Na Aula Nova do Sínodo, teve lugar na manhã deste domingo, 4 de outubro, a conferência de apresentação da Encíclica “Fratelli tutti”. O Secretário de Estado afirmou que para o Papa “a pandemia expôs as nossas falsas seguranças” e que precisamos “fazer da fraternidade um instrumento para agir nas relações internacionais”, é necessária “uma forma de autoridade mundial regulada pelo direito de forma sinodal”.
Vatican News
Devemos seguir pelo caminho da fraternidade, do agir juntos juntos por uma verdadeira justiça social a nível mundial. O Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin, durante a conferência de apresentação da Encíclica “Fratelli Tutti”, enfatizou que “o Papa utiliza a experiência da pandemia ‘que expôs as nossas falsas seguranças’ (FT, 7), recordando a necessidade de uma ação capaz de dar respostas e não apenas de analisar os fatos. Esta ação é ainda carente e talvez assim vai permanecer mesmo diante das conquistas que a pesquisa e a ciência alcançam todos os dias. É carente porque ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto. Apesar de estarmos hiperconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou difícil resolver os problemas que nos afetam a todos”. O Cardeal Parolin recordou ainda que “o colóquio destrói as barreiras do coração e da mente, abre os espaços para o perdão, favorece a reconciliação”. O Secretário de Estado desejou igualmente que as estruturas internacionais acolham o que o Papa escreveu, como aconteceu com a Laudato Sì, mas é também necessário o “compromisso pessoal” de todos nós, traduzindo-o na vida de cada dia.
Uma organização mundial mais eficiente
O Secretário de Estado destaca, pois, que, segundo o Papa, “para fazer da fraternidade um instrumento de ação nas relações internacionais, é necessário fazer crescer não apenas uma espiritualidade da fraternidade, mas ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente, para ajudar a resolver os problemas urgentes”. E são ainda muitos os passos a fazer nesta frente. Aquilo que se verifica no cenário internacional contemporâneo, afirma Parolin, “é a aberta contradição entre o bem comum e a atitude de priorizar os interesses dos Estados, e mesmo de Estados individuais, na convicção de que possam existir ‘zonas sem controle’ ou que seja válida a lógica de ‘o que não é proibido é permitido’”. O resultado, como afirma Francisco na Encíclica, é que “a multidão dos abandonados fica à mercê da eventual boa vontade de alguns” (FT, 165). E isto é «o oposto exato da fraternidade que, pelo contrário – afirma sempre o Papa – introduz à ideia dos interesses gerais, os interesses capazes de constituir uma verdadeira solidariedade e modificar não só a estrutura da comunidade internacional, mas também a dinâmica interna da relação. Na verdade, uma vez aceite a supremacia de tais interesses gerais, a soberania e a independência de cada Estado deixam de ser um absoluto e para se submeterem à “soberania do direito, sabendo que a justiça é requisito indispensável para a realização do ideal da fraternidade universal” (FT, 173). Este processo não é automático, mas requer “coragem e generosidade para estabelecer livremente determinados objetivos comuns e assegurar o cumprimento em todo o mundo de certas normas essenciais”.
Uma forma de autoridade mundial regulada pelo direito
Eis porque é necessário reforçar as autoridades internacionais, a governanção da comunidade global. O Secretário de Estado sublinhou que na Encíclica “Fratelli Tutti”, o Papa Francisco, em coerência com todos os seus Predecessores, defende a necessidade de uma ‘forma de autoridade mundial regulada pelo direito’, mas isto não significa ‘pensar numa autoridade pessoal’ (FT, 172). À centralização de poderes, a fraternidade substitui uma funcionalidade colegial – aqui não é estranha a visão “sinodal” aplicada ao governo da Igreja, que é própria de Francisco – determinada por “organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a defesa segura dos direitos humanos fundamentais” (Ibid.).
Reforçar multilateralismo numa sociedade fragmentada
A fraternidade deve ter como objetivo principal fazer dialogar os povos. Para o Cardeal, “não faltam, de fato, marcadas preocupações pela vontade de esvaziar a razão e o conteúdo do multilateralismo, mais do que nunca necessário numa sociedade mundial que vive a fragmentação das ideias e decisões, como expressão de um pós-global que avança. Uma vontade que é fruto de uma abordagem exclusivamente pragmática, e que esquece não apenas princípios e regras, mas os múltiplos gritos de socorro agora cada vez mais constantes e complexos e, portanto, também capazes de comprometer a estabilidade internacional. E eis as contraposições e conflitos que degeneram em guerras que, pela complexidade das causas que as determinam, estão destinadas a continuar no tempo sem soluções imediatas e praticáveis. Invocar a paz é de pouca utilidade. O Papa Francisco nos diz que “existe grande necessidade de negociar e, assim, desenvolver percursos concretos para a paz. Porém, os processos efectivos de uma paz duradoura são antes de tudo transformações artesanais feitas pelos povos, nas quais cada pessoa pode ser um fermento eficaz com o seu estilo de vida quotidiana. As grandes transformações não se constroem na mesa ou no escritório”.
