Há dez anos, a morte do pequeno Alan Kurdi, naquela foto, o naufrágio da civilização

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O corpo da criança de apenas três anos foi encontrado nas praias turcas, devolvido pelo mesmo mar que também engoliu seu irmãozinho e sua mãe. Um sacrifício escandaloso que dilacerou as consciências, mas que hoje voltaram a se fechar diante dos massacres no Mediterrâneo e da incapacidade da Europa de administrar o fenômeno migratório com humanidade.

Gaetano Vallini – Vatican News

Há imagens tão fortes que ficam gravadas na mente e no coração. Você se lembra delas com nitidez mesmo depois de muito tempo. Como a do pequeno Alan Kurdi, de apenas três anos, refugiado sírio em fuga com a família, cujo corpinho sem vida foi encontrado na praia de Bodrum, na Turquia. Era 2 de setembro de 2015 e, naquele naufrágio, morreram outras 11 pessoas, entre elas o irmãozinho de Alan, Ghalib, de cinco anos, e a mãe, Rehanna. A foto que mostrava o corpinho deitado de barriga para baixo, embalado pela maré, quase como se estivesse dormindo, logo apareceu nos sites de notícias de todo o mundo e, no dia seguinte, nas primeiras páginas dos jornais.

Como era de se esperar, a imagem, tirada por Nilufer Demir, provocou uma onda de comoção e indignação. Aquela morte escandalosa deu início a um processo que oscilava entre a exaltação coletiva da mídia, amplificada pela velocidade da internet, e a manifestação intensa e pessoal de compaixão.

Afinal, ao publicar aquela foto, esperava-se que as consciências acostumadas às notícias contínuas de naufrágios com mortos e desaparecidos fossem abaladas. E que esse abalo chegasse também àqueles que tinham a responsabilidade de gerenciar o fenômeno migratório, para que, em um surto de humanidade, deixassem de lado as instrumentalizações propagandísticas e agissem para impedir as matanças.

E, de imediato, algo realmente se moveu. Mas durou pouco. A “Fortaleza Europa” logo voltou a fechar as portas, a erguer novos muros; até mesmo através da externalização das fronteiras. Dez anos depois, observamos novamente aquela foto comovente de Alan. O coração ainda se aperta e, se possível, dói ainda mais. Porque agora estamos desiludidos. Sua morte não mudou nada.

A comoção, a consternação e a indignação não se transformaram em um movimento capaz de influenciar a política. Cujas restrições, aliás, não impediram as partidas para a Europa e as tragédias. Desde 2014, mais de 30 mil pessoas morreram no Mar Mediterrâneo, entre elas muitas crianças.

A habituação retomou, portanto, o domínio das consciências, salvo breves sobressaltos (como no caso do massacre de Cutro), e o medo do estrangeiro, alimentado pelos populismos, voltou a ditar a agenda política. E assim, a foto de Alan, símbolo das tragédias do Mediterrâneo que deveriam ter sido evitadas, torna-se hoje ícone de um fracasso. Ela nos lembra o naufrágio vergonhoso de nossa civilização.

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