Covid-19: solidariedade deve ser mantida para enfrentar o vírus da pobreza

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O planeta tem usado todos os recursos para combater o coronavírus e um dos meios é a rede de solidariedade. Em entrevista ao L’Osservatore Romano, secretário-geral da Caritas Internationalis faz um apelo para que a pobreza seja combatida no mundo “com a mesma determinação com a qual estamos enfrentando a pandemia. O vírus da pobreza é inclusive mais grave do Covid-19”.

Francesco Ricupero, Andressa Collet – Cidade do Vaticano

A edição desta quinta-feira (1), do jornal vaticano L’Osservatore Romano, propõe uma entrevista com Aloysius John, secretário-geral da Caritas Internationalis, uma confederação internacional de associações católicas empenhadas em proteger a caridade e a justiça social no mundo. Ele lança um apelo para que, nesta emergência do Covid-19, além de tantas organizações atuando para conter a difusão da pandemia, seja “fundamental uma cooperação global”.

Na entrevista concedida a Francesco Ricupero, o secretário diz temer pela crise sanitária que pode “levar à estigmatização dos doentes de Covid-19, bem como à discriminação de grupos vulneráveis da sociedade, como migrantes e refugiados”. Diante da escalada de infectados e de mortos em todos os cantos do planeta, John espera, portanto, um coral de intenções que envolva “não somente os governos locais e as agências internacionais, mas também a sociedade civil e os grupos religiosos”.

O direito à informação correta sobre a crise

Como as organizações ligadas à Cáritas estão buscando garantir o maior número possível de serviços para quem precisa?

John – “Neste momento de forte crise e até mesmo de tragédia, a Caritas Internationalis continua trabalhando para acolher, acompanhar e ajudar aqueles que foram afetados direta ou indiretamente. Para enfrentar da melhor forma o Covid-19, colher informações e sensibilizações são um objetivo-chave. As pessoas, em especial aquelas mais vulneráveis, devem ter o direito à informação e receber a orientação correta para evitar de ser infectada. Isso tem sido feito através do uso da mídia, como as rádios e os jornais administrados pela Igreja católica. Em Ruanda, por exemplo, a Cáritas transmite mensagens de sensibilização da Igreja às comunidades para torná-las conscientes em relação ao risco. Em Singapura, a Cáritas local ativou um serviço de vigilância, recordando todos da necessidade de adotar medidas indispensáveis para uma boa higiene pessoal. Na Itália, a instituição continua a sua missão com os pobres através dos refeitórios, da distribuição de refeições quentes, os alojamentos. Além disso, fornece um serviço ‘remoto’ aos idosos através da ajuda dos jovens voluntários. Na Caritas Internationalis, foi ativada uma célula de crise Covid-19 e instituída uma força-tarefa para monitorar, seguir e fornecer informações e assistência à nossa rede. O serviço aos pobres não pode parar por causa do vírus. Procurando ser criativos e com todas as precauções, vamos continuar a atender os mais vulneráveis.”

O modelo da Cáritas do sul do mundo

Acredita que chegou o momento certo para realizar uma rede de responsabilidades pela qual cada um pode ajudar o outro?

John – “Estamos interconectados e também frágeis; lutar contra a propagação do vírus é sobretudo uma responsabilidade coletiva. Ao mesmo tempo, devemos atender às necessidades daqueles que não são infectados, mas são vítimas colaterais dessa crise. Me questiono como os milhares de cidadãos de Bangladesh, que trabalham nos mercados ao ar livre, estejam administrando este momento particular. Na Caritas Internationalis também estamos preocupados com os trabalhadores dos países mais pobres que riscam de não adquirir mais um salário porque não podem continuar a sua atividade. E o que dizer, então, daqueles trabalhadores temporários que não têm nenhuma segurança social. Penso que chegou a hora de mostrar solidariedade, amor e cuidado. Na sexta-feira (27), Papa Francisco nos disse que o coronavírus também deve ajudar a fazer emergir o melhor de nós. Sim, deve emergir a humanidade, porque somos todos seres humanos, e devemos viver em solidariedade como uma única comunidade humana. Isso poderia ser possível através da partilha de recursos, ajudando aqueles que têm necessidade de apoio, como fazem as Cáritas do sul do mundo. Esse espírito será tão mais necessário quando sairemos dessa tragédia. Além disso, espero que aquilo que está acontecendo na Europa não nos impedirá de cuidar e de compartilhar de distante os problemas e as dificuldades dos outros.”

A importância dos serviços de oração

O que as Cáritas estão fazendo para ajudar as populações da África e da Ásia?

John – “Por sorte, no momento, a pandemia ainda não alcançou de maneira tão séria a África, onde estão refletindo sobre como envolver a Igreja local e os seus organismos, inclusive a Cáritas, para enfrentar essa crise. Na Ásia, penso na Índia e no Sri Lanka, os governos adotaram medidas drásticas. A Cáritas, junto à Igreja, está contribuindo a criar conhecimento, informando as populações sobre a postura correta para adotar para impedir o vírus de se propagar. Em nível de confederação, estamos avaliando os instrumentos mediáticos à disposição da Igreja para empreender uma ação rápida caso ocorra um surto. É um momento em que precisamos de uma coordenação e imaginação. Uma das particularidades da rede Cáritas é aquela de oferecer serviços de oração. Devemos ter a coragem e a humildade de acreditar que Deus pode fazer o impossível. De fato, no Sri Lanka, nas Filipinas e na Índia foram organizados serviços de oração.”

