Dom Samir Nassar: o povo sírio vive uma Quaresma que dura há anos

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A comunidade dos católicos sírios “vive a paixão de Cristo muito antes da Semana Santa”. A fé, porém, não falta nesses momentos que poderiam beirar o desespero: “A Palavra de Deus é fonte de conforto – afirma o arcebispo de Damas dos Maronitas –, a passagem do Evangelho que hoje inspira nossos passos é a das Bem-aventuranças. Nosso Deus é um Deus fiel e promete seu Reino aos sírios, que confiam n’Ele, que triunfará com a Páscoa”

Cidade do Vaticano

Para o povo sírio a Quaresma, “tempo especial” de oração, jejum e caridade, se tornou um “tempo comum”. Há anos a vida do povo é marcada pela pobreza, é obrigada a um perdurante jejum por causa da indigência, confiada à constante oração, sustentada pela caridade de pessoas, comunidades e organizações que não deixam faltar seu pensamento e impulso solidário.

Trágica condição dos sírios após nove anos de guerra civil

A reflexão que o arcebispo de Damas dos Maronitas, dom Samir Nassar, partilha com o “L’Osservatore Romano” no início do tempo da Quaresma, não pode deixar de partir das trágicas condições em que a população síria vive, após nove anos de guerra civil.

A guerra concluiu-se nas grandes cidades, mas permanecem pequenos bolsões de conflito, inúmeras barreiras de controle militares nas estradas e rodovias. O barulho dos aviões e algumas explosões que ecoam de longe continuam coexistindo em Damasco com os milhares de cartuchos e resíduos bélicos presentes no que resta dos prédios bombardeados. E a  vida do povo não se tornou menos difícil.

Conflito transformou o país numa nação de refugiados

“Dias, meses, anos agitados por violências indizíveis, pelo medo, pela destruição do futuro: tudo isso gerou um sentido de prostração que acaba com a esperança e aflige os ânimos”, observa o prelado, recordando que a Síria, atormentada pelas violências dos grupos jihadistas, acabou se tornando uma nação de refugiados.

Em tempos mais recentes, as sanções internacionais e a recente crise dos bancos libaneses prostraram o país a nível econômico e social, num quadro que “atinge sobretudo as pessoas mais frágeis”.

Da crescente pobreza à indigência

Da primeira necessária austeridade, quando as famílias tiveram que renunciar ao padrão de vida que tinham antes da deflagração da guerra, se passou gradualmente à crescente pobreza de meios de recursos, de trabalho, pouco depois degenerada em indigência:

“O salário das famílias diminuiu, em média, em ao menos 50% em três meses. O aumento dos preços acabou atingindo a vida diária de todas as famílias, particularmente, as mais pobres e modestas. Os cidadãos que já viviam em condições de precariedade e que esperavam melhorar com o fim das hostilidades, acabaram experimentando a miséria”, observa o arcebispo.

Situação cria problemas também a nível psicológico

Os efeitos do embargo se mostraram devastadores sobretudo para o povo pobre. “A falta de combustíveis, do gás e da corrente elétrica deixou as casas na escuridão e no gelo: essa situação induz tristeza e cria problemas também a nível psicológico repercutindo sobretudo nas pessoas mais frágeis e vulneráveis como os anciãos e os enfermos”, ressalta o prelado.

A derrota dos grupos jihadistas e o proclamado fim da guerra não foram suficientes para restituir a normalidade à nação síria: a crise bancária do Líbano bloqueou as contas corrente dos sírios, quer dos cidadãos, que tiveram suas reservas congeladas nos institutos bancários, quer das empresas.

Os mais pobres abandonados a si mesmos e a seu destino

“Entre essas últimas encontram-se também as associações caritativas, hoje incapazes de operar num contexto marcado por profundas e enormes dificuldades”, denuncia dom Samir Nassar.

O impacto é duplamente prejudicial: a consequência da crise econômica de Ongs e entidades assistenciais é o abandono dos mais pobres, que tais associações ajudavam: “Hoje os mais pobres não conseguem responder às exigências de base e às necessidades primárias. Estão realmente abandonados a si mesmos e a seu triste destino”.

Crise de hoje pior do que nos anos de guerra

Segundo o prelado sírio, o quadro é realmente alarmante: “As condições socioeconômicas da população se tornam cada dia mais urgentes e dramáticas, e correm o risco de agravar-se ainda mais. E se o jogo entre as grandes potências impede ou bloqueia qualquer forma de compaixão ou de intervenção, é fácil prever um agravamento ulterior da situação”.

O paradoxo, traçado pelo arcebispo maronita, é “viver hoje uma crise até mesmo pior em relação aos anos de guerra”. Os fiéis, afirma, “vivem a Quaresma com o pensamento insistente de assegurar o pão de cada dia e um pouco de alimento na mesa de seus entes queridos”. “O jejum muitas vezes não é mais uma escolha espiritual, mas um cinturão que aperta e faz sentir os apelos da fome também sobre as crianças”, diz ainda.

Igreja dispensadora de consolação e esperança

Nessa situação a Igreja “se oferece como dispensadora de consolação e esperança em nome do Evangelho”, mesmo com seus recursos limitados.

Assim, a Igreja se torna um lugar “onde cada um vem para chorar lágrimas, clamar ajuda, buscar escuta e apoio material e espiritual, sem ostentação e no mais absoluto silêncio”.

Sírios vivem a paixão de Cristo muito antes da Semana Santa

O prelado ressalta que a comunidade dos católicos sírios “vive a paixão de Cristo muito antes da Semana Santa”. A fé, porém, não falta nesses momentos que poderiam beirar o desespero:

“A Palavra de Deus é fonte de conforto – afirma o arcebispo de Damas dos Maronitas –, a passagem do Evangelho que hoje inspira nossos passos é a das Bem-aventuranças. Nosso Deus é um Deus fiel e promete seu Reino aos sírios, que confiam n’Ele, que triunfará com a Páscoa”.

Igreja mantém acesa a luz da fé, da esperança e da caridade

Falar de “ressurreição”, explica, faz bem sobretudo aos jovens, que “continuam se interrogando sobre os caminhos a seguir para confessar o nome de Cristo e testemunhar seu amor na Síria devastada pela guerra, país que busca com dificuldade reconstruir-se um futuro de paz e prosperidade”.

“Os jovens que não fugiram do país definem a sua pátria ‘amada e martirizada’. São muitos os que, mesmo feridos no coração e desiludidos, continuam vivendo na Síria com a esperança de encontrar uma solução pacífica e de poder refazer a vida.”

Assumindo essas aspirações, conclui o prelado maronita, “a Igreja continua ao lado deles, bem como ao lado de toda a população síria, mantendo acesa a luz da fé, da esperança e da caridade”.

(L’Osservatore Romano)

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