Santa Joana d'Arc, símbolo da unidade da nação francesa

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Era 16 de maio de 1920 quando o Papa Bento XV elevou a “Donzela de Orleans” à grandeza dos altares. Essa canonização, realizada cinco séculos após sua morte, constitui uma etapa relevante na aproximação entre a Igreja e as autoridades da República Francesa, após anos de confronto.

Manuella Affejee – Cidade do Vaticano

As festividades em 14 dioceses francesas, incluindo a de Orleans, não ocorrerão como o planejado, devido ao contexto sanitário, tendo sido adiadas provavelmente para se realizarem no outono.

A humilde camponesa de Domrémy, sem dúvida, ocupa um lugar especial na história da França. Heroína carismática que corajosamente liderou as tropas francesas contra os exércitos ingleses em meio à Guerra dos Cem Anos, ela também é, e acima de tudo, esta santa que edificou seus contemporâneos com sua pureza, com a força de sua alma e sua fé inabalável em Deus. As tantas estátuas da “Donzela de Orleans” são encontradas em inúmeras igrejas, mas também ornamentam muitos lugares da França: prova de sua grande popularidade e de uma fama que ultrapassa os limites da Igreja.

Sua canonização por Bento XV em 1920, cinco séculos após sua morte, de alguma forma selou a reconciliação entre a Igreja e a República Francesa, após anos de confronto. Ainda hoje, a santa e heroína nacional, simbolizam a unidade de toda a sociedade francesa.

 

A esse respeito, conversamos com Jean Garrigues, historiador, professor da Universidade de Orleans:

Na França, Joana D’Arc foi uma figura para além de seu caráter religioso. Isso é algo que já data do século XIX, um período em que historiadores e intelectuais se apropriaram da história de Joana D’Arc; é uma espécie de patrimônio coletivo que fez dela uma heroína patriota ou patriótica. Ela foi integrada dessa maneira nessa visão coletiva dos grandes heróis franceses. Essa apropriação republicana de Joana d’Arc fez dela uma heroína religiosa e secular ao mesmo tempo.

Joana é invocada pelos Poilus como “santa padroeira das trincheiras”; poder-se-ia dizer que a Grande Guerra foi um ponto de virada nessa “apropriação republicana” a que você se refere?

A guerra havia sido a ocasião para uma aproximação entre a Igreja e o Estado republicano. Depois dos problemas e dificuldades dos primeiros anos do século XX – que levaram à separação entre Igreja e Estado – há, portanto, uma reconciliação entre os religiosos e os leigos. Tudo isso favoreceu primeiro a beatificação (1909), portanto antes da guerra, mas principalmente a canonização, em 1920.

Hoje, como a figura de Joana D’Arc poderia ainda unir autoridades políticas e religiosas? Como esta unidade se manifesta?

É um pouco complicado, porque, como você sabe, a festa de Joana D’Arc foi reivindicada há algumas décadas por uma corrente política que representa a extrema direita na França. E isso é mais um fator de divisão do que unidade. Ao mesmo tempo, Joana d’Arc foi um símbolo da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Ela foi repetidamente invocada pelo general De Gaulle, que a tornara uma de suas heroínas. Por essa razão, o próprio de Gaulle, em 1959, quando foi eleito presidente da República, participou das celebrações de Joana d’Arc, que acontece todos os anos em Orleans. Tornou-se tão popular que figuras políticas importantes, até presidentes, passaram a participar dessas celebrações joaninas desde a década de 1950. É um sinal desse apego a Joana, não somente como referência para heroísmo e patriotismo, mas também como vetor de unidade para a sociedade francesa.

A aproximação que teve início entre a Santa Sé e a França durante a Grande Guerra foi concluída com o restabelecimento das relações diplomáticas em 1921. A canonização de Joana deve ser vista como um passo relevante nessa aproximação ou apenas como um acessório?

Não, é realmente um passo relevante. Após essa dinâmica de reaproximação (…), houve algumas tensões durante o “cartel da esquerda”, entre o governo francês, o episcopado e o Vaticano; mas o processo foi lançado e confirmado posteriormente. A canonização foi um passo simbólico, que não era apenas acessório, inseignificante, porque marca uma forte dinâmica histórica. Isso também faz parte de uma dinâmica política, como evidenciado pela condenação do Vaticano em 1926 da Ação Francesa, que justamente fazia parte das ligas que contestavam a legitimidade da República. Esse gesto tem uma lógica própria – especialmente no que diz respeito a Charles Maurras -, mas ele é simbólico desse desejo de apaziguamento, de reaproximação entre o Vaticano e a República Francesa.

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