Na Turquia siríaca, a história de Seydi, caminho para a paz

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A última das reportagens realizadas com a associação Amigos do Oriente Médio na fronteira com a Síria e o Iraque. A história de uma mulher que emigrou para a Suíça e retornou a Idil, seu povoado natal semidestruído, onde trabalha para promover a região e de onde leva ajuda humanitária a refugiados de povos vizinhos: “Durante anos, não frequentei mais a Igreja, rebelei-me por causa do sofrimento do meu povo. Depois, redescobri a fé que agora me leva a visitar os perseguidos.”

Antonella Palermo – Nusaybin, Idil

“Proteger e promover o Oriente cristão, especialmente na diáspora (Leão XIV, Jubileu das Igrejas Orientais, 14 de maio de 2025)”

Viajar pela Rota da Seda imaginando histórias de missionários, mercadores e exploradores que chegavam ao Extremo Oriente é uma viagem pela história milenar de terras com um sabor mítico. A fertilidade proverbial, a riqueza cultural inestimável e a posição geopolítica estratégica representaram, no entanto, em muitos casos, um catalisador de desejos predatórios externos, uma fonte de danos estratificados no decorrer dos séculos. 

“Quando as guerras do Golfo se associaram ao radicalismo religioso, quem pagou o preço foram as minorias”, explica dom Paolo Bizzeti SJ, ex-vigário apostólico da Anatólia e ainda presidente da Caritas Anatolia. Os que mais sofreram foram os cristãos, que emigraram principalmente para a Europa, tanto que muitos povoados foram esvaziados de sua presença. Nos últimos tempos, tem havido um retorno progressivo, acompanhado por um aumento do turismo também na Turquia siríaca, que até cerca de dez anos atrás era quase completamente desconhecida. Também sob esse aspecto, não se pode ignorar a ambivalência de um fenômeno que, se em algumas partes ainda é embrionário e harmonioso, em outras cria um impacto desordenado.

A Guerra da Água

 

A agricultura constitui a força motriz da economia turca, mesmo na região siríaca; as represas no Eufrates proporcionaram a disponibilidade de muita água para o cultivo de pistache, cevada, trigo e algodão. Construções que, se por um lado fortaleceram as atividades produtivas, por outro, exacerbaram a guerra pela água, que já dura trinta anos com os vizinhos Iraque e Síria. À custa desses povos, de fato, foi gerada a riqueza trazida pelo desenvolvimento neoliberal que se seguiu à guerra com os curdos. Assim, a área de fronteira atravessada pelo rio, bastante seca, está atualmente repleta de vegetação plantada recentemente.

De ônibus, seguimos além de Midin – onde o grupo é recebido por um pároco em um bonito salão paroquial –, em direção a Cizre, para chegar a Idil (Beth Zabday, Azekh), bem perto da fronteira. No norte da Mesopotâmia, no século IV, a região ostentava o papel de relevante bacia de difusão da literatura siríaca de Edessa. Havia quilômetros e quilômetros de pomares, jardins, ruas arborizadas e casas particulares. Tudo foi destruído pela guerra entre turcos e curdos. “Havia muitos vinhedos, nada faltava. Um pequeno paraíso”, explicam os moradores locais.

Homs (Síria), distribuição de leite para cem crianças, de 1 a 4 anos, na creche Sadad

Homs (Síria), distribuição de leite para cem crianças, de 1 a 4 anos, na creche Sadad

Restaurar igrejas, laços, territórios

 

Seydi Gösteris, uma mulher que transborda energia e simpatia, um vulcão de empreendedorismo e generosidade, relata com pesar os acontecimentos desta cidade, que hoje conta com trinta mil habitantes, trinta dos quais cristãos. Uma longa amizade a liga à associação Amigos do Oriente Médio. Ela relembra o destino da primeira igreja, construída em 57 d.C., que, segundo a tradição popular, foi um local de passagem para Maria (mãe de Jesus), São João (o evangelista), Maria Madalena e Tadeu.

