COP30: A Santa Sé atenta à tutela das pessoas e da criação

0

À margem da COP30, o arcebispo dom Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico no Brasil e Chefe Adjunto da Delegação da Santa Sé na COP30, relata o trabalho da delegação presente em Belém.

Silvonei José – Belém

Excelência. A Santa Sé está presente na COP30 em Belém com uma delegação oficial de 10 pessoas. Já tivemos a presença do cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin, que transmitiu uma forte mensagem do Santo Padre e, depois, discursou aos presentes na Conferência, lançando um apelo a nos comprometermos a enfrentar, sem dúvida, o desafio das mudanças climáticas. Como está decorrendo a participação da Delegação da Santa Sé na COP30?

É relevante destacar, em primeiro lugar, como a Delegação da Santa Sé, liderada pelo cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin, se enriquece com a presença de membros de diversas instituições da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano: a Secretaria de Estado, o Dicastério para a Cultura e a Educação, o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, o Dicastério para a Comunicação, o Governatorato, a Nunciatura Apostólica, além de um especialista local. A colaboração dos diversos membros da nossa Delegação também se evidencia nos encontros que ela mantém não só com os países aqui reunidos, mas também com outras partes interessadas não governamentais, incluindo algumas da Igreja Católica, como os nove cardeais e 36 bispos, que em Belém testemunham uma ampla comunhão.



Núncio Apostólico no Brasil arcebispo dom Giambattista Diquattro.

Que contribuições a Santa Sé tem dado aos debates até agora?

A Santa Sé oferece ao debate climático, sobretudo, uma contribuição ética e uma mensagem de solidariedade humana, fundamentada no Magistério da Igreja, uma vez que a crise climática não é apenas um problema técnico, mas também ética. Somos chamados a ser guardiões de nossos irmãos e irmãs e, nesse contexto, surge também uma responsabilidade ética para com a criação.

Portanto, a Santa Sé contribui para as negociações recordando a centralidade da dignidade da pessoa humana, dada por Deus. Em cada mesa de negociação, essa abordagem se manifesta por meio de um convite respeitoso, coerente e convicto para priorizar o “lado humano da crise climática”, como o Santo Padre a definiu em sua Mensagem para a recente Cúpula. A Mensagem recorda que, por trás da dinâmica técnica, das siglas e dos acrônimos típicos das negociações da ONU, estão pessoas inocentes, e especialmente comunidades, que sofrem os efeitos da crise ambiental.

Nestes tempos marcados por trágicos conflitos, a Santa Sé também enfatiza que o cuidado com a criação e a busca da paz são inseparáveis, ​​e que as guerras e a destruição da natureza se alimentam mutuamente. Cito novamente a Mensagem do Papa Leão XIV: “se queres cultivar a paz, protege a criação. Há uma clara ligação entre a construção da paz e a gestão da criação: ‘A busca da paz por todas as pessoas de boa vontade será, sem dúvida, facilitada pelo reconhecimento comum da relação inseparável que existe entre Deus, os seres humanos e toda a criação.'”

Com esta reflexão, e em referência às negociações sobre “transição justa”, a Santa Sé interveio para reiterar que os progressos alcançados na COP28 não devem ser enfraquecidos, incluindo o compromisso fundamental de transição dos combustíveis fósseis, mas deve coexistir com uma atenção especial aos mais afetados pelas mudanças climáticas e pelas respostas a elas.

A Santa Sé também enfatiza a importância de mecanismos financeiros mais equitativos, visto que as populações mais pobres são as mais vulneráveis ​​às mudanças climáticas e são as primeiras vítimas. Uma autêntica solidariedade deve inspirar esses mecanismos de financiamento baseados na fraternidade. Nessa perspectiva, e particularmente neste ano jubilar, a Santa Sé recorda que o cancelamento — e não apenas o anulamento parcial — da dívida soberana associada à dívida ecológica representa uma medida necessária para apoiar os países mais afetados. Esta não é apenas uma proposta ética, mas um fortalecimento concreto das políticas essenciais para alcançar uma autêntica “transição justa”.

