“Antes ainda de fazer coisas, o salesiano é recordação viva de uma presença em que a disponibilidade, a escuta, a felicidade e a dedicação são as notas essenciais para suscitar processos. A gratuidade da presença salva a Congregação de toda obsessão ativista e de todo reducionismo técnico-funcional. O primeiro chamado é o de ser uma presença alegre e gratuita no meio dos jovens”, afirma
Raimundo de Lima – Cidade do Vaticano
“Saúdo-os com afeto e agradeço a Deus por poder, mesmo à distância, partilhar com vocês um momento do caminho que estão percorrendo”: são palavras do Papa Francisco em mensagem aos participantes do 28º Capítulo Geral dos Salesianos, em andamento em Valdocco, em Turim, noroeste da Itália.
Na missiva – lida em 5 de março, publicada esta sexta-feira, dia 13 –, o Santo Padre diz ser significativo que, após algumas décadas, “a Providência os tenha levado a celebrar o Capítulo Geral em Valdocco – o lugar da memória – onde o sonho fundador se concretizou e deu os primeiros passos”.
“Estou certo de que o fragor e o vociferar será a melhor música, a mais eficaz para que o Espírito Santo reavive o dom carismático do fundador de vocês”, afirma, convidando-os a não fechar as janelas a este rumor de fundo. “Deixe que os acompanhe e que os mantenha inquietos e intrépidos no discernimento; e permitam que essas vozes e esses cantos, por sua vez, evoquem em vocês os rostos de tantos outros jovens que, por várias razões, se encontram como ovelhas sem pastor.”
“Esse fragor e essa inquietação os manterão atentos e vigilantes diante de qualquer tipo de anestesia imposta a si mesmos e os ajudarão a permanecer numa fidelidade criativa à identidade salesiana de vocês”, lê-se na mensagem.
Reavivar o dom que receberam
Na ampla missiva, articulada em cinco tópicos, o Pontífice ressalta que pensar a figura de salesiano para os jovens de hoje implica aceitar que estamos imersos num momento de mudanças, com tudo aquilo que isso gera de incertezas e que ninguém pode dizer com segurança e precisão o que acontecerá no porvir próximo a nível social, econômico, educacional e cultural.
“Tal perspectiva se acentua ainda mais pelo fato que as obras de vocês são orientadas de modo particular ao mundo juvenil que em si mesmo é um mundo em movimento e em contínua metamorfose”, evidencia. O Papa destaca a necessidade de uma dúplice docilidade: “docilidade aos jovens e às suas exigências e docilidade ao Espírito e a tudo aquilo que Ele queira transformar”.
Em tempos de mudanças, exorta, faz bem ater-se às palavras de São Paulo a Timóteo: Por este motivo, eu te exorto a reavivar o dom de Deus que há em ti pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sobriedade” (1 Tm 16-7).
A “opção Valdocco” é o dom dos jovens
O Oratório salesiano e tudo aquilo que surge a partir dele, como conta a biografia do Oratório, nasce como resposta à vida de jovens com um rosto e uma história, que colocou em movimento aquele jovem sacerdote incapaz de permanecer neutral ou imóvel diante do que acontecia, afirma o Santo Padre. “Dom Bosco não somente não faz a escolha de separar-se do mundo para buscar a santidade, mas se deixa interpelar e escolher como e qual mundo habitar”, acrescenta.
Escolhendo e acolhendo o mundo das crianças e dos jovens abandonados, sem trabalho nem formação, diz ainda, “permitiu-lhes experimentar de modo tangível a paternidade de Deus e lhes forneceu instrumentos para contar a vida e a história deles à luz de um amor incondicionado. Eles, por sua vez, ajudaram a Igreja a reencontrar-se com a sua missão: “A pedra que os construtores descartaram tornou-se a pedra angular” (Sal 118,22).
A “opção Valdocco” e o carisma da presença
Francisco encoraja-os a continuar esforçando-se para fazer de suas casas um “laboratório eclesial” capaz de reconhecer, apreciar, estimular e encorajar os diferentes chamados e missões na Igreja.
“Antes ainda de fazer coisas, o salesiano é recordação viva de uma presença em que a disponibilidade, a escuta, a felicidade e a dedicação são as notas essenciais para suscitar processos. A gratuidade da presença salva a Congregação de toda obsessão ativista e de todo reducionismo técnico-funcional. O primeiro chamado é o de ser uma presença alegre e gratuita no meio dos jovens”, precisa o Santo Padre.
A “opção Valdocco” na pluralidade das línguas
Após ressaltar que a presença universal da família salesiana é um estímulo e um convite a custodiar e a preservar a riqueza de muitas das culturas em que se encontram imersos sem buscar “homologá-las”, Francisco reitera que “o salesiano é chamado a falar na língua materna de cada cultura em que se encontra.
“A unidade e a comunhão da família de vocês é capaz de assumir e aceitar todas essas diferenças, que podem enriquecer o corpo inteiro numa sinergia de comunicação e interação onde cada um possa oferecer o melhor de si para o bem de todo o corpo.” Desse modo, diz ainda, “a salesianidade, distante de perder-se na uniformidade das tonalidades, adquirirá uma expressão mais bonita e atrativa… saberá expressar-se ‘em dialeto’”.
A “opção Valdocco” e a capacidade de sonhar
Um dos “gêneros literários” de Dom Bosco era os sonhos. “Com eles o Senhor abriu caminho em sua vida e na vida de toda a Congregação de vocês alargando a imaginação do possível. Os sonhos, distante de mantê-lo adormentado, ajudaram-no, como se deu com São José, a assumir outro patamar, e outra medida da vida, que nascem das vísceras da compaixão de Deus. Era possível viver concretamente o Evangelho.” Dom Bosco “sonhou isso e lhe deu forma no oratório”, recorda.
Francisco convida-os a sonhar grande. “Saibam que o mais lhes será dado por acréscimo. Sonhem casas abertas, fecundas e evangelizadoras, capazes de permitir ao Senhor mostrar a muitos jovens seu amor incondicionado e permitir a vocês gozar da beleza à qual foram chamados.”
O Papa conclui exortando-os: “Sonhem… E não somente por vocês e pelo bem da Congregação, mas por todos os jovens desprovidos da força, da luz e do conforto da amizade com Jesus Cristo, desprovidos de uma comunidade de fé que os apoie, de um horizonte de sentido e de vida. Sonhem… E façam sonhar!”