Rage bait é uma estratégia de conteúdo muito comum nas redes sociais em que alguém publica algo a fim de provocar raiva, indignação ou irritação — de propósito — para gerar engajamento ligeiro.
Padre Arnaldo Rodrigues
Por que devo odiar? Por que devo estimular a raiva? Parece absurdo, mas um novo estilo de interação — baseado na raiva e na polarização — tem criado uma nova forma de engajamento. Porém, vale tudo? É assim que queremos construir um novo modo de nos relacionarmos? Como criar vínculos?
Nesta semana a Universidade de Oxford elegeu como palavra do ano o termo rage bait, que literalmente significa “isca de raiva”. Trata-se de lançar a isca da indignação, da polarização e do intolerável para provocar uma imenso interação. É impressionante pensar que estilos de relação sustentados na ira tenham como ponto de partida a raiva pura e simples.
A universidade é a mesma que, no passado, foi responsável pelo reconhecimento das palavras brain rot e selfie (“deterioração do cérebro” e “fotografia tirada de si mesmo”) como palavras usadas na internet.
Mas o que é rage bait? E como funciona?
Rage bait é uma estratégia de conteúdo muito comum nas redes sociais em que alguém publica algo a fim de provocar raiva, indignação ou irritação — de propósito — para gerar engajamento ligeiro. A pessoa posta algo absurdo, polêmico, ofensivo ou provocativo. Esse tipo de postagem desperta raiva ou indignação, levando as pessoas a comentar, xingar, compartilhar e dizer: “olha isso!”. Ao reagir assim, o usuário acaba alimentando a circulação do próprio conteúdo que condena. O objetivo é fazer você morder a isca, reagindo emocionalmente. A raiva se torna combustível para o algoritmo e, consequentemente, gera engajamento e até lucro para quem criou a estratégia.
Diante disso, podemos nos questionar: por que isso funciona tão bem?
O fenômeno do rage bait se tornou comum porque a lógica das plataformas valoriza interações fortes — e a raiva é uma das emoções que mais acelera a circulação de conteúdo. A lógica algorítmica é simples: se está rendendo comentários, deve ser interessante. Mas os algoritmos não avaliam se o conteúdo é bom ou destrutivo. A raiva acelera respostas, impulsiona compartilhamentos e cria um ciclo de retroalimentação. Na prática, o conteúdo tóxico passa a ser premiado: quanto mais provoca, mais aparece. Isso favorece a polarização, as fake news, a cultura do cancelamento e dinâmicas agressivas de debate. Quem se beneficia é quem manipula emoções — não quem busca a verdade.
Do ponto de vista psicológico, o rage bait explora o mecanismo do negativity bias, segundo o qual o cérebro dá mais atenção ao negativo do que ao positivo. E do ponto de vista comunicacional, reforça uma dinâmica performativa: as pessoas competem para ver quem reage mais ligeiro e com mais indignação. O debate se torna um espetáculo emocional. Em contexto eclesial e pastoral, isso é especialmente perigoso: transforma o colóquio em confronto, a evangelização em disputa e a verdade em arma retórica.
E como responder a isso?
Antes de tudo, reconhecendo o mecanismo. Não devemos reagir impulsivamente, nem comentar ou compartilhar para criticar, e sempre lembrar que “indignação não é discernimento”. O Papa Francisco afirmou que a melhor forma de combater tecnologias desonestas é incentivar o pensamento crítico. Precisamos educar para a cultura da serenidade, da análise e da verificação. Cada curtida ou comentário premia o conteúdo — até quando o criticamos. Para comunicadores, de todas as áreas, é essencial cultivar um olhar atento ao impacto emocional das redes, evitando cair na lógica do “engajar a qualquer custo”. Não podemos ceder à cultura da performance, que tantas vezes pode desfigurar o sentido de nossa presença nas redes.
Em seguida, devemos recordar quem somos e como deve ser a nossa comunicação. Se o rage bait se alimenta de ódio, a comunicação cristã se alimenta de verdade, colóquio, misericórdia e responsabilidade. A paz também nos ambiente digital deve começar “em cada um de nós: no modo como olhamos os outros, ouvimos os outros, falamos dos outros. Neste sentido, o modo como comunicamos é de fundamental importância: devemos dizer “não” à guerra das palavras e das imagens, devemos rejeitar o paradigma da guerra”(Papa Leão XIV).
A fé, o discernimento e a empatia nos convidam a quebrar o ciclo da provocação, oferecendo uma presença diferente nas redes: uma presença que escuta e constrói pontes. Não se trata de ingenuidade, mas de compromisso com uma cultura digital mais humana e menos reativa, na qual a palavra — mesmo no ambiente online — continue sendo instrumento de vida, e não de manipulação. Nossa comunicação deve ser proativa e positiva, indo ao encontro do outro, para que haja uma verdadeira identificação com um testemunho coerente também no ambiente digital.
“Desarmemos a comunicação de todo preconceito, rancor, fanatismo e ódio; purifiquemo-la da agressividade. Não precisamos de uma comunicação estrondosa e muscular, mas de uma comunicação capaz de ouvir, de acolher a voz dos frágeis que não têm voz. Desarmemos as palavras e ajudaremos a desarmar a Terra. Uma comunicação desarmada e desarmante permite-nos partilhar uma visão diferente do mundo e agir de modo coerente com a nossa dignidade humana.” (Papa Leão XIV)


