No Fórum Globsec 2025 sobre a construção da paz global realizado em Praga, o Secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais voltou a falar da necessidade de uma paz não forjada com armas, nem garantida por ameaças ou dissuasões, mas apoiada pela justiça e enraizada na dignidade de cada ser humano.
Federico Piana – Vatican News
“O nosso mundo está numa encruzilhada. A guerra na Ucrânia destruiu a ilusão de que a paz na Europa é permanente. A Terra Santa está sangrando. Síria, Iêmen, Sahel: muitos lugares permanecem presos em ciclos de violência e desespero.” Foi o que disse o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário da Santa Sé para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, na última sexta-feira em seu discurso no Fórum Globsec 2025 realizado, em Praga, na República Tcheca, e que se concluiu no sábado, 14 de janeiro, ao fazer uma análise objetiva e dolorosa do destino do mundo hoje.
Curar a Memória
Diante de uma plateia de líderes mundiais, inovadores e agentes de metamorfose convocados a refletir sobre os desafios mais urgentes e sobre as estratégias e dinâmicas para construir um porvir global melhor, Gallagher lembrou como esses conflitos em curso demonstram que a diplomacia, a política internacional, os acordos econômicos e até mesmo as estruturas institucionais não são suficientes: “A paz exige mais do que governança; exige uma visão ética e a metamorfose dos corações. O mundo quer não apenas o fim da violência, mas também a cura da memória, a restauração das relações e a restauração da esperança. E é aqui que a religião deve intervir, não como concorrente da diplomacia, da política ou das estruturas da sociedade, mas como sua alma.”
O amor, antes de tudo
Por isso, logo no início de seu discurso, o arcebispo citou as palavras sobre a paz de Cristo Ressuscitado, uma paz desarmada e desarmadora, humilde e perseverante, pronunciadas por Leão XIV na noite de sua eleição, há pouco mais de um mês, olhando do balcão central da Basílica de São Pedro: “Esta saudação”, explicou Gallagher, “simples, mas profunda, capta o cerne da visão da Santa Sé: uma paz não forjada com armas, nem garantida por ameaças ou dissuasões, mas nascida do amor, sustentada pela justiça e enraizada na dignidade de cada ser humano. Uma paz verdadeiramente católica, no sentido original da palavra katholikós, que significa universal.”
Relações justas
A visão católica de paz, portanto, para o secretário da Santa Sé para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, implica o fato de que a «Igreja entende a paz não apenas como a ausência de guerra, mas como a presença de relações justas, o que ela chama de um empreendimento de justiça. Desde a época da Grande Guerra até hoje, os ensinamentos papais têm constantemente clamado por uma paz baseada não na conquista, mas na justiça, fundada na verdade, na caridade, na liberdade e na dignidade inviolável da pessoa humana como sua pedra angular». E então a verdadeira paz deve trilhar o caminho do desenvolvimento humano integral, porque «a guerra é, em última análise, um fracasso da política e da humanidade».
A religião não distorce
No cerne de seu discurso, Gallagher também respondeu a uma objeção muito popular no mundo moderno e que, infelizmente, por vezes, encontrou aparente confirmação na história: a de que a religião causou divisões: «Mas, como nos lembrou o Papa Francisco, não é a religião em si, mas a sua distorção, que leva à violência. A religião, devidamente entendida, liga — religare, legare — unindo o homem a Deus e os indivíduos entre si. Não apela à coerção, mas à consciência, não à vingança, mas ao perdão. O coração humano, como escreveu Santo Agostinho, é inquieto enquanto não repousa em Deus. E essa inquietude torna-se conflito quando a dimensão ética é negligenciada.»
Contra a dominação
Portanto, é relevante, acrescentou, reconhecer que muitos conflitos contemporâneos não podem ser compreendidos “sem reconhecer as identidades religiosas e os anseios espirituais dos povos envolvidos. A presença diplomática da Santa Sé, enraizada na credibilidade ética e não na força militar, permite-lhe falar a todas as partes, não com a lógica da dominação, mas do colóquio.
Pilares da paz
Os pilares da abordagem da Santa Sé para a paz são essencialmente quatro. O arcebispo resumiu-os da seguinte forma: “Dignidade humana: toda vida humana é sagrada. Nenhuma paz é possível se uma única vida for considerada dispensável; bem comum: a paz deve estar a serviço de todos, não apenas dos fortes, mas sobretudo dos pobres, dos deslocados, dos esquecidos; solidariedade: não somos indivíduos isolados, mas uma família humana. A paz cresce pela interdependência; desenvolvimento humano integral: como afirmou o Papa Paulo VI, “desenvolvimento é o novo nome da paz”. Mas não qualquer desenvolvimento: deve ser integral, envolvendo todas as dimensões da pessoa humana e todos os povos da Terra”.