Em sua mensagem para o Dia, o Papa Francisco ressalta importância da interligação entre a Criação e a Redenção, já apontada pelo Papa Bento XVI. A compreensão da relação intrínseca entre esses dois aspectos é crucial, pois o Redentor é, ao mesmo tempo, o Criador.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. – Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
No dia 1º de setembro, celebramos o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. Esse dia não é apenas um momento de comemoração, mas um convite profundo para refletirmos sobre nossa sagrada responsabilidade em relação a tudo aquilo que o Divino Criador nos confiou. À medida em que essa reflexão nos conduz à contemplação da Criação, somos chamados a ver não somente a beleza e a complexidade do mundo, mas também a nossa parte na teia da vida. Esse dia abre o “tempo da criação” que vai até o dia 4 de outubro, Dia de São Francisco de Assis. É um tempo ecumênico. O Papa Francisco enviou sua mensagem para esse Dia de Oração.
“Jorre a igualdade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca” (5,24). É com essas palavras do profeta Amós que o Papa Francisco inicia a mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, de 2023. A justiça e a paz são temas centrais neste ano, inspirados pelas palavras do profeta Amós: “Corra a justiça como um rio, e a retidão, como um riacho perene”. O Papa Francisco destaca que buscar a justiça é essencial para nós, que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Essa justiça não se restringe apenas às leis, mas engloba a maneira como tratamos a nós mesmos, aos outros e à natureza.
Em sua mensagem, o Papa Francisco ressalta, ainda, a importância da interligação entre a Criação e a Redenção, já apontada pelo Papa Bento XVI. A compreensão da relação intrínseca entre esses dois aspectos é crucial, pois o Redentor é, ao mesmo tempo, o Criador. A nossa capacidade de anunciar Deus em toda a sua grandeza como Criador e Redentor molda o significado da Redenção em nossas vidas.
O conceito de criação vai além do ato inicial de Deus trazer o mundo à existência a partir do nada. Ele abrange o contínuo trabalho misterioso de Deus, que ainda se desenrola, e que é refletido na majestade e na beleza do universo que nos cerca. Esse processo criativo, em constante evolução, é um presente generoso e inesgotável que experimentamos diariamente.
Nos momentos de liturgia e nas nossas orações pessoais, somos convidados a ingressar na “grande catedral da criação”. Essa expressão evoca a ideia de que o mundo natural é, por si só, um lugar sagrado, um espaço onde podemos sentir a presença do Grande Artista. Ao refletirmos sobre a maravilha da criação, somos convidados a contemplar o mistério do amor de Deus manifestado em Sua escolha amorosa de criar o mundo.
Nesse contexto, a mensagem enfatiza que nossa conexão com Deus não se limita ao plano espiritual, mas se estende à própria natureza. A Criação é uma manifestação do amor e da presença de Deus, e nossa missão inclui o reconhecimento e a preservação dessa obra divina. Compreender essa profunda união entre Criação e Redenção nos ajuda a valorizar a beleza e a dignidade de todo o universo e a reconhecer a presença constante de Deus em nossas vidas.
Deste modo, nossa missão é de cultivar um cuidado reverente pela criação, de modo que as gerações presentes e futuras possam partilhar dos frutos dessa dádiva divina. Na medida em que lutamos por um ambiente equilibrado e saudável, também expressamos nosso amor pelo próximo e pelo Deus que nos presenteou com essa morada terrestre.
Muitas vezes, erroneamente, atribuímos a Deus a responsabilidade pelas catástrofes que assolam o mundo. No entanto, precisamos reconhecer que tais eventos são, na verdade, em grande parte, resultados das ações humanas. É imperativo que nos empenhemos em zelar pela nossa “lar comum”, ou seja, pelo nosso planeta Terra, um local onde todos têm o direito de viver com dignidade e desfrutar de seus direitos fundamentais, como moradia, alimentação, água e trabalho.
A Encíclica “Laudato Si’”, escrita pelo Papa Francisco, ressalta a conexão intrínseca entre nossa fé e o cuidado da criação. Ela nos recorda que somos chamados a ser guardiões da natureza, a cultivar uma relação respeitosa e responsável com o mundo que nos cerca. Aguardamos com afeto a segunda parte desse tema que o Papa está escrevendo. Para o cristão, a natureza é vista como um dom precioso que Deus nos confiou, e somos chamados a administrar esse dom com sabedoria e gratidão.
Devemos ser diligentes na conservação dos recursos preciosos, como a água e a energia, e evitar o desperdício. Esses bens valiosos devem ser acessíveis a todos os habitantes do mundo. Um dos principais fatores do aquecimento global é o desmatamento, o que exige uma preservação mais atenta de nossas florestas, pois são elas que sustentam a vida, influenciam o clima e purificam o ar.
O cuidado com nosso lar comum deve ser um compromisso universal, já que nossa lar é compartilhada por todos e Deus a criou para abrigar a Humanidade. Ao cuidarmos do nosso meio ambiente, estamos, na verdade, cuidando da criação de Deus. Nossas ações diárias, como descartar lixo impróprio ou contribuir para a poluição, afetam diretamente aquilo que Deus nos confiou. Os sinais dos danos já estão visíveis: rios poluídos e secas generalizadas, todos frutos da ação humana desenfreada.
O Papa Francisco também ressalta a importância de cuidar de nosso próprio bem-estar físico e mental. Assim como preservamos o ambiente, devemos cuidar de nossos corpos, evitando comportamentos prejudiciais e promovendo um estilo de vida saudável. Antes de cuidar do planeta, precisamos cuidar de nós mesmos.
Neste Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, abrindo o tempo da criação, encorajados pela mensagem do Papa Francisco, é oportuno fazer uma avaliação de como estamos nos cuidando e como estamos preservando nosso ambiente. Devemos lembrar que aquilo que não desejamos para nós mesmos não devemos desejar para os outros. Ao construirmos um reino de justiça, paz e respeito mútuo, honramos a criação e preparamos o caminho para um porvir melhor para todos.
Fotos: Carlos Moioli