A ONU declarou que os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes. E, na esteira de pensamento, Norberto Bobbio dirá que o problema fundamental em relação aos Direitos Humanos, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político (BOBBIO, 1992, p. 24).
Considerando estas afirmações e, tendo em vista a duríssima realidade que nos cerca de abuso e negação de direitos, torna-se cada vez mais urgente e necessário um amplo debate sobre esse tema, que venha contribuir com quem ainda mantêm acesa esta chama.
O primeiro elemento neste debate deve partir do acúmulo de práticas de Educação Popular que, em sua proposta pedagógica e política, foi uma das principais responsáveis na promoção e defesa dos direitos humanos. Isso se deu na medida em que ela contribuiu na elevação das pessoas envolvidas neste processo à condição de sujeitos cidadãos, mesmo considerando que em muitos países, como no Brasil, a luta pelos direitos humanos ainda é uma luta por direitos primários e elementares de comer, beber, residir, trabalhar.
A educação popular surgiu, justamente, para superar a dicotomia entre o discurso pedagógico e as práticas pedagógicas. Ela veio provar que a educação deve assumir um compromisso com o desenvolvimento da totalidade da humanidade, com os valores da democracia e com a cidadania.
Ela se propõe a fazer educação a partir e com as classes subalternas e populares, historicamente oprimidas e roubadas em sua humanidade, excluídas do desenvolvimento humano e da cidadania.
A educação popular parte da tese, tão bem elaborada por Paulo Freire no seu livro Pedagogia do Oprimido, de que atuando junto aos oprimidos e levando-os à condição de sujeitos da sua libertação, ela está recuperando tanto a humanidade roubada dos oprimidos como a humanidade perdida dos opressores.
Porém, este propósito da educação popular, elevado do nível individual para o nível sócio político, pressupõe um posicionamento politico pedagógico claramente a favor dos sujeitos sociais populares, passando pela sua articulação, mobilização e organização em vista da construção de uma sociedade que se orienta pelos princípios da democracia, cidadania, solidariedade e justiça.
A concepção tradicional de educação entende que há um conjunto de conhecimento universal, já definido, que se constitui em leis de valor absoluto para a natureza e para a história humana. Logo, nesse caso, a função da educação é conhecer e transmitir essas leis universais de conhecimento para que os desígnios do universo se cumpram.
Segundo Marcos Arruda, esta visão pode ser materialista e dialética, mas é metafísica (hegeliana), pois toma como ponto de partida as leis universais assumidas como absolutas e definitivas, e o conhecimento delas também assumido como absoluto e definitivo (ARRUDA, 1986, p. 5-6). Neste caso, resta ao processo educativo conciliar o pensamento com a realidade. Basta conhecer e cumprir o que está estabelecido.
Essa é uma visão dogmática de conhecimento e que implica em postura político pedagógica totalitária e numa prática educativa dicotômica em que o educador é o sujeito e os educandos são simples objetos de memorização. Prática que Freire convencionou chamar de bancária:
Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta destorcida visão da educação, não há criatividade, não há metamorfose, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também (FREIRE, 1983, p. 66).
O debate sobre direitos humanos e educação popular poderá ser o lugar de reconstrução de tantos fios quebrados na atual conjuntura vivida na sociedade brasileira.