Relatório apresentado em Roma traz estudos sobre “os 20 últimos países da Terra”

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A ideia – que nasceu da colaboração de estudiosos, entidades religiosas, leigos e comunidades da diáspora dos países mais pobres da Terra – quer trazer à tona as instâncias e as histórias dos países frágeis. O relatório 2025, apresentado nesta semana em Roma, analisa os problemas compartilhados por 20 nações – do Afeganistão a Burkina Faso, ao Haiti e ao Iêmen – para chamar a atenção global para crises esquecidas.

Luca Attanasio – Vatican News

A intuição surgiu em 2021, o ano da presidência italiana do G20. O projeto deveria atuar como um contrapeso à cúpula dos países mais fortes, trazendo à tona as solicitações, as histórias dos mais fracos, bem como as razões por trás de sua fraqueza. Foi por isso que nasceu “The Last 20” (L20), cuja edição de 2025 foi apresentada esta semana em Roma, um observatório formado por pesquisadores, comunidades da diáspora e associações, que elabora um relatório após estudar durante um ano os 20 últimos países da Terra de acordo com as estatísticas internacionais dos principais indicadores socioeconômicos. E se engaja em uma batalha civil para trazê-los para o centro da agenda internacional.

Esta é, em ordem alfabética, a lista dos L20 de acordo com o relatório recém-publicado: Afeganistão, Burkina Faso, Burundi, Chade, Eritreia, Gâmbia, Haiti, Libéria, Madagascar, Malaui, Mali, Moçambique, Níger, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Serra Leoa, Somália, Sudão do Sul, Togo, Iêmen. O estudo não se limita a denúncias, mas oferece análises sociológicas, estatísticas, econômicas e geopolíticas muito detalhadas e é uma ferramenta valiosa para entender o estado de saúde do mundo mais negligenciado, mas também para propor soluções.

O peso do endividamento

Os problemas que fazem dessas nações as últimas 20 da Terra são muitos: uma história secular, nunca definitivamente curada, de escravidão e colonialismo inaugurada e perpetrada pela Europa (pela qual, além disso, o Velho Continente ainda não pagou o preço); conflitos; a exploração imprudente de recursos infinitos; problemas ambientais muito graves induzidos em grande parte pelo Ocidente, e muitos outros.

Também pesam drasticamente sobre as economias do L20 dois fatores que parecem pedras. O primeiro é a dívida. “Em termos econômicos”, explica Ugo Melchionda, um dos editores do dossiê, “os países do grupo L20 são caracterizados pela extrema vulnerabilidade devido à forte dependência da ajuda externa, às altas taxas de juros sobre a dívida externa que, muitas vezes, forçam os governos a comprometer grande parte do orçamento em vez de investir em serviços públicos e manter o estado em um estado de subdesenvolvimento”. O segundo é o gasto militar: uma parte significativa do gasto público de quase todos esses países é alocada para armas. Isso reduz muito os recursos disponíveis para serviços sociais, como saúde e educação. 

Crescimento desigual

O crescimento econômico, mesmo entre os países do L20, tem sido muito desigual: o Níger e a República Democrática do Congo registraram taxas de crescimento acumuladas significativas (para o Níger, mais de 35% entre 2019 e 2024), graças, em parte, à extração de recursos naturais. Em contrapartida, outros países, como o Haiti e o Sudão do Sul, sofreram uma contração significativa do PIB devido a conflitos contínuos ou à crise estrutural da autoridade do Estado.

De acordo com o Global Hunger Index, em alguns países, como Gâmbia e Burkina Faso, a porcentagem de crianças carentes (desnutrição aguda) diminuiu, mas em outros, como Níger e Iêmen, ela continua grave. A desnutrição crônica (raquitismo) afeta mais de 40% das crianças no Afeganistão, Burundi e Níger.

As taxas de alfabetização feminina melhoraram em alguns países, como Moçambique e Togo, devido ao aumento dos esforços de matrícula escolar. Entretanto, os problemas de qualidade persistem devido à infraestrutura inadequada e à falta de recursos educacionais. As melhorias na saúde são evidentes na redução das taxas de mortalidade de menores de cinco anos em países como a República Centro-Africana e a Somália, embora essas taxas permaneçam bem acima da média global.

Desafios para o Sul Global

A pergunta que os autores do relatório fizeram a si mesmos foi: que sentido faz multiplicar conferências, fazer acordos, buscar soluções para os dramas de nosso tempo, sem nunca ouvir a voz daqueles que vivem esses dramas na pele?  Não seria mais conveniente, além de mais justo, ouvir o ponto de vista daqueles que vivem e enfrentam imensos desafios em primeira mão e entendem, evidentemente, muito mais do que aqueles que observam de distante?

O Sul global também é assim porque continua a ser uma terra de conquista e exploração para o benefício de outros. “A África”, diz Eulalia Guiliche, representante da comunidade moçambicana na Itália, “ainda é uma terra a ser sacrificada aos interesses europeus. Um caso emblemático é o do meu país, onde há grandes depósitos de gás natural que só nos causaram problemas desde que foram descobertos. Além da guerra (na área de Cabo Delgado), agora estamos passando por uma grave instabilidade política após as eleições de 2024: o mundo inteiro viu o que estava acontecendo em Moçambique, mas ninguém, a começar pela Europa, que tem muitas empresas de mineração no país, mexeu um dedo. Os interesses externos sempre vêm antes das pessoas”.

O Relatório Last20, prossegue Melchionda, “quer trazer à tona os aspectos problemáticos dos Estados mais empobrecidos do mundo, mas também pretende nos lembrar da riqueza humana e cultural das pessoas que vivem lá. Nosso observatório será o protagonista, no final de outubro, de uma conferência internacional organizada em Assis em colaboração com a associação Laudato si’. Será uma oportunidade, em um ano de jubileu, de relançar o tema da dívida desses países e de discutir soluções viáveis. E a oportunidade de dar voz a esses ‘últimos’ para que eles sejam ‘últimos, mas não menos importantes’”.

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