Desânimo ou esperança: O que nos move?

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Segundo a psicanálise o ser humano é movido por dois princípios ou duas pulsões, o princípio da morte, tánatos e o princípio da vida, eros. Frei Inácio Larrañaga, em Mostra-me o Teu Rosto, descreve o duelo entre estas duas pulsões, ao qual denominou desânimo e esperança. Na leveza do colóquio encontram-se duas pessoas boas, honestas e muito realistas, porém com perspectivas opostas sobre a vida depois de tê-la vivido. Como ajuda no enfrentamento dos dramas destes tempos de pandemia, compartilho o que acabei de ler.

Primeira cena: fala o desânimo. Sou uma pessoa que se encontra curvada ao peso da desilusão e da experiência da vida. Já vivi muito e me considero um velho lobo do mar. Agora, nada mais me entusiasma, nada me entristece, tudo resvala por mim. Estou curtido pela vida, e imunizado. Fui um jovem, sonhei muito, porque só os que ainda não viveram é que sonham. Nesse tempo, minhas árvores floresciam de ilusões, mas cada tarde soprava o tempo e carregava algumas delas.

Levantei-me e caí muito, tornei a levantar-me e caí muitas vezes. No horizonte de minha vista cravei as bandeiras de combate: obediência, humildade, paciência, pureza, contemplação, amor. Vi que os sonhos e a realidade estavam tão distantes como o Oriente do Ocidente.

E, mesmo curvado pelo peso de tantas derrotas pela vida, galguei outra vez o pináculo da ilusão, mas a queda foi ainda pior. Hoje, sou uma pessoa decepcionada e tenho a consciência de que não nasci para as coisas de Deus, enganei-me no caminho.

Olho para trás e só vejo ruínas. Olho a meus pés e tudo é acidente. Não sei se sou culpado disso ou não e nem me interessa mais saber. Ninguém volta atrás. Só tenho certeza de uma coisa: para mim não há esperança. O que fui até hoje e sou agora é o que vou ser até o fim e que minha sepultura vai se levantar sobre as ruínas de meu próprio castelo.

Segunda cena: fala a esperança. Você tinha levantado a sua lar sobre a espuma da ilusão. Por isso, ela desmoronou mil vezes, com o vai e vem das ondas. A areia loura das praias foi o fundamento de suas edificações e a ruína era inevitável. Suas regras do jogo foram o cálculo de probabilidades e as constantes psicológicas. E os resultados estão aí. Mas tenho uma palavra final para lhe dizer neste amanhecer: ainda pode ser. A esperança ainda é possível. Amanhã vai ser melhor. Vamos começar outra vez.

Se até agora houve ruínas, de hoje em diante vai haver castelos de luz apontando, com sua proa, para vértices eternos. Se até agora você colheu desastres, lembre-se que estão chegando primaveras cintilantes. Por trás da noite fechada há altas montanhas e já vem galopando a aurora. Só é bonito acreditar na luz quando é noite. Por trás do silêncio, respira o Pai. A solidão é habitada por sua presença e lá em cima nos esperam o descanso e a libertação. Venha! Vamos começar outra vez!

Eu nasci numa tarde escura, em um morro pelado, molhada de sangue, quando todos repetiam em coro: está tudo perdido; não há o que fazer; o sonhador morreu. Nasci do seio da morte. Por isso a morte não pode arruinar-me. Sou imortal, porque sou filha primogênita do Deus imortal. Mesmo que você diga mil vezes que tudo está perdido, vou responder mil vezes que ainda estamos em tempo.

Se até agora os êxitos e fracassos foram se alternando em sua vida como os dias e as noites, desde agora, cada manhã, Jesus ressuscitará em você, e florescerá como primavera sobre as folhas mortas de seu outono. Ele vencerá em você o egoísmo e a morte e como seu irmão vai tomar a sua mão para dirigi-lo pelas colinas transformadoras da contemplação. Você vai resplandecer com o fulgor dos antigos profetas no meio do povo. Venha! Vamos começar outra vez.

Os pobres e sofredores vão ocupar o recanto mais privilegiado do seu jardim. Quem são estes que, como um enxame, acorrem pressurosamente para você? São todos os esquecidos do mundo, os que não têm voz nem vez, os que não têm esperança nem amor. Vêm beber das suas primaveras acesas pelo Ressuscitado. Olhe, essas estrelas azuis ou vermelhas faíscam desde a eternidade e até a eternidade. Seja como elas. Não se canse de brilhar. Semeie pelos campos secos e cumes agrestes da misericórdia, a esperança e a paz. Não se canse de semear, mesmo que seus olhos nunca vejam as espigas douradas. Os pobres e os sofredores, um dia, hão de vê-las. Caminhe. O Senhor Deus será luz para os seus olhos, alento para os pulmões, óleo para as feridas, meta para o seu caminho, prêmio para o seu esforço. Venha! Vamos começar outra vez.

Pe. Nelito Dornelas (in memorian)

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