As palavras fortes do Papa Francisco para o Líbano proferidas durante o Angelus deste domingo (09/08), após a dupla explosão no porto de Beirute na terça-feira passada (04/08), são uma ocasião para sublinhar o vínculo que une o País dos Cedros e a Santa Sé. Os Papas contemporâneos prestaram especial atenção ao Líbano e três deles o visitaram.
Cyprien Viet/Mariangela Jaguraba – Vatican News
O primeiro bispo de Roma a pôr os pés em solo libanês foi São Paulo VI, em 1964. Não foi uma verdadeira visita pastoral ao Líbano, mas uma simples escala técnica de uma hora a caminho do Congresso Eucarístico em Mumbai, na Índia, no âmbito de sua segunda viagem apostólica. No entanto, embora muito curta, esta escala no Aeroporto Internacional de Beirute permaneceu na memória do povo libanês, que associa 2 de dezembro de 1964 aos anos felizes do país, na época relativamente estável e próspero, chamado de “Suíça do Oriente Médio”.
As imagens de arquivo mostram uma multidão de libaneses ao redor do aeroporto, e grupos de pessoas nas varandas e janelas tentando pelo menos entrever e aplaudir o Papa. Acolhido pelo presidente da República, Charles Hélou, e pelas principais autoridades políticas e religiosas do país, Paulo VI fez um breve discurso em francês, fazendo desta viagem a continuação da viagem histórica que o tinha levado à Terra Santa em janeiro do mesmo ano. “O Líbano, temos o prazer de dizer neste local, ocupa com honra o seu lugar entre as nações”, sublinhou Paulo VI durante a sua parada em Beirute. “A sua história, a sua cultura e o caráter pacífico dos seus habitantes o fizeram adquirir, podemos dizer, consideração geral e amizade. As suas antigas e veneráveis tradições religiosas, parecem dignas do nosso elogio. Não podemos esquecer, em particular”, continuou o Papa Montini, “tudo o que a fé das populações cristãs libanesas representa para a Igreja, expressa na harmoniosa diversidade dos Ritos, na abundância e variedade das comunidades religiosas e monásticas, nas numerosas atividades de caráter apostólico, educativo, cultural ou caritativo”.
A dor de Paulo VI diante das primeiras batalhas da Guerra Civil
Infelizmente, o fim do Pontificado de Paulo VI foi marcado pelo início da guerra civil no Líbano, ou melhor, das “guerras”, no plural, pois os interesses externos chegaram a confundir e perturbar o frágil equilíbrio libanês. O Papa não cessará, até o fim de suas forças, de lançar apelos pela paz e pela proteção da população. Em 5 de julho de 1978, um mês antes de sua morte, novamente implorou aos beligerantes que assinassem um cessar-fogo ao constatar que “bombardeios pesados” tinham “atingido os bairros cristãos de Beirute, a capital, causando numerosas vítimas, mortos e feridos, provocando destruição e semeando terror entre a população sem defesa”. “Nos perguntamos, não sem angústia: quando terminará o calvário doloroso do povo libanês? Este último”, sublinhou o Papa Montini no que será um dos seus últimos discursos públicos, “olha com preocupação para o porvir uvidoso da pátria arrastada para o tumulto da violência e do ódio, que não poupa nem os seus jovens nem as suas instituições, e está minando o espírito de fraternidade dos seus filhos que outrora, e com razão, se orgulharam de ver a sua nação representada como um exemplo de colaboração pacífica aos olhos do Oriente Médio e do mundo”.
João Paulo II e sua afeição pelo povo libanês
A dor do conflito no Líbano marcou também os primeiros anos do Pontificado de São João Paulo II, cuja missa inicial, no dia 22 de outubro de 1978, na Sé de Pedro, foi celebrada na presença do então chefe de Estado libanês, Elias Sarkis. Entre as muitas intervenções de João Paulo II sobre este tema, vale a pena destacar a sua mensagem a todos os libaneses no dia 1° de maio de 1984, escrita após um encontro com os Patriarcas das Igrejas do país em comunhão com Roma. “O profundo afeto que sinto há muito tempo por este país e sua população, tão provada, me autoriza, creio eu, a dirigir uma palavra amiga a todos os libaneses, católicos, cristãos e muçulmanos: sei que esta encontrará o caminho para chegar aos seus corações”, escreveu então o Santo Papa polonês, convidando os cidadãos desse país a confiar na sua nação e na humanidade, e convidando sobretudo os cristãos a enveredar pelo caminho da paz. “A Igreja no Líbano”, disse, “deve assegurar de maneira profética o ministério do colóquio e reconciliação que tem a sua fonte no coração de Cristo que, como a Igreja recordou durante a Semana Santa, deu a sua vida pela multidão”.
“As gerações futuras irão julgá-lo pela sua capacidade de superar as tensões presentes e o medo do amanhã. O porvir da humanidade está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir para as gerações de amanhã razões de vida e esperança. Para nós se trata de Cristo, o redentor do homem”, insiste João Paulo II, retomando os termos da Constituição conciliar Gaudium et Spes e confiando as intenções do povo libanês à “Virgem Santa, invocada sob o nome de Nossa Senhora do Líbano, aquela que com os braços abertos da colina de Harissa, oferece a todo o Líbano o seu sorriso e ternura, a fim de nos lembrar que só o amor pode fazer grandes coisas!”
