O fotógrafo brasileiro, falecido em Paris aos 81 anos, mostrou ao mundo com suas imagens a beleza e o sofrimento de muitas regiões do Planeta e das pessoas que nelas vivem. Suas imagens em preto e branco tornaram-se, ao longo dos anos, icônicas de um ambiente cada vez mais ameaçado: da Amazônia à África e à Ásia. Alessandra Mauro, da editora Contrasto: em sua obra há sempre um convite ao compromisso e à esperança.
Eugenio Murrali – Vatican News
Sebastião Salgado tinha a capacidade de esculpir a luz. Uma formação inicial como economista e uma grande sensibilidade levaram-no a um olhar atento para as desigualdades, para o avanço voraz da tecnologia e da urbanização, para aquele mistério essencial redescoberto com flashes: a humanidade, em sua dimensão autêntica, épica, primordial. Seu preto e branco, os contrastes simbólicos e visuais, a corporeidade quase tangível dos sujeitos que fixava em claro-sombrio são essa canção, esse grito que se eleva em cada uma de suas imagens: seres humanos, árvores, elementos como a água, o gelo, as nuvens ou mesmo o vento capturado em sua força invisível. Suas fotografias frequentemente se entrelaçam com os temas centrais da Encíclica Laudato si’ e da Exortação Apostólica Querida Amazônia, do Papa Francisco.
“A mão do homem”
Alessandra Mauro, diretora editorial da Contrasto, trabalhou com Salgado: “Ele foi uma pessoa muito relevante para mim”, lembra ela. “Comecei a trabalhar com fotografias, exposições e livros de fotografia no início dos anos 1990; um dos primeiros projetos foi “A mão do homem”, de Sebastião Salgado. Era dedicado ao trabalho manual do ser humano no final de um milênio e no limiar do outro.” Alessandra Mauro também relata a felicidade humana desse compromisso: “Lembro-me do prazer, do entusiasmo em montar a exposição, em ver todas essas imagens e depois em criar o livro. Comecei a entender a força do trabalho de Sebastião, que com a fotografia procurava realizar grandes projetos de comunicação em torno de temas cruciais do nosso tempo: trabalho, migração e mudanças climáticas. Tudo isso usando a fotografia de uma forma completamente nova.”
Uma história épica
O estilo de Salgado é incrivelmente clássico – o branco e preto muito fortes e contrastantes – mas também muito moderno na sua capacidade de imaginar percursos fotográficos e textuais em torno de temas globais. “Cada projeto que ele realizava – sublinha a diretora de Contrasto – durava de seis a oito anos e reunia, uma após a outra, sessenta ou setenta reportagens diferentes: ele conseguia abordar um tema – por exemplo, o da migração, do movimento de povos – incluindo todos no seu projeto. Todos nos sentimos, e ainda nos sentimos, representados em sua história épica, feita através de imagens, mas rica em informação. Numa época em que a fotografia parece ter dito tudo – acrescenta a diretora de Contrasto – esta capacidade de continuar a achar novas formas de contar a realidade é realmente um valor muito grande que Sebastião trouxe para a fotografia e a comunicação do nosso tempo”.
Um olhar sobre as feridas do planeta
Um dos primeiros grandes amores de Salgado foi o Continente Africano, cuja beleza e feridas, como a seca, ele relatou. Mas ele também retornou às questões ambientais nos últimos anos, em particular com o projeto sobre sua América do Sul, ao qual dedicou a exposição Amazônia. “Esta exposição – lembra Alessandra Mauro – foi montada na Itália, em Roma, Milão e Trieste. Cada caminho que ele percorreu foi profissional, mas também humano, e estava ligado à sua história pessoal. Sebastião Salgado deixou o Brasil e veio para a Europa. Ele realizou um grande livro sobre seu continente. Chama-se ‘Outras Américas’ e é a descoberta de um território diferente. O último grande afresco é mais uma vez dedicado ao coração de sua terra, a Amazônia. Este pulmão verde é um lugar de uma cultura incrivelmente ampla, a ser conhecida e vista, a ser salva e salvaguardada.”
Mostrar a beleza
As instâncias ética e estética nunca se separam na obra de Sebastião Salgado. Alessandra Mauro relembra a grande habilidade composicional de Salgado, que se combinava “com um desejo de viver, de mostrar a beleza, sem nenhum senso de culpa, uma forma talvez muito próxima do seu jeito de ser e sentir o mundo sul-americano. Mas, fundamentalmente, quando uma realidade é mostrada da melhor maneira possível, também se presta um bom serviço à causa ética. Penso em seu trabalho sobre as mudanças climáticas. Ele decidiu não tanto expor o mundo degradado, mas o que ainda é bonito, a ser preservado: com seu trabalho, ele nos diz como é relevante nos comprometermos profundamente contra as mudanças climáticas, justamente em virtude das belezas que ainda temos a preservar e das quais devemos nos orgulhar e cuidar. Há sempre nele uma mensagem de esperança, um desejo de fazer, de estar presente”.