Reforçar o sentido comum de humanidade
É por isso que os responsáveis das nações devem tomar medidas para colocar em primeiro lugar os interesses dos povos. “Aos responsáveis das Nações, aos diplomatas, aos que trabalham pela paz e o desenvolvimento, a fraternidade propõe-se transformar a vida internacional de uma simples co-existência, quase necessária, em uma dimensão baseada naquele senso comum de “humanidade” que já hoje inspira e sustenta muitas normas e estruturas internacionais, favorecendo assim uma efectiva convivência – afirma o Cardeal – É a imagem de uma realidade em que as demandas dos povos e dos indivíduos prevalecem, com um aparato institucional capaz de garantir não interesses particulares, mas sim aquele desejado bem comum mundial (cf. FT, 257)”. E ainda: “Através da cultura da fraternidade, o Papa Francisco chama cada um a amar o outro povo, a outra nação como a sua. E assim a construir relações, regras e instituições, abandonando a miragem da força, do isolamento, das visões fechadas, das ações egoístas e partidárias, pois “a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade” (FT, 105).
Cardeal Guixot: a fraternidade via de cada credo religioso
O Cardeal Miguel Angel Ayuso Guixot, presidente do Pontifício Conselho para o colóquio Inter-religioso, afirmou que “viver a própria identidade na ‘coragem da alteridade’ é o limiar que hoje a Igreja do Papa Francisco nos pede que cruzemos. Trata-se de dar passos concretos juntamente com os fiéis de outras religiões e as pessoas de boa vontade, com a esperança de que todos nos sintamos chamados a ser, sobretudo no nosso tempo, mensageiros de paz e construtores de comunhão. Deus é o Criador de tudo e de todos, por isso somos membros de uma única família e, como tais nos devemos reconhecer. É este o critério fundamental que a fé nos oferece para passarmos da mera tolerância à convivência fraterna. O convite de nos colocarmos ao serviço da fraternidade para o bem de toda a humanidade que o Papa Francisco dirige às diferentes religiões anuncia uma nova era. O nosso caminho comum abre-se a uma nova luz e a uma nova criatividade que desafiam o próprio coração de cada religião, e não só: a fraternidade pode também se tornar a via de cada credo religioso. Num mundo desumanizado, em que a indiferença e a ganância caracterizam as relações entre as pessoas, são necessárias uma nova e universal solidariedade e um novo colóquio baseado na fraternidade. O colóquio inter-religioso desempenha uma função essencial na construção de uma convivência civil, numa sociedade que inclui e não se construa sobre a cultura do desperdício”.
Riccardi: a guerra mãe de todas as pobrezas
Para Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egidio, “a guerra nunca se pode circunscrever, mas se torna a mãe de todas as pobrezas. É uma escola perversa para os jovens e polui o porvir. Parece um recurso para os desesperados das periferias humanas. A guerra em pedaços mostra a fragmentação arrogante do mundo global, que considera um delírio – diz o Papa – os projetos com grandes objetivos de desenvolvimento para a humanidade.O mundo global rejeita um projeto de crescimento, devido à prepotência dos interesses que o movem: assim, ele rejeita um grande sonho de paz. A Encíclica mostra que cada um de nós é guardião da paz. Há uma tarefa das instituições na arquitetura da paz que se deve revitalizar. Mas mesmo nós, gente comum, não podemos ser espectadores. A construção da paz é tarefa de todos: é preciso ousar mais contra a guerra com uma revolta quotidiana e criativa. Se tantos podem fazer a guerra, todos podem trabalhar como artesãos da paz. A guerra corre o risco de ser o porvir”.
Abdel Salam: a fraternidade universal è uma absoluta necessidade para o mundo
O juiz Mohamed Mahmoud Abdel Salam, Secretário-Geral do Alto Comité para a Fraternidade Humana, afirmou que “nós somos a favor da união de energias religiosas para enfrentar a discriminação, o racismo e o ódio. E ao mesmo tempo trabalhamos para a consolidação da própria doutrina, para o aprofundamento dos próprios aspectos específicos e para evitar a desunião ou desintegração. Este é o objetivo de cada pessoa fiel à sua religião. A fraternidade universal permanece – ontem, hoje e amanhã – uma necessidade absoluta para todo o mundo e é imprescindível para a salvação. Porque ela dará vida a uma civilização equilibrada e feliz, centrada no homem independentemente da cor da pele, sexo, língua e religião”. Abdel Salam anunciou que estão sendo desenvolvidos novos projetos a nível internacional propostos pelo Comité para reforçar o colóquio entre as religiões. Além disso, uma centena de jovens serão convidados em Roma para meditar sobre a fraternidade.
Rowlands: sobre a dignidade humana nenhuma preferência política deve prevalecer
A professora da Universidade de Durham, Anna Rowlands, ressaltou que “a Encíclica tem muito claro o peso da responsabilidade que recai sobre as comunidades religiosas. Os grupos religiosos estão envolvidos na mesma cultura digital e de mercado que nos prejudica. De forma imperdoável, os líderes religiosos têm tardado de condenar as práticas injustas, passadas e presentes. Também as religiões precisam de arrependimento e renovação. A Encíclica Fratelli Tutti as exorta a serem modelos de colóquio, mediadoras de paz e portadoras de uma mensagem transcendente de amor a um mundo faminto, cínico e sem raízes. Recordando a Declaração de Abu Dhabi, a Encíclica reafirma a dignidade absoluta da pessoa humana, sobre a qual nenhuma preferência política, nenhuma “lei” de mercado pode prevalecer. Aqui o Papa Francisco destaca o tratamento reservado aos migrantes. Sublinha os mandamentos bíblicos que convidam a acolher o estrangeiro, os benefícios que podem advir do encontro entre as culturas e o convite a um amor puro e incondicional”.