Há quatro anos, o bárbaro assassinato deste sacerdote de 85 anos enquanto celebrava a Missa chocou não só a França. O exemplo de uma vida sacerdotal consumada na fidelidade até o martírio, interpela ainda hoje e questiona o próprio significado do dom de si.
Manuella Affejee – Cidade do Vaticano
Na manhã de 26 de julho de 2016, dois terroristas supostamente pertencentes ao Estado Islâmico entraram na pequena Igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray, nos subúrbios de Rouen, enquanto o padre Jacques Hamel celebrava a Missa na presença de quatro fiéis, incluindo duas freiras. Uma delas conseguiu emitir um alerta, fazendo com que a força policial interviesse rapidamente. Os terroristas foram baleados; três fiéis saíram ilesos, mas o último fica gravemente ferido. Padre Hamel foi morto aos pés do altar, vestido com seus paramentos litúrgicos.
A notícia se espalhou causando espanto e pavor. Rapidamente chegou à Polônia, onde centenas de milhares de jovens de todo o mundo, muitos deles franceses, estavam reunidos para a Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia.
“Atacar uma igreja, matar um padre, é profanar a República”, afirmou na época o então presidente da República da França, François Hollande, manifestando sua proximidade a todos os católicos “feridos”, e a todos os franceses”, crentes ou não”.
Em um país golpeado por uma sucessão de ataques terroristas – Charlie Hebdo em janeiro de 2015, os ataques no Bataclan e no Stade de France em novembro de 2015 e o ataque de Nice em 14 de julho de 2016 – a comoção é geral. Apareceu a figura de um simples sacerdote octogenário, pároco aposentado, mas que ainda era muito ativo, ansioso por permanecer a serviço dos fiéis até o fim.
A graça da fidelidade
Esse exemplo de fidelidade, esse dom diário de si mesmo, é o que marcou o padre Roch Valentin, reitor do Seminário internacional de Ars e, como ele, outros sacerdotes. Além disso, aumenta cada vez mais as peregrinações ao túmulo do padre Hamel, “para pedir a graça da fidelidade, amar sempre e nunca ser amargo”, observa ele.
O dom de si faz parte da própria essência da vocação do sacerdote, seguindo a Cristo “Servo e Esposo da Igreja”. O Papa João Paulo II recordou isso em sua Exortação Apostólica, “Pastores Dabo vobis” sobre a formação do clero (1992): “o conteúdo essencial da caridade pastoral é o dom total de si à Igreja, à imagem de Cristo e em compartilhar com Ele”, escreveu.
Essa vocação ao dom permeia toda a formação dispensada pelos formadores do seminário, tanto na vida espiritual dos seminaristas quanto na formação intelectual e humana e no apostolado. Isso é “capital”, insiste padre Valentin, com o objetivo de preparar “o coração dos pastores”.
Unidos pela eternidade na oferta de Cristo
Durante a Missa celebrada na Capela da lar Santa Marta em 14 de setembro de 2016, na festa da Cruz de Jesus, o Papa Francisco afirmou que o sacerdote francês “faz parte desta corrente de mártires”, que começou com os primeiros cristãos e se repete até hoje. Na celebração estava presente a irmã do do padre Hamel e vários fiéis de Rouen, liderados por seu arcebispo.
“O padre Jacques Hamel foi degolado na Cruz, precisamente enquanto celebrava o sacrifício da Cruz de Cristo. Homem bom, manso, fraterno, que procurava fazer sempre a paz, foi assassinado como se fosse um criminoso. Eis o fio satânico da perseguição (…). Este exemplo de coragem, o martírio da sua vida, de se esvaziar a si mesmo para ajudar os outros, de criar fraternidade entre os homens, ajude todos nós a progredir sem medo. Que do Céu ele — devemos pedir-lhe, é um mártir, e os mártires são beatos, devemos rezar-lhe — nos dê a mansidão, a fraternidade, a paz, a coragem de dizer a verdade: matar em nome de Deus é satânico!”
Essas palavras ainda falam alto ao padre Valentin, assim como ecoam as do Santo sacerdote de Ars: “Oh, um sacerdote faz bem em se oferecer como sacrifício a Deus todas as manhãs!” Eles recordam a centralidade da Eucaristia na vida sacerdotal. “Celebrar todos os dias o sacrifício que Cristo fez de sua vida ao Pai por nós, deve permear a vida do sacerdote”, observa o padre Valentin. Pelas próprias mãos do sacerdote, que se une a esta oferta, “é o Bom Pastor que dá a vida”.
A trágica morte do padre Hamel pode ser entendida por esse critério. Assim, para o reitor, “a fidelidade do padre Hamel em celebrar a Missa o acolheu nessa celebração, na oferta do sacrifício de Jesus. Ele a uniu por toda a eternidade nesta oferta”.
Celebrações em sua homenagem
Este ano, novamente, a Diocese de Rouen não esqueceu o sacrifício do padre Hamel. Já há três anos, as cerimônias de homenagem foram realizadas no sábado e domingo na Igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray, presididas por Dom Dominique Lebrun, presença de Dom Éric de Moulins-Beaufort, presidente da Cnoferência Episcopal francesa. Também tomou parte Gérald Darmanin, novo ministro do Interior e dos Cultos
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Celebrações neste domingo em memória do padre Jacques Hamel