Em 1915, a cidade resistiu a quarenta dias de cerco pelas tropas turcas, que acabaram indo embora, evitando assim o extermínio que se abateu sobre muitos outros cristãos dos povoados vizinhos. Conforme relatado no guia “Igrejas e mosteiros de tradição siríaca” (Bizzeti-Chialà, Edições TS, 2024), um oficial alemão, a soldo dos otomanos, converteu-se (e mais tarde tornou-se sacerdote na Alemanha), presenciando uma aparição da Virgem Maria, que protegia a cidade com seu manto, repelindo os tiros do exército.

Na década de 1980, Idil foi quase completamente arrasada pelo exército turco que lutava contra os curdos. Do antigo enclave, que era inteiramente cristão até cinquenta anos atrás, restam apenas algumas igrejas, mas a comunidade está viva e também construiu uma lar de hóspedes para peregrinos e visitantes cristãos, imersa em um pequeno e bonito jardim. As igrejas da cidade foram quase todas restauradas por cristãos na diáspora ou que retornaram para viver nos lugares de onde seus avós e pais fugiram. A visita é possível graças à agência aberta por Seydi e Medina, que se preocupam com o conhecimento desses preciosos locais e que organizaram os serviços terrestres da peregrinação.

Redescobrindo a Fé

 

É aqui, em uma igreja transformada em caserna entre 1940 e 1947, que Seydi conversa amigavelmente com o grupo liderado por dom Bizzeti, entre memórias de infância e impulsos para o porvir. Nascida em Idil, emigrou para a Suíça em 1975. Sua educação católica não lhe serviu de consolação diante da lembrança dos massacres cujas feridas ainda impreganavam esses lugares:

“Eu não queria mais saber de religião. Elas nos fizeram muito mal. Culpei Deus por não nos ter protegido. Eu me rebelei e não queria mais que ninguém me dissesse para ir à igreja.”

Em 1995, ela testemunhou o que considerou um evento milagroso: a cura de sua mãe de uma doença debilitante: “Eu disse a Jesus: Eu confio em ti! Comecei a chorar, não sabia mais como rezar. Eu não ia à igreja havia 13 anos. Não sei o que aconteceu comigo, mas senti o Espírito Santo descendo sobre mim com Seu amor e minha mãe, que estava condenada, levantou-sem curada, sem que os médicos pudessem explicar o que havia acontecido. Ela havia me ensinado os salmos, os louvores, todas as orações. Naquele momento, eu realmente me converti e, a partir daquele momento, o Senhor colocou em meu coração a vontade de retornar ao lugar onde nasci”.

Documentar a guerra no Iraque

 

Era 2008 quando Seydi decidiu retornar, começando do zero, com muito pouco dinheiro para investir na construção de uma nova lar: “Os três primeiros anos foram muito difíceis. Eu não sabia exatamente o que faria a longo prazo”. A Providência veio em seu auxílio de maneiras completamente inesperadas, o que fortaleceu ainda mais seu temperamento já muito determinado.

No Mosteiro do Salvador (junto aos Jesuítas de Homs), animação para crianças abandonadas (cerca de 70 crianças com 30 animadores)

No Mosteiro do Salvador (junto aos Jesuítas de Homs), animação para crianças abandonadas (cerca de 70 crianças com 30 animadores)

No entanto, sua ligação com a Suíça nunca foi interrompida, antes pelo contrário. Ao longo dos anos, foi alimentada por novos projetos sociais que se entrelaçam com sua atividade como guia turística, que ela nunca abandonou. Ela já trazia grupos periodicamente de Lugano para cá, desafiando a constatação de que, da década de 1980 até 2010, quase ninguém mais vinha.

Seu conhecimento de idiomas e alguns encontros fortuitos a ajudaram a criar sinergias com jornalistas interessados ​​em fazer um documentário no Iraque. Em 2012, ela participou, com uma TV ale mã, de uma produção sobre cristãos no Iraque, Turquia e Síria. Oportunidades que a levaram a se concentrar cada vez mais no que se tornaria uma verdadeira missão para ela.

