“À luz Pascal, o culto dos Santos, que são a imagem mais verdadeira e perfeita do que é o evento de Cristo morto e ressuscitado, como participantes da plenitude da Redenção, pela qual a Igreja, celebrando todos os anos e o ‘dia Natalício’ dos Santos, celebra e renova neles o cumprimento do Mistério Pascal do Senhor”, conforme aponta a Sacrosanctum Concilium.
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
“A Igreja desempenha a missão que lhe foi confiada pelo Divino Mestre de ser instrumento de santidade por meio dos caminhos da evangelização, dos sacramentos e da prática da caridade. Esta missão recebe também uma notável contribuição de conteúdos e de estímulos espirituais da proclamação dos beatos e dos santos, porque eles mostram que a santidade é acessível às multidões, que a santidade é imitável. Com a sua concretude pessoal e histórica fazem-nos experimentar que o Evangelho e a vida nova em Cristo não são uma utopia ou um mero sistema de valores, mas são “fermento” e “sal” capazes de fazer viver a fé cristã dentro e a partir de dentro das diferentes culturas, áreas geográficas e épocas históricas (…). O fenômeno dos santos e da santidade cristã cria um estupor que nunca faltou na vida da Igreja e que não pode deixar de surpreender mesmo um observador leigo atento, sobretudo hoje, em um mundo que muda contínua e rapidamente, em um mundo culturalmente fragmentado, quer em termos de valores quanto de costumes.”
Com essas palavras do prefeito emérito da então Congregação para as Causas dos Santos, cardeal José Saraiva Martins, extraídas do texto “O significado dos Santos hoje em um mundo que se transforma”, introduzimos o programa de hoje do Pe. Gerson Schmidt*, intitulado “O culto dos Santos na perspectiva do Mistério Pascal”:
“O monsenhor Annibale Bugnini (1912-1982) fez um papel importante na implantação da reforma litúrgica do Concilio Vaticano II. Em seu livro “A Reforma Litúrgica”, editada recentemente em português por três editoras brasileiras, afirma a centralidade do mistério Pascal. Afirma assim Bugnini: “Depois de ter recordado que o Concílio Vaticano II colocou o Mistério Pascal no centro das celebrações litúrgicas anuais, o Motu proprio lembra a obra litúrgica de Pio X e de João XIII visando a devolver vitalidade e proeminência ao Domingo e as reformas litúrgicas de Pio XII conduzir ao antigo esplendor a Vigília Pascal: todos os elementos que encaminharam progressivamente para Nova estruturação do ano litúrgico, partindo da base tradicional”[1].
Assim escrevia Mons. Annibale Bugnini, comentando a Renovação Litúrgica do Papa Paulo VI, que aconteceu pós-Concílio: “Dessa renovação, não podia ficar de fora o culto de Nossa Senhora e dos santos, estritamente ligados ao mistério Pascal de Cristo. O documento conclui estabelecendo que o novo calendário entre em vigor dia 1º de janeiro de 1970, de acordo com as normas que serão emanadas da Congregação dos Ritos”[2]. Nenhuma liturgia de qualquer santo poderá ter proeminência sobre o Dies Domini, o Dia do Senhor. É logico que o santo padroeiro da localidade será comemorado normalmente num domingo, possibilitando a participação do Povo de Deus.
Apontamos que cada mistério litúrgico é interligado um ao outro, tendo o Mistério Pascal como vínculo de todos os outros. Se o Mistério Pascal é o eixo integrador, assim também se entenda o culto de Maria e dos Santos. Por isso, a Sacrosanctum Concilium, fala desta forma de Maria: “Na celebração deste ciclo anual dos mistérios de Cristo, a santa Igreja venera com especial amor, porque indissoluvelmente unida à obra de salvação do seu Filho, a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, em quem vê e exalta o mais excelso fruto da Redenção, em quem contempla, qual imagem puríssima, o que ela, toda ela, com alegria deseja e espera ser” (SC, 103.). Diz assim, logo em seguida, a Constituição sobre a liturgia e sobre o calendário dos santos: “Ao celebrar o «dies natalis» (dia da morte e nascimento para a Vida Eterna) dos Santos, proclama o mistério pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propõe aos fiéis os seus exemplos, que conduzem os homens ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus” (SC, 104). E com clareza aponta assim no número 108 da SC: “Oriente-se o espírito dos fiéis em primeiro lugar para as festas do Senhor, as quais celebram durante o ano os mistérios da salvação e, para que o ciclo destes mistérios possa ser celebrado no modo devido e na sua totalidade, dê-se ao Próprio do Tempo o lugar que lhe convém, de preferência sobre as festas dos Santos”. As festas dos santos, diz o Concilio, não podem prevalecer sobre as festas principais do Mistério de Cristo e da nossa salvação. Muitas dessas festas devem ser deixadas para as Igrejas Particulares, Nação ou Família Religiosa (cf. SC, 111).
Descreve o subsídio do Dicastério para a Evangelização, preparativa para o Jubileu de 2025, partindo do acontecimento pascal: “À luz Pascal, o culto dos Santos, que são a imagem mais verdadeira e perfeita do que é o evento de Cristo morto e ressuscitado, como participantes da plenitude da Redenção, pela qual a Igreja, celebrando todos os anos e o ‘dia Natalício’ dos Santos, celebra e renova neles o cumprimento do Mistério Pascal do Senhor” – conforme aponta a Sacrosanctum Concilium n. 111. Diz assim a declaração textual da SC: “A Igreja, segundo a tradição, venera os Santos e as suas relíquias autênticas, bem como as suas imagens. É que as festas dos Santos proclamam as grandes obras de Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis os bons exemplos a imitar”. Os santos proclamam por sua vida e obras e a ação salvífica de Cristo. Por nada que em muitos santos, a confirmação da santidade se deu por meio dos estigmas, os sinais da Paixão de Cristo sofrida por nosso amor. “A comunidade cristã peregrina na terra e a caminho da Jerusalém Celeste, é sustentada pela intercessão dos Santos, cuja vida resplandece no tempo como continuação ou memória contínua da vida de Cristo”[3].
A renovação litúrgica já estava acontecendo antes mesmo da convocação do Concílio Vaticano II. O santoral já estava sendo revisado. O italiano Giuseppe Midili, carmelita e professor de pastoral litúrgica, escreve assim no caderno do Concílio de número 12, em preparação ao Jubileu 2025, sobre as reformas: “A prova disso ocorreu em 18 de junho de 1959, quando a comissão antepreparatória enviou aos bispos e às Universidades pontifícias um pedido “animadversiones, concilia et vota” sobre os temas a serem tratados no Concílio. Muitos bispos escreveram sobre o tema do domingo, recomendando que sua posição de destaque fosse recuperada e que o santoral fosse reduzido, para que este não prevalecesse sobre o próprio do tempo”[4].”
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] BUGNINI, Annibale. A Reforma Litúrgica (1948-1975). Paulus, Paulinas, Loyola, 2018, p. 278.
[3] Cadernos do Concílio, Jubileu 2025, n.13. Os tempos fortes do Ano Litúrgico, Edições CNBB, p. 52-53.
[4] Cadernos do Concílio, Jubileu 2025, n.12. O Domingo, Edições CNBB, p. 16.