No Mali, continuam os protestos contra a violência de grupos jihadistas ligados ao Al-Qaeda e ao Estado Eslâmico. Um país que sofre pela corrupção e pela estagnação econômica. Para o analista Marco Di Liddo, as repercussões do coronavírus agravaram a situação de toda a população
Giada Aquilino – Vatican News
A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas), está realizando em Bamako, capital do Mali, uma missão com o objetivo de dissipar a grave crise política do país. As oposições foram às ruas para protestar contra o presidente Ibrahim Boubacar Keïta e seu governo marcado pela corrupção e estagnação econômica.
A antítese ao presidente Keïta
A aliança que pede a renúncia do presidente, é guiada pelo imame Mahmoud Dicko, que recusou a proposta de um confronto com Keita por considerá-lo incapaz de enfrentar a violência étnica, a de grupos armados e aos ataques sempre mais frequentes de milicianos jihadistas no norte do país ligados ao al-Qaeda e Estado Islâmico.
O coronavírus
Com a emergência da Covid-19, que em Mali já registrou mais de 1.900 casos e 107 mortes, o analista do Centro de Estudos Internacionais (CeSi) Marco Di Liddo chama a atenção para a “emergência humanitária profunda” que passa o país.
A entrevista:
Marco Di Liddo: Atualmente há mais de 4 milhões de pessoas no Mali em estado de profunda emergência humanitária: são pessoas que não têm acesso aos serviços básicos, que sofrem de desnutrição e que lutam com as adversidades de uma guerra que dura desde 2012 e um clima cada vez mais feroz. Esta situação impede o desenvolvimento de atividades econômicas de forma adequada em todo o país. Baseando-se nesta emergência, os que lucram são as milícias étnicas e os movimentos jihadistas que capitalizam o descontentamento, explorando a raiva popular e transformando-a em violência. A situação da segurança é muito grave, pois o país não se mostra capaz de deter a violência dos movimentos jihadistas, muito menos de construir um colóquio pacífico e efetivo com todas as componentes étnicas, a começar pelos tuaregues e pelos fulanis, que gostariam de uma reforma do sistema.
Quais são os interesses nas regiões atingidas pelas violências das milícias jihadistas?
Marco Di Liddo: A pacificação do Sahel é um ponto fundamental em muitos aspectos. O primeiro, no que diz respeito ao interesse comum de europeus e africanos, que é acabar com o terrorismo e com a insurgência étnica que dificulta qualquer tipo de estabilização da região e a promoção de programas de melhoria econômica e humanitária. Em segundo lugar, há interesse em deter a dinâmica da migração ilegal, que não é apenas uma questão política para a Europa, mas um problema de segurança para os países do Sahel, pois aumenta o fluxo de dinheiro disponível para as redes criminosas e terroristas. Além disso, não devemos esquecer que os países do Sahel possuem recursos minerais, como terras raras, ouro e, em alguns casos, até depósitos de hidrocarbonetos.
Numa época de emergência do coronavírus, por que agora, em Mali, manifestações tão maciças contra o presidente?
Marco Di Liddo: O Presidente é acusado de não ter dado respostas adequadas aos problemas acima mencionados e também de uma gestão personalista e individualista dos assuntos públicos. Infelizmente este é um mal do qual vários presidentes africanos são acusados. É claro que o coronavírus, com seus impactos econômicos, tem deixado a população mais indignada, pois afetou a economia, empobreceu especialmente o setor agrícola: 70% da força de trabalho maliense é empregada na agricultura. Com as medidas de fechamento, os trabalhadores rurais, os trabalhadores do primeiro setor ficaram sem renda e, portanto, a raiva popular tem se tornado cada vez maior.
Por quem é liderada a aliança de antítese, que pede a demissão do chefe de Estado?
Marco Di Liddo: A figura que emergiu com maior vigor é o Imame Mahmoud Dicko, um religioso muito célebre no país: ele vem de Timbuktu, no norte, e foi o chefe da maior mesquita de Bamako, o principal local de culto em Mali. Ele é um homem de longa experiência política: no passado ele apoiou a candidatura de Keïta como presidente, mas depois se distanciou dela. Hoje, ele lidera a antítese e, sobretudo, no plano internacional, é conhecido como o principal “advogado” na linha de colóquio com os movimentos jihadistas: defende que para resolver a crise no Mali, é preciso criar uma mesa para conversar com esses insurgentes, com esses movimentos radicais.