A reconstrução de um “País mensagem”
Durante os últimos anos da guerra, o Papa mobilizará redes informais e formais para tentar salvar vidas e achar soluções para o conflito. No plano da diplomacia pontifícia, o porvir cardeal Tauran será envolvido na negociação dos Acordos de Taif, que permitirão voltar a um certo equilíbrio, ainda que precário, a partir de 1990. Mas foi somente em 1997, depois de 19 anos de espera, que João Paulo II finalmente consegue ir fisicamente a Beirute, para uma viagem apostólica que permaneceu na história, sobretudo por sua expressão “País mensagem”, que ainda hoje é muito usada pelos libaneses que querem destacar a missão particular do Líbano no concerto das nações e no plano de Deus.
Esta visita relativamente curta, de 36 horas, foi uma ocasião para lançar as bases para o porvir. O Papa polonês, já fisicamente debilitado, dirigiu-se especialmente aos jovens com estas palavras: “Cabe a vocês derrubar os muros erigidos durante os períodos dolorosos da história de sua Nação. Não levantem novos muros em seu país! Pelo contrário, é tarefa de vocês construir pontes entre as pessoas, entre as famílias e entre as diferentes comunidades. Na vida quotidiana, desejo-lhes que façam gestos de reconciliação, para passar da desconfiança à confiança.”
Bento XVI e o convite a arraigar-se em Deus
Quinze anos mais tarde, o seu sucessor, Bento XVI, seguirá os seus passos em setembro de 2012, para a última viagem apostólica do seu pontificado, organizada depois do Sínodo das Igrejas Orientais de 2010. Enquanto o conflito na vizinha Síria e o contexto turbulento de muitos países do Oriente Médio despertavam o medo de uma viagem de alta tensão, o Papa também foi acolhido numa atmosfera calorosa e consensual pelos movimentos muçulmanos que o saudaram agitando bandeiras vaticanas, para o espanto dos jornalistas ocidentais.
O Papa hoje emérito observou em seu discurso na cerimônia de boas-vindas que o frágil equilíbrio libanês “às vezes corre o risco de se romper quando é esticado como um arco, ou sujeito a pressões que são muitas vezes tendenciosas, interessadas, contrárias e alheias à harmonia e doçura libanesas”. “É aqui que se deve dar a prova de moderação real e de grande sabedoria”, continuou Bento XVI, “convidando o povo libanês a se manter ancorado em Deus”.
“Também eu venho para dizer, como é relevante a presença de Deus na vida de cada um e como a maneira como vivemos juntos, esta convivência da qual o seu país quer dar testemunho, só será profunda se se basear num olhar acolhedor e numa atitude de benevolência para com o outro, se estiver arraigada em Deus que quer que todos os homens sejam irmãos”, insistiu o pontífice. “O célebre equilíbrio libanês, que quer continuar sendo uma realidade, pode ser prolongado graças à boa vontade e ao compromisso de todos os libaneses. Só então será um modelo para os habitantes de toda a região, e para o mundo inteiro. Não é apenas uma obra humana, mas um dom de Deus que deve ser pedido com insistência, preservado a todo o custo e consolidado com determinação.”
O Papa Francisco e seu encorajamento à juventude libanesa
O Papa Francisco, por sua vez, ainda não teve a oportunidade de fazer uma viagem apostólica ao Líbano, mas sua grande atenção à importância do colóquio islâmico-cristão na região mediterrânea naturalmente dá ao País dos Cedros um lugar especial em seu coração e em seu magistério. Em 2013, a primeira Sexta-feira Santa do seu Pontificado, poucos dias depois da sua eleição, foi marcada pela Via-Sacra no Coliseu com meditações escritas por jovens libaneses. Uma passagem significativa diz: “Senhor, que o sangue das vítimas inocentes seja a semente de um novo Oriente mais fraterno, mais pacífico e mais justo, e que este Oriente recupere o esplendor de sua vocação de berço da civilização e de valores espirituais e humanos. Estrela do Oriente, mostre-nos a chegada da Aurora.”
Em suas palavras finais, o Papa Francisco recordou que “a palavra da Cruz é também a resposta dos cristãos ao mal que continua agindo em nós e ao nosso redor”. Os cristãos devem responder ao mal com o bem, tomando a cruz sobre si, como Jesus. Esta noite ouvimos o testemunho dos nossos irmãos e irmãs no Líbano: foram eles que compuseram estas belas meditações e orações. Nós lhes agradecemos do fundo do coração por este serviço e especialmente pelo testemunho que nos dão. Vimos isso quando o Papa Bento XVI foi ao Líbano: vimos a beleza e a força da comunhão dos cristãos daquela Terra e da amizade de muitos irmãos muçulmanos e de muitos outros. Foi um sinal para o Oriente Médio e para o mundo inteiro: um sinal de esperança”.
Quase sete anos e meio depois, esta esperança continua sendo expressa nas intervenções do Papa Francisco e com gestos concretos, como o financiamento de 400 bolsas de estudo para os estudantes libaneses, decisão anunciada em 14 de maio passado. Segundo o Papa Francisco, é investindo na capacidade criativa dos jovens que nascerá um novo Líbano, fiel às suas raízes espirituais e voltado para um porvir de justiça e paz.