O encontro foi a realização de um desejo antigo do salesiano Dom Antônio de Assis Ribeiro, bispo da Diocese de Macapá (AP) e referente para a juventude no Regional Norte 2 da CNBB, que sentiu a ausência de jovens líderes indígenas em comissões e grupos, em níveis regionais e nacional, e assim, transformou esse sonho em projeto.
Vívian Marler – Assessora de Comunicação do Regional Norte 2 da CNBB
O Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB N2, no Pará e Amapá, através da Pastoral Juvenil N2, realizaram de 23 a 25 de maio, no Centro de Formação Emaús, em Santarém (PA), o ‘I Encontro Regional de Jovens Líderes Indígenas Católicos’, que contou com a participação de representantes das Dioceses e Prelazias, assessores da Pastoral Juvenil, missionários religiosos, caciques, um diácono indígena, professores, e de jovens indígenas de 12 etnias – Munduruku, Arapiun, Galibi Marworno, Karipuna, Juruna, Xipaya, Juruna Yudja, Tiriyó, Palikus, Kumauara e Pirouyana, provenientes das da Arquidiocese de Santarém (PA), Diocese de Óbidos (PA), Diocese de Xingu Altamira (PA), Prelazia de Itaituba (PA) e Diocese de Macapá (AP).
O encontro foi a realização de um desejo antigo do salesiano Dom Antônio de Assis Ribeiro, bispo da Diocese de Macapá (AP) e referente para a juventude no Regional Norte 2 da CNBB, que sentiu a ausência de jovens líderes indígenas em comissões e grupos, em níveis regionais e nacional, e assim, transformou esse sonho em projeto. “A juventude indígena precisa ser acompanhada mais de perto, eles têm necessidade próprias, têm um potencial imenso escondido e na maioria das vezes, essa capacidade não é explorada e compartilhada pela falta de oportunidades. O nosso papel quanto Igreja é dar atenção, vez e voz para todas as categorias de sujeitos do rebanho. Os jovens não indígenas, já recebem essa atenção. Portanto, reconhecer a peculiaridades da juventude indígena é uma necessidade e um clamor diante de tantos desafios que emergem dos povos indígenas. O fortalecimento das tradições, a preservação da cultura, o testemunho da fé Católica, só será possível se houver a preocupação pela promoção do protagonismo juvenil indígena nas aldeias. As aldeias sofrem com a vulnerabilidade dos jovens”, disse Dom Antônio.
Com a ideia principal de ajudar os jovens líderes indígenas a analisarem a sua realidade, identificar os problemas e agir para transformá-los, a metodologia do Ver, iluminar e Agir definiu pistas para uma pastoral juvenil indígena com metas para o porvir, a partir dos questionamentos apresentados a eles, como quais eram os problemas juvenis que percebiam em suas aldeias, e quais eram as preocupações dos jovens em relação a estes problemas.
Foram três dias de escuta e debates sobre a realidade sociocultural e religiosa dos jovens indígenas; onde painéis com as realidades dos povos e seus jovens foram apresentados pelo próprios jovens, enfatizando problemas, como o alcoolismo; discriminação nas aldeias, marginalização dos jovens (por causa do caciquismo que perde força e sensibilidade); uso de drogas e entorpecentes; violência e exploração sexual, vícios, furtos, dependência tecnológica; confusão e conflitos em especial na área de garimpos agravando os problemas ambientais; a falta de alternativas e oportunidades de produção nas aldeias além da tradição da roça, isso tem favorecido a saída de milhares de jovens de suas aldeias que vão para os centros urbanos; também os jovens acusaram o problema da depressão, ansiedade, medo e lamentavelmente o suicídio que tem aumentado entre os jovens indígenas pelo Brasil a fora.
No relatório do encontro, que será integralmente publicado, constará o problema do esfriamento religioso nas aldeias e, por outro lado, o assédio neopentecostal que demoniza as culturas e práticas tradicionais. Esse lamentável fato foi acusado por todas as etnias presentes. Outra causa desse esfriamento católico está vinculada a ausência da Igreja Católica na maioria das aldeias; em muitas delas a visita dos missionários é muito rápida.