Neste momento particular, os voluntários estão dispostos a agir?

John – “Eles têm boa vontade e querem continuar a trabalhar. Mas devemos impor a todos o princípio de precaução e inventar outros modos para poder continuar a servir, mas devemos prestar muita atenção. No site da Caritas Internationalis se encontram instruções rigorosas em relação ao Covid-19 e medidas de precaução a todos.”

Fraternidade global de espírito

A crise pandêmica global pode levar à discriminação de grupos vulneráveis, como migrantes e refugiados?

John – “O Covid-19 nos deu uma lição: a humanidade não tem fronteiras, etnia, casta, religião ou status econômico. Papa Francisco nos exorta a viver o melhor de nós, colocando pra fora a humanidade de cada um de nós. Devemos estar conscientes do fato que não somos imortais e o coronavírus nos mostrou como, em três meses, o planeta inteiro se encontra em pânico: blocado e isolado. Chegou o momento de abrir os nossos corações numa fraternidade global de espírito para receber e acolher o outro. O Covid-19 nos demonstrou o quanto somos vulneráveis. Nos fez entender que precisamos um do outro para combater o inimigo comum. A memória futura deverá nos induzir a organizar melhor como combater contra o vírus do egoísmo, contra o pecado da indiferença e, sobretudo, como proteger o valor da pessoa humana. Isto é algo que a Cáritas tem que continuar trabalhando.”

De que modo a Caritas Internationalis pretende alcançar as faixas sociais menos favorecidas do planeta?

John – “Quando dizemos Cáritas, entendemos implicitamente a Igreja local. A Cáritas, que é o serviço da Igreja local, está presente em modo capilar e está em contato direto com as comunidades paroquiais. Além disso, colabora com todas as comunidades religiosas. Em Mauritânia, por exemplo, o bispo de Nouakschot difundiu um comunicado em apoio às decisões do governo e pediu à população de respeitá-las. Esse é um modo para dialogar com a sociedade local e a Cáritas continua a apoiá-lo. Quando dizemos Caritas Internationalis, estamos falando dos 165 membros que coralmente podem agir de modo eficaz e eficiente.”

“O medo da morte, provocada pelo Covid-19, e tudo aquilo que fizemos para salvar vidas humanas, deve nos convencer a deixar de matar com a guerra e a violência. De um lado, queremos nos proteger da morte, mas do outro, continuamos a guerra que provoca mais vítimas do que o vírus. Quanto somos incoerentes e quanto egoístas?”

Um salto de solidariedade, depois do Covid-19

A pandemia pode desviar a atenção sobre outras questões críticas como pobreza, violência e perseguições?

John – “Esta pandemia deve ser um momento de kairós. O mundo não poderá funcionar como antes. Para o porvir, devemos orientar as nossas reflexões para buscar sermos mais criativos e manter aquele salto de solidariedade que experimentamos durante o Covid-19. Devemos buscar uma nova ordem, econômica e ecológica, que deve ser integral. A postura fragmentária não pode mais continuar. Devemos combater a pobreza com a mesma determinação com a qual estamos enfrentando a pandemia. O vírus da pobreza é inclusive mais grave do Covid-19. Devemos ver como o débito internacional dos países pobres ou em desenvolvimento pode ser cancelado e como poderá ser utilizado localmente o dinheiro para ajudar os indigentes a realizar microprojetos e a sair da situação de pobreza. A Igreja pode ser um ator relevante junto à Cáritas porque tem a infraestrutura, a capacidade e os meios para ajudar. Mas, tudo isso deve ser enfrentado com urgência. O medo da morte, provocada pelo Covid-19, e tudo aquilo que fizemos para salvar vidas humanas, deve nos convencer a deixar de matar com a guerra e a violência. De um lado, queremos nos proteger da morte, mas do outro, continuamos a guerra que provoca mais vítimas do que o vírus. Quanto somos incoerentes e quanto egoístas? Quando tudo terminar, devemos logo programar uma conferência internacional para parar com a violência; e os líderes mundiais devem assumir as próprias responsabilidades. É um aspecto relevante que devemos cultivar porque todos sabem o que significa viver no medo da morte, perder um familiar, e este é o momento de parar com as guerras.”

Será que a ajuda será acessível a todos? Como evitar as injustiças?

John – “O Santo Padre disse que precisamos de uma nova ordem, um novo paradigma de desenvolvimento; enquanto que Sean Callaghan, presidente dos Serviços Católicos de Auxílio (Catholic Relief Services), declarou que ‘devemos pedir aos nossos chefes de governo para consultar a rede católica para promover atividades de microdesenvolvimento e de desenvolvimento humano integral’. É através de tais instrumentos de patrocínio e de aquisição de recursos que podemos continuar a servir e a combater o vírus da tirania.”

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