidir a Eucaristia para manifestar a minha unidade com a sua obra e publicamente manifestar minha gratidão ao bem que o Mons. Jonas fez em favor da evangelização no Brasil e em toda a América Latina. Mons. Jonas, ao se colocar aberto ao plano de Deus tornou-se, junto com outros, um dos que ajudaram a missão evangelizadora no Brasil a partir da segunda metade do século XX e iniciou uma obra que leva adiante esse carisma. A sua voz transformou em uma Canção Nova que nos leva a santidade de Cristo que deve ser a santidade de todos os fiéis e da Igreja! Que, de junto de Deus, Monsenhor Jonas interceda por todos nós que, mesmo certos da vida eterna, como Cristo, Deus feito homem por amor de nós, choramos a sua partida (cf. Jo 11,35). Amém!