“Nos últimos anos, por diversas vezes, a Comissão Episcopal para a Juventude considerou essa delicada situação pela qual passam os jovens indígenas. No documento de Santarém afirmamos um grave elenco de males externos e fragilidades internas que ameaçam as juventudes. Muitos líderes indígenas de diversas etnias declaram que suas aldeias estão divididas por causa do avanço neopentecostal e, por outro lado, cresce a variedade de vícios, a violência, o suicídio entre os jovens e tantos outros problemas. Não podemos estar indiferentes diante dessa realidade. Por isso a necessidade, urgente, de provocar um processo de escuta conjunta e articulação dos jovens líderes indígenas em vista do fortalecimento da consciência religiosa católica, para que sejam evangelizadores dos outros jovens promotores dos seus valores culturais”, explicou Dom Antônio de Assis Ribeiro.
Diversos jovens manifestaram a necessidade de mais sensibilidade e diálogos dos líderes indígenas [caciques] para com os jovens. Disse uma jovem que “os caciques estão ficando velhos”, referindo-se à dificuldade de abertura. As aldeias não são as mesmas do passado, tudo está mudando e os jovens indígenas não devem ficar fechados.
A jovem catequista Maíra dos santos, dos Povos Karipuna, no Oiapoque, no Amapá, expôs a dificuldade que ela e sua mãe tem, no âmbito religioso, em convidar a sua comunidade para participar da Santa Missa aos domingos. “Somos o porvir de nossa comunidade, e eu mesmo sendo catequista, preciso do apoio de padres e missionários para organizar e animar os jovens. Todos os domingos eu e minha mãe vamos para a igreja, a gente convida as pessoas para participarem da nossa igreja, convidamos também a comunidade, mesmo assim parece que precisamos ter a força de um cacique para levá-los a missa. Mas neste encontro estou aprendendo muito como irei reunir a comunidade quando chegar lá”, disse a catequista.
Assim como Maíra observa a dificuldade, em sua comunidade, com relação a difusão da Fé católica, outras comunidades indígenas, presentes no encontro em Santarém, professam a Palavra de Deus integrando suas tradições religiosas com a cultura indígena, muitas vezes preservando rituais, línguas e costumes, como aconteceu na Celebração Eucarística de acolhida, quando a primeira leitura foi proclamada pelo jovem Gersinildo Karu Munduruku, na sua língua de origem, o Munduruku, colocando-se como exemplo para os demais.
Porém, outras problemáticas foram apresentadas, como os problemas modernos, de uma globalização, que coloca desafios significativos à juventude indígena, como o uso indiscriminado das novas tecnologias, e os riscos de perda cultural, desigualdades sociais e a pressão para adotarem valores e estilos de vida urbana, que levam a conflitos internos, e consequentemente às doenças consideradas como ‘males do século’, como a depressão, síndrome do pânico e ansiedade.
Um ponto preocupante entre a maioria dos jovens líderes foi em relação ao porvir. Foi colocado a insegurança em buscar estudo e melhores condições de vida na cidade, onde ao invés de encontrarem o que procuram, acabam sofrendo discriminações não apenas em centros educacionais e empresas funcionais, mas principalmente dentro da própria comunidade por buscarem um progresso pessoal que poderia ser benéfico ao seu próprio povo.
Muitos jovens indígenas têm bom nível de estudo como graduação, mestrado e até doutorado, mas é preciso uma formação universitária que seja direcionada para o aumento da qualidade de vida nas aldeias.
Após discernirem sobre suas preocupações diante dos problemas apresentados, os jovens líderes indígenas foram iluminados, e assumiram o papel de protagonistas de suas realidades, apresentando respostas positivas as suas problemáticas, como forma de alcançarem seus objetivos e até mesmo mudarem o destino que apresentaram nos painéis iniciais. Assumindo assim, responsabilidades, tomando decisões e buscando ativamente soluções para os problemas de sua aldeia.