A Santa Sé também participa das negociações sobre um novo Gender Action Plan. Participa ciente de que mulheres e meninas são afetadas de forma desproporcional pelas mudanças climáticas, particularmente no Sul Global, e que desempenham um papel fundamental no enfrentamento de suas consequências. Esse aspecto central, no qual todas as Delegações deveriam concentrar seus esforços, jamais deve ser negligenciado no processo de negociação do Gender Action Plan. Contudo, há tentativas de utilizar linguagens e conceitos não consensuais ou controversos que inevitavelmente prejudicam o progresso dos trabalhos. Pensemos, por exemplo, a inclusão no texto dos direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o aborto, que a Santa Sé não pode aceitar sob nenhuma circunstância. Trata-se, de fato de um desvio do verdadeiro tema em discussão, como a participação das mulheres nos processos de tomada de decisão e negociação, a promoção da educação — pensemos, por exemplo, nos meios de comunicação — e o apoio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, inclusive no âmbito do Gender Action Plan. Muitas mulheres, especialmente no Sul do mundo, podem se beneficiar do que o Plano de Ação oferece, e esse é o objetivo que devemos buscar de forma construtiva e de boa-fé, deixando de lado interesses egoístas.

Gostaria também de salientar que a Santa Sé está empenhada em cumprir os compromissos assumidos ao aderir à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e ao Acordo de Paris. É sabido que as emissões do Estado da Cidade do Vaticano que alteram o clima são insignificantes em escala global; contudo, o Estado da Cidade do Vaticano investe em projetos significativos de redução de emissões, além de promover ativamente iniciativas de educação ecológica integral que, para além de mitigar os gases de efeito estufa, trazem benefícios éticos e sociais.

Quais são os objetivos que a Santa Sé espera alcançar com este evento dedicado ao clima?

Em primeiro lugar, esperamos que da COP30 surja um claro e renovado compromisso ao multilateralismo, plataforma e dinâmica essencial para dialogar, refletir e enfrentar com abertura, confiança e colaboração as atuais problemáticas globais, incluindo as mudanças climáticas. Essas questões críticas transcendem fronteiras e exigem a contribuição séria e responsável de todos: governos e outros atores não governamentais reunidos aqui — sociedade civil, comunidade científica, autoridades locais e mundo empresarial.

Outro resultado desejável seria que a COP30 confirmasse o compromisso já assumido em Dubai, em 2023, de continuar no caminho para alcançar o objetivo do Acordo de Paris, ou seja, de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C em comparação com o período pré-industrial. Isso significa acelerar as atividades voltadas para a melhoria da eficiência energética, o uso de energias de baixo consumo de carbono e as ações de reflorestamento. Trata-se de iniciativas que devem colocar a criação no centro: pessoas e meio ambiente, não apenas a economia, sem, obviamente, negligenciar uma maior atenção à adaptação e à educação.

A Santa Sé também insiste a fim de que, no âmbito da COP, haja uma atenção crescente pela educação à “ecologia integral”, ou seja, um modo de viver e de pensar que integre de forma sábia o meio ambiente, a sociedade e a economia. A Santa Sé trabalha com as outras Partes para garantir que essa abordagem esteja cada vez mais presente nas diversas mesas de negociação da COP, incluindo os planos climáticos nacionais. A implementação de programas educacionais e projetos de pesquisa inspirados na ecologia integral não só promove uma cultura do cuidado e da responsabilidade, como também proporciona um meio de engajamento com as comunidades locais e a sociedade civil.

A Santa Sé está sempre atenta à tutela das pessoas e da criação. É difícil proteger esses direitos em um encontro tão heterogêneo, com diversas culturas e perspectivas?

O que emerge de intensos dias de negociações exige ser avaliado à luz da virtude da prudência, sem negligenciar as ideias positivas, especialmente em um colóquio que vai além de um mero quadro técnico-científico — que resulta fundamental — e precisa ser sustentado por uma mudança de paradigma.

proteger as pessoas e a criação é um desafio, especialmente em um contexto como a COP, onde diferentes culturas, interesses e visões se encontram. A Santa Sé deseja enfatizar que toda escolha ambiental deve ser feita dentro do plano do Criador para o ser humano e, portanto, para sua dignidade, liberdade e o seu desenvolvimento integral. As políticas climáticas não são meramente questões técnicas ou econômicas: elas afetam a vida concreta de nossos irmãos mais pobres, que muitas vezes pagam o preço mais alto da crise climática.

O Evangelho nos diz: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Isso também se aplica no “agorà” internacional: construir pontes entre diferentes posições, buscar possíveis acordos e manter o respeito mútuo representa uma forma concreta de ser pacificador. A Santa Sé está empenhada em levar nestes espaços uma voz que possa unir e que chame a uma responsabilidade compartilhada.

É uma tarefa árdua e fascinante: constitui a missão da Igreja. O Papa Francisco, em sua encíclica Fratelli tutti, evocou as palavras de São João Paulo II: “Deus deu a terra a toda o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém.”

Fonte

Escreva abaixo seu comentário.

Por favor escreva um comentário
Por favor insira o seu nome aqui