No dia 24 de setembro, último domingo de setembro, celebra-se o 109º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, instituído pela Igreja em 1914. O Papa Francisco escolheu como tema da sua Mensagem “Livres de escolher se migrar ou ficar” com a esperança de que “a todos será garantida a liberdade de escolher se querem migrar ou ficar”.
Cidade do Vaticano
Por ocasião do 109º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, o Padre Mauro Armanino, sacerdote da Sociedade para as Missões Africanas, de Niamey quis partilhar com a Agência Fides uma cuidadosa reflexão pessoal:
“Nunca mais. Foi o título do relatório sobre os ‘desaparecidos’ da guerra ‘suja’ na Argentina dos anos 1970. O documento em questão destacava os nomes das vítimas, o sistema organizado de encarceramento, o tipo de tortura infligida aos ‘dissidentes’ do regime militar que havia tomado o poder no País. Milhares de pessoas “desaparecidas” de lar, do trabalho, nas ruas, nas escolas ou universidades tinham um eco final e definitivo naquele referido relatório. Nunca mais (‘Nunca más’) foi o título como se se quisesse afirmar solenemente que o que acontecera não se deveria mais repetir no porvir.
Infelizmente, os desaparecidos continuam a perpetuar as listas nas fronteiras onde a mobilidade humana parece incompatível com a marcha da globalização. Dinheiro, mercadorias, jogadores de futebol, diplomatas, turistas e comerciantes podem viajar e circular livre e felizmente. Mas aqueles que nasceram “do lado errado”, como recordava uma antiga canção de Jean Jacques Goldman, estão automaticamente destinados a desaparecer e, se possível, sem deixar nenhum vestígio.
Há anos que temos vindo a testemunhar estes desaparecimentos diários de migrantes no deserto de areia e no deserto do mar. Não existe solução de continuidade entre os dois desertos porque o primeiro, o ‘originário’, encontra-se no centro do próprio sistema, criado para excluir aqueles que não nasceram ‘no lado certo‘ do mundo. Criou-se uma espécie de cumplicidade entre os processos de externalização das fronteiras europeias e as políticas dos Países do Magrebe.
Os controlos fronteiriços, as expulsões e as deportações para mais além, em pleno deserto rumo ao País de fronteira, prosperaram nos últimos anos também graças às políticas comuns de ‘colaboração’ na gestão das migrações. Os desaparecidos por vezes regressam e contam o sucedido na trincheira que separa a Argélia de Marrocos, em Oujda, e as redes metálicas instaladas em Ceuta e Melilla, ‘enclaves’ espanhóis em Marrocos, e sobretudo as formas quotidianas de morte social a que estão destinados os migrantes subsaarianos. Os seus nomes e as suas histórias nos chegam em primeira mão apenas quando estas encontram um olhar e um ouvido livre para a escuta que ‘humaniza’ aquilo que foi sistematicamente traído durante a viagem empreendida.
Nunca mais, escrevem na areia aqueles que padeceram e sofreram por causa daquilo que são e daquilo que buscam. O sistema parece incapaz de interpretar o que a mobilidade humana traz e implica como radical novidade de vida e de pensamento. Os migrantes chegam do deserto com as mãos nuas e os corações repletos de expectativas e esperanças de um mundo diferente. Fazem tudo o que podem para não desaparecer entre os fundos fiduciários confiados às grandes ONG que financiam projectos de desenvolvimento que deveriam tocar as raízes profundas das causas das migrações. Ou, em contrapartida, a formação oferecida pela Eucap Níger (uma expressão da União Europeia) para aprender a controlar melhor as fronteiras, os documentos e os tráfegos fronteiriços.
E depois, estão as políticas das autoridades de Marrocos, da Argélia, da Tunísia, sem esquecer o inferno líbio (financiado para existir e reproduzir-se) que pegam os migrantes como reféns para negociar contratos, geopolíticas e, sobretudo, ganhos financeiros extraordinários. Nunca mais, escrevem na areia os ‘exodantes‘ e aventureiros deste outro mundo que não consegue dar vida a um mundo novo.
Ela, Sadamata, chega com a sua pequena Fátima, de um ano. Nasceu na Serra Leoa e foi levada com eles para a Argélia. Viveram lá por seis meses a trabalhar até que o pai da criança foi morto e a mãe expulsa e deportada para a fronteira. Por alguns dias ela permanece como hóspede da empresa de transportes local Rimbo, em Niamey, e depois, com uma mala e uma mochila onde tem guardado a memória da sua viagem de fuga do País natal, dorme ao ar livre, na estrada.
Com o olhar meigo, ela espera que se abra uma porta para finalmente ingressar no porvir onde a sua filha, tão bonita quanto ela, poderá traçar o perfil de uma humanidade digna deste nome. Nunca mais, escreveu o relatório sobre os desaparecimentos na Argentina. Nunca mais, apenas sussurrou a pequena Fátima, nos braços de sua mãe – com a Agência Fides.