“Mesmo com dificuldades e problemas semelhantes, os jovens líderes indígenas vivem em comunidades católicas e são engajados em pastorais, grupos, movimentos, trazem consigo uma grande sensibilidade, um grande potencial e uma imenso riqueza humana, cultural, religiosa, psicológica, e esse encontro favoreceu a interação, a partilha, o reforço de convicções, de valores, de virtudes. Eles são portadores de grandes inquietudes e sonhos. É preciso uma atenção evangelizadora pedagogicamente atenciosa para com os jovens indígenas, tendo um honesto senso de responsabilidade para com o porvir da missão da Igreja nas aldeias indígenas, pois somos cada vez mais menos. Esse evento foi muito relevante porque nós sonhamos juntos a construção dele e certamente trará bons frutos; também os jovens falaram dimensão vocacional que precisa de atenção nas aldeias; eles querem continuar no catolicismo, percebem nossa atenção e por isso, certamente no porvir teremos muitos religiosos(a), padres e, quem sabe, bispos indígenas”, falou Dom Antônio de Assis.
“Ser indígena católico é enriquecedor, porque a fé que assumi, são de meus pais, de meus ancestrais. É uma integração de uma única visão e acredito em uma única espiritualidade, um único Deus. E tudo isso reflete na minha formação pessoal, na minha identidade, do que eu sou hoje. E é muito desafiador isso porque nos perguntam como é ser indígena e professar uma fé que não é nossa, que geralmente é dada como algo imposta. Só que quando refletimos a perspectiva da fé, enxerga-se a união de duas coisas, que é acreditar na criação, no Criador. E é o que acredito. Sou indígena, acredito na criação de todas as coisas que nos fortalece, que fortalece o espírito, que fortalece o corpo. O criador que criou todas as coisas também nos criou. Deus é o criador”, disse o jovem líder Glauber Wiyampo Tiriyó.
A jovem Juruna / Yudja Luane Alice, proveniente de comunidade da área pastoral da Diocese de Xingu Altamira, explicou que não há problema em ser indígena católico “minha cultura e minha fé se unem de forma harmoniosa. Valorizo a natureza, a comunidade e a união de todos, e busco viver minha fé de forma autêntica. É um desafio, mas também é uma boa oportunidade para crescer e servir”, contou Luane.
“Jesus Cristo é o nosso único Salvador”, disse Murilo Juruna, de Vitória do Xingu, comunidade da Diocese de Xingu Altamira, que também crê na espiritualidade ancestral, nos antepassados. “Sem a questão do preconceito, sem deixar de lado a nossa cultura, mas também caminhando junto, a juventude indígena crê que o evangelho católico em si, não é só uma mistura de crenças, mas também tem a questão da tradição que a gente carrega no dia a dia da nossa família, dos nossos antepassados. Queremos ter conhecimento e estar caminhando junto com a Igreja Católica, mesmo que as vezes seja cansativo, por estarmos à frente de alguns movimentos católicos”.
Diante das realidades apresentadas, e das propostas idealizadas, padre Antônio Gomes, assessor da Comissão Episcopal para a Juventude da CNBB, enxergou os primeiros passos para a criação da Pastoral Juvenil Indígena. “Ter estado reunido em Santarém no primeiro encontro de líderes Jovens indígenas católicos da região do Pará e do Amapá, foi marcante e bonito. Um passo significativo num processo de uma articulação para uma pastoral juvenil indígena, é o que desejamos. Dentro do contexto foi escolhido o jovem Gustavo Xipaya, que será o primeiro jovem indígena a compor a Coordenação Nacional da Pastoral Juvenil da CNBB. E a nossa esperança é que desse encontro, possam brotar outros encontros Brasil afora, onde as nações dos povos indígenas também possam se reconhecer na caminhada, fazendo um caminho na dignidade de suas culturas e num colóquio profundo com a mensagem do Evangelho de Cristo entre eles”, concluiu o assessor da CNBB.