“Era a época da guerra civil no Iraque. Víamos na televisão muitas crianças fugindo de suas casas nas montanhas. Senti vontade de ir e, em duas horas, encontrei um ônibus indo para lá, onde, aliás, eu era correspondente junto com um jornalista do Le Monde. Viajamos por todo o norte do país por duas semanas até Kirkuk. De 2014 a 2018, ajudamos essas pessoas que haviam perdido tudo.”

A coragem de uma mulher

 

Seydi se organiza para arrecadar fundos com a ajuda da associação Il Giardino dei Bambini, sediada na Suíça e da qual atualmente é delegada para o Oriente Médio. O primeiro caminhão transporta 22 toneladas de material para ajuda humanitária a ser entregue, passando por Idil, ao povo yazidi, cristãos e outras minorias que se refugiaram no norte do Iraque após os massacres do ISIS. Uma tarefa gigantesca, realizada por uma mulher, sozinha.

Ela enfrenta longas filas na alfândega, mas por fim, o caminhão consegue passar. A partir daquele momento, ela conseguiu ingressar repetidamente no Iraque e na Síria com medicamentos e doações. “O Senhor me dá a vontade e a coragem”, diz ela enquanto recebe o grupo de peregrinos em sua lar com uma boa xícara de café. Sua tenacidade não parou desde então: por mais de onze anos, Seydi continua seu trabalho também no Líbano. “Somos totalmente voluntários. Se formos, contribuímos com nossas próprias despesas. Trabalhamos por meio da Igreja Católica, da Igreja Ortodoxa e de associações locais”, explica.

Mosteiro do Salvador, em Homs

Mosteiro do Salvador, em Homs

Ajuda aos refugiados e crianças sírias

 

“Graças a Deus e a todos os doadores, conseguimos distribuir bens de primeira necessidade a mais de 2.500 famílias, realizamos mais de duzentos projetos, reformamos escolas, oratórios, hospitais, casas de repouso, abrimos alfaiatarias e lanchonetes no Iraque e na Síria. Criamos um centro para centenas de crianças abandonadas em Aleppo, em colaboração com a Fundação Sant’Efrem. Durante minha última viagem, em maio passado – recorda ela –, vi que a condição das crianças piorou muito nas grandes cidades, como Homs, Aleppo, Damasco, Latakia e Tartus. Esperamos poder abrir mais dois centros, um em Homs e outro em Latakia.”

Em sua viagem, ela também visitou a região costeira, onde ouviu histórias difíceis para as minorias, especialmente alauítas, drusos e cristãos.

Os peregrinos também contribuíram com uma coleta improvisada que serviu para comprar, como Jean-François Thiry, da associação Pro Terra Sancta, material escolar e roupas para as crianças da província de Idlib, na aldeia de Knaje, relatou posteriormente.

Em Nusaybin, a esperança de uma luz

 

Vêm à mente as palavras do bispo sírio-ortodoxo Filiksinos Saliba Özmen, encontrado em Mardin, cujo olhar para a vizinha Síria não esconde apreensão: “Por enquanto, não temos grandes expectativas, mas devemos olhar com esperança. A esperança é que os sírios possam aspirar a um certo bem-estar e que os cristãos possam assumir um papel central no porvir do país; em suma, que a ponte entre o Oriente e o Ocidente seja reconstruída. Os passos que a Europa dará nessa área são muito importantes”.

Nesse meio tempo, retorna-se a Nusaybin, uma cidade na fronteira turco-síria. Com a celebração no esplêndido maior batistério do mundo, anexo à igreja de São Tiago, da qual restam apenas ruínas – e onde está sepultado o santo de Antioquia que participou do primeiro Concílio Ecumênico da história, em Niceia –, conclui-se um itinerário que revelou uma face delicada e oculta da Turquia. Um grupo de crianças na rua reconhece alguns estrangeiros, e o convite para brincar é feito. Há uma avenida arborizada, com luz de um lado e escuridão do outro.

“Mamãe nos diz para termos cuidado, para não nos aventurarmos mais distante”, dizem em inglês. Além está a Síria. Há uma parte do mundo sobre a qual, por enquanto, é permitido apenas um tímido vislumbre e que merece a luz clara de um renascimento.

Fonte

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